São Paulo, sábado, 30 de novembro de 2002

Próximo Texto | Índice

"CÃOCOISA E A COISA HOMEM"

Grupo curitibano com o ator Luís Melo está em cartaz no teatro Sesc Anchieta

ACT apenas começa a mostrar seus dentes

Divulgação
Cena de "Cãocoisa e a Coisa Homem", de Aderbal Freire-Filho


SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Então, eis que ressurge Luís Melo no palco do Sesc Consolação, nem tanto filho pródigo, mas Robinson Crusoé, voltando à "civilização" para narrar o que aprendeu sobre ela.
Havia partido dali, onde por anos foi o ator central do Centro de Pesquisa Teatral (CPT) do diretor Antunes Filho, em busca da televisão e de outros eletrodomésticos; e, em seguida, isolou-se da fama não por naufrágio, mas como quem abandona um navio encalhado.
A ilha em que passou a viver desde 2000 é Curitiba, uma volta às origens; mais especificamente o ACT, Ateliê de Criação Teatral, uma comunidade utópica instalada em uma antiga estufa de bananas: yes, nós temos teatro experimental.
Associado à atriz/produtora Nena Inoue e ao cenógrafo Fernando Marés, passou a atrair os nativos, que constituíram esse núcleo de pesquisa que agora se apresenta. "Cãocoisa e a Coisa Homem" é o relato do que por lá se viu e se fez.
O espetáculo é, assim, um alinhavo de workshops, apaixonadamente costurados por Aderbal Freire-Filho. Não é, no entanto, uma colcha de retalhos desconexa, já que a pesquisa teve uma clara direção: o retrato da companhia enquanto jovens cães, a exposição do que cada um é com generosa transparência e distanciamento veterinário. Um exercício emblemático: cada um se apresenta ao outro como se falasse de um cão, detalhando características da raça.
Aqui não há coleiras nem hierarquias e, se o personagem de Melo surge andando na rua dentro de uma gaiola, a aura da fama talvez, cada um terá direito a seu solo na jaula.

Teatrocoisa
"Cãocoisa e a Coisa Homem" vai criando assim metáforas abertas, na construção de um teatro nem literário nem exibicionista: o teatrocoisa, no batismo de Freire-Filho, que expõe enigmas do mundo cão.
Munidos de cenário e iluminação essenciais, com achados à altura de Lepage, e do canto seguro que Babaya ensina, os atores podem dissecar a dinâmica do amor, com a higiene castrando o instinto, ou a solidão cosmopolita, na qual se finge que é de seu cachorro que se está falando.
O texto de Freire-Filho, ao estilo de Nelson Rodrigues, deixa frases para o público completar, mas não corta o que há de reiterativo no longo segundo ato. É compreensível: em sua primeira aparição no continente, o ACT sente que tem muito que contar. "Cãocoisa" é cão que morde, no entanto: o grupo de Melo apenas começa a mostrar os dentes.

Cãocoisa e a Coisa Homem


   
Texto e direção: Aderbal Freire-Filho
Onde: Sesc Consolação - teatro Sesc Anchieta (r. Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque, tel. 3256-2281)
Quando: sex. e sáb., às 20h30, e dom., às 19h; até 22/12
Quanto: de R$ 10 a R$ 20
Patrocinador: BrasilTelecom



Próximo Texto: "Re-Bentos" expõe conflitos da submoradia na região central
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.