Qualidade de produção não salva cinebiografia de escritora vivida por Renée Zellweger em obra com roteiro deficiente

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Um clichê surrado e sem sentido diz que a vida imita a arte. Quando se invertem os termos, quase sempre o resultado é dispensável. A falta de imaginação de roteiristas inundou os cinemas de biografias, histórias baseadas em fatos reais e outras espécies do gênero. "Miss Potter" é apenas mais um exemplar e dos mais dispensáveis.
Dirigido pelo australiano Chris Noonan ("Babe, o Porquinho Atrapalhado"), o filme retrata a vida da autora britânica de livros infantis Beatrix Potter (1866-1943), criadora do coelho Peter Rabitt. Sob a rigidez moral da Inglaterra vitoriana, Potter (nenhum parentesco com o mago Harry) busca se impor, por meio do trabalho, como mulher só e independente, até encontrar o príncipe encantado na figura de um editor.
Tanto pela época quanto pelos cenários, o filme evoca as obras de James Ivory, exemplo bem acabado de cinema de qualidade que, se não chega a provocar sobressaltos de criatividade, também não mata de tédio. Mas o precioso retrato de costumes e a obsessão romanesca de Ivory resumem-se ao princípio da fidedignidade. Sobram qualidades da produção na direção de arte e nos figurinos, mas falta uma alma para dar vida a tanta beleza postiça.
Cercada de um elenco de bons atores britânicos, a simpática Renée Zellweger gasta a maior parte de sua energia tentando fazer seu sotaque artificial soar convincente.
Um dos grandes problemas, contudo, está no roteiro, que deixa progressivamente de lado o que havia de mais interessante na personagem, sua trajetória como autora de um universo de fábulas protagonizadas por animais, para se concentrar no simbolismo de Potter como proto-feminista e proto-ambientalista. A determinada altura, porém, abandona até mesmo esse pioneirismo para sujeitá-la aos cânones ultrapassados de modelo feminino, que se resume a querer um bom marido e ser feliz.
Desse modo, "Miss Potter" comprova, mais uma vez, que mesmo uma história simpática não é o suficiente para fazer um filme que se fixe na memória.