São Paulo, domingo, 1 de fevereiro de 1998

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OPOSIÇÃO
"Temos que perder a vergonha de ter gente com saquinhos pedindo dinheiro nos comícios", afirma petista
Lula agora elogia Ulysses e Edir Macedo

CARLOS EDUARDO ALVES
enviado especial a Salvador

Elogio a Edir Macedo, saudade de Ulysses Guimarães e discurso incisivo contra o radicalismo. É com esse coquetel inusitado que Luiz Inácio Lula da Silva tem tentado convencer a militância do PT de que sua campanha presidencial não comporta mais somente a nota única do "não".
De terça a sexta-feira, a Folha acompanhou debates de Lula com militantes do partido em quatro capitais do Nordeste. Não é exagero dizer que o líder petista, ao menos no debate interno, tornou-se o "missionário da moderação".
Em todos os eventos, Lula marcou a fala pela ampliação das alianças petistas. Corou a ortodoxia petista, por exemplo, ao dizer que o partido tem o que aprender com o bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus.
"Temos que aprender, sim, com o Edir Macedo como arrecadar dinheiro para a campanha. Temos que perder a vergonha de ter gente com saquinhos pedindo dinheiro nos comícios", afirmou. Um militante, ao ouvir a frase, não se conteve no comentário com o amigo ao lado. "Assim já é demais."
Lula quer uma campanha diferente em 98. Sabe que tem de descer alguns tons no discurso. "A sociedade não quer mais alguém que apenas seja contra", disse.

Ceder
O caminho da derrota ensinou, na confissão de Lula aos seguidores nordestinos, que ampliar as alianças é necessário. Mais do que isso, ceder também faz parte do jogo eleitoral.
"Em política, não se pode esticar a corda. É preciso procurar um ponto de equilíbrio", disse em Maceió. A retórica surpreendente confunde parte da militância petista, hoje cada vez menor e envelhecida. Em Maceió, ao ouvir a defesa de um partido lutando pelo que é possível, um correligionário resmungou, baixinho. "Esse cabra já foi mais comunista."
Lula não ouviu -na verdade, ele nunca se definiu como comunista-, mas não se incomodaria com o comentário. O que ele quer é evitar um fiasco eleitoral.
"Aos 52 anos, o que eu não quero é disputar para marcar posição", afirmou em três dos debates nordestinos. Assim como o eterno adversário Paulo Maluf (PPB), que um dia afirmou que "as derrotas são pedagógicas", Lula recorreu ao revés para uma revisão tardia.
O virtual candidato petista acha que sua derrota para Fernando Collor em 89 deve ser atribuída ao equívoco de, no segundo turno, não ter pedido os votos que, na primeira rodada, foram destinados a Ulysses Guimarães (PMDB).
"Não queríamos pedir votos aos conservadores e erramos. Agora, quero fazer o jogo para ganhar." Ulysses, aliás, pode ser um bom exemplo para a guinada pragmática de Lula: "Hoje eu vejo a falta que faz uma figura como o Ulysses. Sem ele, o PMDB perdeu a referência nacional". Ulysses, para a maioria petista, personifica o "pacto das elites".
A mudança na operação pode ser provada, no seu entender, no relacionamento com Brizola, de quem foi adversário nas duas últimas eleições presidenciais. "Ninguém me xingou mais do que o Brizola. Mas eu disse para ele que estávamos cansados de apanhar separados e propus que apanhássemos um pouco junto."
Lula aceitou a terceira candidatura presidencial a contragosto, até para evitar a implosão do PT, que só se unifica, e mesmo assim precariamente, debaixo do inegável patrimônio eleitoral do líder.
A contragosto, também, Lula admite agora que a forma de dar o recado para a população tem de ser modificado: "Se eu falar como falo em porta de fábrica, posso até voltar satisfeito para casa, mas sei que não ganho a eleição".
A dúvida agora é se o discurso cordato trará mais votos e, se ocorrer outra derrota, qual será a reação do setor radical do PT, que por enquanto não tem como reagir à guinada, mas não assina embaixo de muitas das idéias do líder.



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