São Paulo, terça-feira, 01 de janeiro de 2008

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ENTREVISTA / DAVID SAMUELS

Voto a congressistas não aumenta com aprovação de emendas

Estudioso afirma que há "correlação grande" entre sucesso de fazer emendas e conquista de doações

FERNANDO BARROS DE MELO
DA REDAÇÃO

O cientista político David Samuels, da Universidade de Minnesota, diz que, ao contrário do que pensam os parlamentares, não há uma correlação direta entre emendas ao Orçamento e o número de votos -uma crença alimentada pelo Executivo para barganhar apoio.

Samuels observa, porém, que as emendas aumentam as doações de campanha -fato constatado igualmente por economistas e cientistas políticos brasileiros.
Mas, segundo ele, o aumento na arrecadação dos políticos que fazem emendas não é, por si só, um problema. "O problema não é mais a questão do caixa 1 no Brasil. É o crescente caixa 2."
Especialista em eleições no Brasil, Samuels destaca o encarecimento das campanhas brasileiras, não apenas para cargos do Executivo: "Os deputados gastam com o quê nas campanhas? Transporte, diárias para pessoas trabalhando, pagamento de papel impresso, showmício etc. Mas as eleições são tão custosas no Brasil porque há muita competição".
Samuels publicou "From Socialism to Social Democracy? The Evolution of the Workers" Party in Brazil" (do socialismo à social-democracia? A evolução da festa dos trabalhadores no Brasil, 2004) e Ambition, Federalism, and Legislative Politics in Brazil (ambição, federalismo e políticas legislativas no Brasil, 2003), entre outros.
Leia a seguir trechos da entrevista, feita por telefone:

 

FOLHA - O senhor faz pesquisas discutindo a relação entre emendas parlamentares e eleições no Brasil. Que relação é essa?
DAVID SAMUELS -
Eu discordo que exista uma relação entre conseguir uma execução de emenda e a probabilidade de ser eleito. Acho que existe uma crença entre os deputados e senadores que, se você pelo menos não tentar colocar emendas no Orçamento, você vai sofrer nas eleições seguintes.

FOLHA - Os deputados sabem que a emenda não influencia no voto?
SAMUELS -
Certa vez, um parlamentar me disse: "O que vai afetar a vida do meu eleitorado é construir uma ponte, hospitais e escolas. Mas o que posso fazer com R$ 1 milhão?" As emendas são pequenas, ajudam a furar um poço, a construir um posto de saúde. Isso vale, claro, mas vale na margem. Mas o deputado quer concretizar projetos maiores e precisa trabalhar com outros deputados, prefeitos, governadores e ministros. A gente presta atenção nas emendas, mas são poucas emendas que realmente vão ter efeito.

FOLHA - E as emendas coletivas?
SAMUELS -
Os valores das emendas coletivas são muito maiores. Mas o dado político importante é que um deputado ou até um senador não consegue dizer: "Fui eu que consegui essa emenda coletiva". Ele tem que dizer "somos nós, a gente conseguiu".
Ele precisa se ajeitar, ter um time, um grupo, que nem precisa ser o partido. Isso é o jeito brasileiro, trabalhar juntamente com prefeitos, governadores. Minha conclusão é que as emendas individuais não têm grande efeito político. Têm algum efeito.

FOLHA - Por que há tanta briga por emendas?
SAMUELS -
Quem não corre atrás acha que vai sofrer. E também existem incentivos do Executivo: "Se você não quer brincar com a gente, a gente fecha a torneira". É mais fácil dizer que ele conseguiu a emenda individual. As emendas coletivas têm mais valor para o político que tem mais visão de longo prazo e consegue trabalhar com prefeitos.
Eu acho que o deputado chega em Brasília e tem 500 outros deputados. Ele pensa que não vai conseguir nada ali. "Não vou mudar o mundo", pensa. E por isso tenta voltar ao Executivo. É o Executivo no Brasil que tem a grande influência na política orçamentária e muda as políticas públicas.

FOLHA - É preciso acabar com emendas individuais?
SAMUELS -
Isso poderia diminuir um pouco a corrupção, mas você acha escândalos em cada parte dos governos. Nos Estados Unidos, há um pouco de emenda individual, mas o problema aqui é a falta de controle no Executivo. Há diferenças em cada país. No Brasil, com partidos fracos e desorganizados, o partido não leva recursos para o eleitorado, é o político individual e há casos de corrupção nas emendas. Isso é um desperdício óbvio de dinheiro, mas comparativamente não tão grande. O problema é que é difícil reformular o conceito de representação política no Brasil. É tradicional que seja personalizado no deputado.

FOLHA - Há relação entre emendas e doações?
SAMUELS -
Eu achei uma correlação grande entre sucesso de fazer emendas e doação, principalmente das empreiteiras. Mas não existe uma questão de troca de favores diretos. Pode até existir, mas não estou alegando isso. Um deputado que mostra serviço vai conseguir doações, e isso é legal.
Se existe transparência, se os eleitores podem julgar os doadores, não acho realmente um problema.
O problema não é mais a questão do caixa 1 no Brasil. É o crescente caixa 2. O problema está na facilidade das empresas de não colocar na prestação de contas. Isso ocorre em todo o mundo e não é somente um problema no mundo político.

FOLHA - Por que as campanhas são tão caras no Brasil?
SAMUELS -
Os deputados gastam em quê? Transporte, diárias para pessoas trabalhando, pagando papel impresso, um showmício, impressão de camisetas. As eleições são tão custosas no Brasil porque tem muita competição. E por que tem tanta competição? Porque existem muitos candidatos em cada Estado. O problema é que no Brasil tem a ver com a questão da reforma política. Precisava diminuir o tamanho dos distritos.
Em São Paulo, há centenas de candidatos para deputado federal. O eleitor fica confuso. As eleições são caras mesmo no Brasil. E são caras porque existe muita competição e os partidos são fracos.
O que vale é a figura individual. Partido com imagem forte não precisa de tanto dinheiro.


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