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São Paulo, sábado, 31 de maio de 2003

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"REGISTRO GERAL"

Ciência, ação social e arte se conectam

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

A primeira coisa a dizer é que "Carandiru - Registro Geral", editado pelo jornalista Mario Cesar Carvalho, repórter da Folha, não é um "making of", gênero que proliferou nos últimos tempos sob a forma de livros, filmes e vídeos e que basicamente se atém aos bastidores de uma obra cinematográfica.
Em vez disso, o que o livro oferece, a par de uma exuberante documentação visual a cargo de fotógrafos de primeiro time, é uma ampliação da discussão em torno do livro "Estação Carandiru", de Drauzio Varella, colunista da Folha, e do filme "Carandiru", de Hector Babenco. "Registro Geral" faz isso pelo caminho mais árduo e fértil: traça a gênese da obra de Varella, explicita seus pressupostos e conclusões e mostra onde as preocupações do médico e as de Babenco se encontraram.
O cerne do livro é justamente essa intersecção entre a ciência, a ação social (Varella desenvolveu um trabalho de combate à Aids no presídio) e a arte. Ou antes: como essas coisas se alimentam e acabam plasmadas no filme "Carandiru", grade sucesso de bilheteria do cinema brasileiro.
Para chegar a isso, Carvalho e o também jornalista Ricardo Calil fizeram um extenso trabalho de pesquisa e reportagem, rastreando a experiência de Varella com os presos, recuperando a história da relação do médico com Babenco e ouvindo inúmeras pessoas envolvidas na realização do filme.
Entrevista de Babenco e ensaio sobre o filme assinado pelo crítico e jornalista Antonio Gonçalves Filho completam o volume. Em seu ensaio, Gonçalves Filho parte de um paralelo com "Pickpocket", para discutir a situação paradoxal do criminoso que, preso, liberta-se de suas tirânicas compulsões. Inversamente, o filme revelaria o quanto há de prisão na vida cotidiana de quem está do lado de fora das grades.
"A sociedade perdoa tudo, menos a autonomia", resume o ensaísta, logo depois de dar a melhor definição do célebre massacre dos 111 presos pela polícia do governador Fleury: "Os condenados são movidos por uma violência obtusa e cruzam com outros brucutus obtusos numa sequência em que a arbitrariedade reina. Não há mais lei (...). Só existe o frenesi, o poder total de alienar o corpo do outro, tirá-lo da prisão à força, morto, se preciso".
As fotos do livro, que misturam cenas do filme com detalhes do Carandiru real e do reconstruído em estúdio, procuram captar a linha tênue entre a sordidez do ambiente retratado e a busca de transcendência traduzida pela luz e humanidade dos personagens.
A equipe de fotógrafos já é um atestado de qualidade: Cris Bierrenbach, Marlene Bergamo, Claudia Jaguaribe, Bob Wolfenson, Thomas Baccaro, Paulo Vainer, Edouard Fraipont.
Um único reparo: ao fugir do gênero "making of", o livro exagerou ao omitir informações básicas sobre a realização do filme. Uma ficha técnica completa, por exemplo, seria muito bem-vinda.


Carandiru - Registro Geral
    
Autor: Mario Cesar Carvalho
Editora: Wide Publishing/A Revista
Quanto: R$ 84 (159 págs.)


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