São Paulo, quarta-feira, 30 de agosto de 2006

Texto Anterior | Índice

Crítica/teatro

"Leonce e Lena" é uma fábula confusa

Para apreciar esta montagem de "Leonce e Lena", é preciso antes de tudo ter na cabeça que Gabriel Villela não é o tipo de encenador que procura "servir ao autor". O texto, seja qual for, é um pretexto para suas associações, e mais do que a genialidade de Büchner, é a de Villela que está em pauta. O encenador não assume, porém, a autoria do texto, e essa modéstia estratégica é desmentida pela desenvoltura com que propõe cacos.
Situa a fábula romântica alemã em um universo de cantigas populares brasileiras, com as quais tem em comum uma ingênua moral embutida, o que tem uma certa eficácia, sobretudo quando conta com o grande preparo vocal de Nábia Villela. No entanto, a escolha poderia ser menos aleatória: "Estrada da Vida", por exemplo, condena a ambição desmedida, o que não é a questão do príncipe niilista Leonce, que busca fugir do tédio.
Porém, pela estética do excesso de Villela, todas as tangentes viram fogos de artifício. Talvez encorajado pela epígrafe do texto, um citação de "Como Gostais", de Shakespeare, ("Meu orgulho está num casaco colorido"), os figurinos da peça mesclam cores e tecidos, refletindo o tom barroco dos diálogos, mas pouco eficazes para contar a história e caracterizar personagens. O orgulho de Villela está também em demonstrar erudição, com citações de "Hamlet", "Romeu e Julieta" e "A Vida É Sonho" que acrescentam pouco. Da mesma forma, a associação do pai de Leonce com o rei nu da fábula de Andersen, "A Roupa Nova do Rei", já seria conotação política suficiente, mas a encenação é conivente o bastante para incorporar uma imitação do presidente Lula que faz a montagem dissolver-se em humor raso de TV.
Talvez procurando a fusão shakespeariana do baixo cômico e da alta poesia, o espetáculo se estabelece em dois tons muito diferentes. Deixa nas mãos de Rodrigo Fregnan, o Rei, e de Ando Camargo (que faz, no travesti Roseta, a amante do príncipe) a garantia de fazer rir os amigos da platéia, não recuando diante de nenhum truque constrangedor. A puerilidade parece ser honra do encenador-adaptador, como demonstra a escolha de rebatizar os reinos da fábula de Pipi e Popô.
Por outro lado, Villela tem à disposição para o papel de Leonce o grande talento de Luiz Päetov, que demonstrou em recente montagem um repertório de tons e gestos raro para atores de sua geração. Aqui, na maior parte das vezes, ele se limita a recitar, talvez para não contrastar demais com sua Lena (Ana Carolina Godoy), cujo frescor compensa em parte a falta de experiência.
Declamam a tradução literária de Christine Rohring, penando nos trocadilhos, e, embora seus respectivos criados tenham carisma, esta parte "séria" resulta em monotonia e parece um mero pano de fundo para o próximo achado "genial" e escatológico do encenador. Para os que vêm em busca de Büchner, o conselho é que esperem outra ocasião. Quem vem à procura de Villela, entre e fique à vontade. Mas, para a maioria do público, que vem para ouvir uma história, resta apenas uma fábula confusa, que expressa talvez a impossibilidade de se falar a sério em um país tão precário. Dadas as boas condições que desperdiça, de orçamento e elenco talentoso, não deixa de soar um pouco cínico esse niilismo de Villela.


LEONCE E LENA  
Direção: Gabriel Villela
Elenco: Luiz Päetow, Luciana Carnielli
Quando: qui., às 17h; de sex. a dom., às 20h
Onde: Unidade Provisória Sesc Avenida Paulista (av. Paulista, 119, tel. 3179-3700)
Quanto: de R$ 7,50 a R$ 20


Texto Anterior: Mostra de filmes coloca política em evidência
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.