São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2004

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DEPORTADOS

Brasileiros que tentam entrar ilegalmente nos EUA seguem roteiros traçados por companheiros que já vivem lá

Parentes e amigos guiam imigração ilegal

Juca Varella/Folha Imagem
Brasileiros deportados dos Estados Unidos deixam o Centro de Ajuda ao Migrante, em Belo Horizonte, onde chegaram na quarta


JOSÉ EDUARDO RONDON
THIAGO GUIMARÃES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELO HORIZONTE

A saga de brasileiros que tentam entrar ilegalmente nos EUA a partir do México começa em geral pela existência prévia de redes de parentesco ou de amizade em território americano, diz a socióloga Teresa Sales, 58, do Núcleo de Estudos de População da Universidade Estadual de Campinas.
Para Sales, autora de "Brasileiros Longe de Casa" (ed. Cortez), baixos salários e falta de moradia não são suficientes para levar à decisão de emigrar. Ao se aventurarem por rotas clandestinas no deserto mexicano, enfrentando a segurança americana pós-11 de Setembro, muitos brasileiros seguem roteiros traçados por amigos ou parentes nos EUA, que ajudam na busca de emprego.
"Isso explica o fato de as pessoas saírem predominantemente de certos locais de origem, como Criciúma (SC) e Governador Valadares (MG), por exemplo, e se dirigirem a determinados locais de destino, como Nova York, Miami e a região da Grande Boston."
É o caso do mineiro Antônio Carlos Alves da Costa, 38. Dos EUA, um de seus irmãos preparou todo o itinerário da tentativa de cruzar a fronteira, que acabou no presídio de Florence, no Arizona. Costa integra o grupo de 277 brasileiros deportados que chegou a Belo Horizonte na quarta.

Deportação em massa
Já para o professor de história da Universidade de São Paulo José Carlos Sebe Bom Meihy, 60, a volta dos brasileiros é um sinal da nova política norte-americana de "deportação em massa".
Para Meihy, a medida expõe a fragilidade das relações Brasil-EUA e aponta para uma nova ordem mundial: "Deportação sempre existiu. Mas uma atitude coordenada, regulamentada e financiada pelo governo americano realmente é uma coisa que tem que chamar a atenção. O curioso é que isso aconteça justamente quando se discute o livre comércio e a a livre negociação, que pressupõem livre trânsito", disse.
Essa nova ordem mundial faz parte do livro "Brasil Fora de Si", que ele lança em março (ed. Parábola). A publicação é resultado de cinco anos de pesquisas e entrevistas com 600 imigrantes brasileiros nos EUA e 100 no Brasil.
Para Meihy, o Brasil está saindo da condição de "terra acolhedora" para a de "exportador de pobres". Ele cita a liberação da exigência de visto de entrada de brasileiros no México como um dos principais motivos para o crescimento das redes dos chamados "coiotes". Meihy estima que cerca de 2.000 brasileiros ainda serão deportados nos próximos meses.
Alguns repatriados ouvidos pela Agência Folha relataram que existem várias maneiras de se tentar chegar aos EUA ilegalmente.
Em alguns casos, incentivados por amigos e familiares nos EUA, entram em contato com representantes dos coiotes (traficantes de imigrantes), por telefone, no México, e são informados sobre o preço a ser pago (entre US$ 3.000 e US$ 10 mil) para a travessia.
Esses representantes os esperam no aeroporto da Cidade do México e os levam para casas de coiotes na fronteira, principalmente nas cidades de Água Preta e Cananéia. De lá, partem em grupo de 20 pessoas para tentar a travessia. Outra maneira usada é a dos agenciadores brasileiros, que cobram cerca de US$ 12 mil e arcam com o traslado até a Cidade do México, onde representantes dos coiotes os levam à fronteira.


Colaborou ADRIANA CHAVES, da Agência Folha


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