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Crítica/teatro
"Leonce e Lena" é uma fábula confusa
Para apreciar esta montagem de "Leonce e Lena", é preciso antes de
tudo ter na cabeça que Gabriel
Villela não é o tipo de encenador que procura "servir ao autor". O texto, seja qual for, é um
pretexto para suas associações,
e mais do que a genialidade de
Büchner, é a de Villela que está
em pauta. O encenador não assume, porém, a autoria do texto, e essa modéstia estratégica é
desmentida pela desenvoltura
com que propõe cacos.
Situa a fábula romântica alemã em um universo de cantigas
populares brasileiras, com as
quais tem em comum uma ingênua moral embutida, o que
tem uma certa eficácia, sobretudo quando conta com o grande preparo vocal de Nábia Villela. No entanto, a escolha poderia ser menos aleatória: "Estrada da Vida", por exemplo,
condena a ambição desmedida,
o que não é a questão do príncipe niilista Leonce, que busca
fugir do tédio.
Porém, pela estética do excesso de Villela, todas as tangentes viram fogos de artifício.
Talvez encorajado pela epígrafe do texto, um citação de "Como Gostais", de Shakespeare,
("Meu orgulho está num casaco
colorido"), os figurinos da peça
mesclam cores e tecidos, refletindo o tom barroco dos diálogos, mas pouco eficazes para
contar a história e caracterizar
personagens. O orgulho de Villela está também em demonstrar erudição, com citações de
"Hamlet", "Romeu e Julieta" e
"A Vida É Sonho" que acrescentam pouco. Da mesma forma, a associação do pai de
Leonce com o rei nu da fábula
de Andersen, "A Roupa Nova
do Rei", já seria conotação política suficiente, mas a encenação é conivente o bastante para
incorporar uma imitação do
presidente Lula que faz a montagem dissolver-se em humor
raso de TV.
Talvez procurando a fusão
shakespeariana do baixo cômico e da alta poesia, o espetáculo
se estabelece em dois tons muito diferentes. Deixa nas mãos
de Rodrigo Fregnan, o Rei, e de
Ando Camargo (que faz, no travesti Roseta, a amante do príncipe) a garantia de fazer rir os
amigos da platéia, não recuando diante de nenhum truque
constrangedor. A puerilidade
parece ser honra do encenador-adaptador, como demonstra a escolha de rebatizar os reinos da fábula de Pipi e Popô.
Por outro lado, Villela tem à
disposição para o papel de
Leonce o grande talento de
Luiz Päetov, que demonstrou
em recente montagem um repertório de tons e gestos raro
para atores de sua geração.
Aqui, na maior parte das vezes, ele se limita a recitar, talvez
para não contrastar demais
com sua Lena (Ana Carolina
Godoy), cujo frescor compensa
em parte a falta de experiência.
Declamam a tradução literária
de Christine Rohring, penando
nos trocadilhos, e, embora seus
respectivos criados tenham carisma, esta parte "séria" resulta
em monotonia e parece um
mero pano de fundo para o próximo achado "genial" e escatológico do encenador.
Para os que vêm em busca de
Büchner, o conselho é que esperem outra ocasião. Quem
vem à procura de Villela, entre
e fique à vontade. Mas, para a
maioria do público, que vem
para ouvir uma história, resta
apenas uma fábula confusa,
que expressa talvez a impossibilidade de se falar a sério em
um país tão precário. Dadas as
boas condições que desperdiça,
de orçamento e elenco talentoso, não deixa de soar um pouco
cínico esse niilismo de Villela.
LEONCE E LENA
Direção: Gabriel Villela
Elenco: Luiz Päetow, Luciana Carnielli
Quando: qui., às 17h; de sex. a dom., às
20h
Onde: Unidade Provisória Sesc Avenida Paulista (av. Paulista, 119, tel.
3179-3700)
Quanto: de R$ 7,50 a R$ 20
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