São Paulo, terça-feira, 30 de outubro de 2007

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31ª MOSTRA DE SP

"Cinema deve pensar seu tempo"

Para o diretor israelense Amos Gitaï, a arte tem que estabelecer um diálogo crítico com a realidade

Cineasta vem ao Brasil para apresentar "A Retirada", drama que se passa durante a saída dos colonos judeus da faixa de Gaza em 2005

Divulgação
A atriz Juliette Binoche em "A Retirada'; ela vive Anna, judia francesa que precisa ir à faixa de Gaza para reencontrar sua filha

LEONARDO CRUZ
EDITOR-ASSISTENTE DA ILUSTRADA

"Oscar Niemeyer está em São Paulo ou Rio?" A entrevista mal começa e quem pergunta é Amos Gitaï. O cineasta israelense, formado em arquitetura, conta que gostaria de se encontrar com o grande arquiteto brasileiro: "Meu pai era arquiteto, eu também. Meu filho está estudando agora e tem muito interesse na obra de Niemeyer. Seria uma honra conhecê-lo".
A pergunta se justifica porque Gitaï deve chegar hoje ao país para apresentar "A Retirada", seu novo filme, na Mostra de SP, e para ministrar amanhã, na Faap, um workshop para estudantes de cinema (as vagas estão esgotadas). E o que o diretor tem a dizer aos alunos?
"O cinema deve criar um diálogo artístico com a realidade, refletir sobre o tempo em que vivemos. Glauber [Rocha], Nelson [Pereira dos Santos], os grandes diretores do cinema novo brasileiro, sempre foram sensíveis à situação do país, eram críticos dela e retrabalharam suas opiniões em forma de obras de arte. Meu workshop em São Paulo será muito curto, mas, se eu conseguir inspirar alguém nesse sentido, será excelente", conta o diretor, em conversa por telefone, de Paris.
O olhar crítico sobre a realidade, constante nos mais de 30 longas de Gitaï, está no centro de "A Retirada", drama sobre uma judia francesa [Juliette Binoche] que deve retornar a Israel para encontrar sua filha, que vive em um assentamento na faixa de Gaza. A história se passa em setembro de 2005, quando o governo israelense comandou a retirada dos colonos judeus da região palestina.
Gitaï decidiu fazer um filme sobre o episódio histórico após testemunhá-lo. A convite de seu filho, que estava no Exército israelense, o diretor foi à região para acompanhar a saída de uma colônia. "Vi um cenário muito perturbador. Politicamente, sempre fui contra os assentamentos judaicos em áreas palestinas. Se insistirmos nisso, nunca haverá paz entre as duas sociedades. Mas, humanamente, é doloroso ver pessoas sendo retiradas de suas casas, onde gerações foram criadas. A viagem me fez ver a questão pelas duas perspectivas. E meu trabalho é isso, expor as contradições", pondera o cineasta.
O novo longa provocou um debate em Israel ainda durante as filmagens. Gitaï rodou as cenas de retirada na região de Nitzan, para onde foram levadas as primeiras famílias que deixaram Gaza. A tentativa de integração com os ex-colonos não deu certo, e o cineasta diz que chegou a ser ameaçado. Meses mais tarde, a TV pública do país, que financiaria parte do projeto, decidiu retirar o apoio, argumentando, entre outras coisas, que o diretor tem posições esquerdistas e não vive em Israel -na verdade, ele mora parte do tempo em Paris, parte em Tel Aviv. Gitaï se exalta quando questionado sobre a decisão da estatal: "Foi um vergonhoso ato de paranóia macarthista. Se a única TV pública começar a tomar esse tipo de posição, onde vamos chegar? Isso não é aceitável. Sou um cidadão israelense, vivo em um país livre e tenho o direito de manifestar minhas opiniões".


A RETIRADA
Direção: Amos Gitaï
Produção: França, Israel, 2007
Com: Juliette Binoche, Liron Levo, Jeanne Moreau, Dana Ivgy
Quando: hoje, às 20h40, no Cinesesc; e amanhã, às 18h40, no Unibanco Arteplex 1



Amos Gitaï fala sobre Juliette Binoche folha.com.br/ilustradanocinema


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