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"REGISTRO GERAL"
Ciência, ação social e arte se conectam
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
A primeira coisa a dizer é
que "Carandiru - Registro
Geral", editado pelo jornalista
Mario Cesar Carvalho, repórter
da Folha, não é um "making of",
gênero que proliferou nos últimos
tempos sob a forma de livros, filmes e vídeos e que basicamente se
atém aos bastidores de uma obra
cinematográfica.
Em vez disso, o que o livro oferece, a par de uma exuberante documentação visual a cargo de fotógrafos de primeiro time, é uma
ampliação da discussão em torno
do livro "Estação Carandiru", de
Drauzio Varella, colunista da Folha, e do filme "Carandiru", de
Hector Babenco. "Registro Geral"
faz isso pelo caminho mais árduo
e fértil: traça a gênese da obra de
Varella, explicita seus pressupostos e conclusões e mostra onde as
preocupações do médico e as de
Babenco se encontraram.
O cerne do livro é justamente
essa intersecção entre a ciência, a
ação social (Varella desenvolveu
um trabalho de combate à Aids
no presídio) e a arte. Ou antes: como essas coisas se alimentam e
acabam plasmadas no filme "Carandiru", grade sucesso de bilheteria do cinema brasileiro.
Para chegar a isso, Carvalho e o
também jornalista Ricardo Calil
fizeram um extenso trabalho de
pesquisa e reportagem, rastreando a experiência de Varella com
os presos, recuperando a história
da relação do médico com Babenco e ouvindo inúmeras pessoas
envolvidas na realização do filme.
Entrevista de Babenco e ensaio
sobre o filme assinado pelo crítico
e jornalista Antonio Gonçalves Filho completam o volume. Em seu
ensaio, Gonçalves Filho parte de
um paralelo com "Pickpocket",
para discutir a situação paradoxal
do criminoso que, preso, liberta-se de suas tirânicas compulsões.
Inversamente, o filme revelaria o
quanto há de prisão na vida cotidiana de quem está do lado de fora das grades.
"A sociedade perdoa tudo, menos a autonomia", resume o ensaísta, logo depois de dar a melhor
definição do célebre massacre dos
111 presos pela polícia do governador Fleury: "Os condenados
são movidos por uma violência
obtusa e cruzam com outros brucutus obtusos numa sequência
em que a arbitrariedade reina.
Não há mais lei (...). Só existe o
frenesi, o poder total de alienar o
corpo do outro, tirá-lo da prisão à
força, morto, se preciso".
As fotos do livro, que misturam
cenas do filme com detalhes do
Carandiru real e do reconstruído
em estúdio, procuram captar a linha tênue entre a sordidez do ambiente retratado e a busca de
transcendência traduzida pela luz
e humanidade dos personagens.
A equipe de fotógrafos já é um
atestado de qualidade: Cris Bierrenbach, Marlene Bergamo, Claudia Jaguaribe, Bob Wolfenson,
Thomas Baccaro, Paulo Vainer,
Edouard Fraipont.
Um único reparo: ao fugir do
gênero "making of", o livro exagerou ao omitir informações básicas sobre a realização do filme.
Uma ficha técnica completa, por
exemplo, seria muito bem-vinda.
Carandiru - Registro Geral
Autor: Mario Cesar Carvalho
Editora: Wide Publishing/A Revista
Quanto: R$ 84 (159 págs.)
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