São Paulo, segunda, 1 de fevereiro de 1999

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"Não mexam na abertura econômica', alerta a Fipe



COMPETI€ÃO "O importante é o seguinte: a abertura ainda continuará sendo, apesar da desvalorização, o melhor freio contra os abusos"
FERNANDO CANZIAN
Editor de Brasil

Heron do Carmo, 48, está na Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da USP) desde 1978 e acompanhou de perto todos os grandes estouros da inflação brasileira e os diversos planos de vários governos para tentar controlá-los.
Segundo ele, a situação ainda é "tranquila" e está "sob controle". Não se compara, diz, à conjuntura que levou o país a adotar outros planos de emergência no passado.
Ele afirma que a estrutura de produção, de comercialização e o próprio país mudaram com os últimos quatro anos de estabilidade e que a inflação não passará de 8% caso a desvalorização do real se estabilize em torno de 30%.
Na última sexta-feira, a desvalorização já batia nos 39%, o que leva a um dos dois grandes riscos apontados pelo economista.
O primeiro é o dólar não parar de subir e acabar se transformando, ele próprio, em um índice "psicológico" de inflação. E o segundo é o governo mexer na abertura da economia. "Façam o que for: liberem o câmbio, aumentem os juros. Mas não ponham a mão na abertura. Isso não", alerta o economista, que é coordenador do índice de preços da Fipe. Leia a seguir trechos de sua entrevista à Folha:

Folha - Em que medida o dólar mais caro já contaminou preços?
Heron do Carmo
- Contaminou dentro do esperado, nos produtos que têm influência direta das importações. Eles já estão dando sinal de alta, mas nada que caracterize uma explosão ou descontrole.
Folha - Quanto maior for a cotação do dólar, maior será o impacto, inclusive psicológico, não?
Carmo
- Quanto maior a cotação, maior a distorção sobre o sistema de preços. Podemos chegar a um ponto de distorção tão grave que a cotação do dólar acabará se convertendo num índice de inflação.
Folha - Sem contar o peso das expectativas, qual a influência só dos importados sobre a inflação?
Carmo
- O índice é composto em 60% de artigos considerados "tradebles" (exportáveis e importáveis) e em 40% de artigos tipicamente nacionais. E o impacto do câmbio sobre os "tradebles" é de 40%. Um televisor, por exemplo, é um produto "tradeble" por ter componentes importados, mas tem mão-de-obra e outros insumos, como energia elétrica, que não vão subir com o dólar.
Mas há itens do índice que não sofrerão impacto: aluguéis, mensalidades escolares e outros serviços. Nestes casos, pode até haver queda em função do desaquecimento do mercado.
Folha - Mas a tendência do empresariado, especialmente o brasileiro, não é a de se proteger? Não haverá diminuição na produção e aumento de margens de lucro para garantir ganhos em um quadro de instabilidade como o atual?
Carmo
- Agora não dá mais para fazer isso porque a economia está aberta. Isso é o essencial. O governo pode fazer o que for: liberem o câmbio, aumentem os juros. Mas não ponham a mão na abertura. Isso não. O importante não é o preço do dólar, mas o grau de abertura.
Folha - Mas o aumento do dólar terá um impacto direto sobre os importados. Continua aberto, mas mais caro, com espaço para os concorrentes nacionais subirem. Uma cerveja que era importada a R$ 1,00 poderá subir para R$ 1,30 ou mais com o novo dólar, não?
Carmo
- É. Mas muitos importadores traziam a cerveja por muito menos do que R$ 1. Mas como a cerveja nacional era mais cara, eles acompanhavam. Agora, provavelmente vão diminuir o lucro e tentar manter o preço para não perder mercado, que está em recessão. E o importante é o seguinte: a abertura ainda continuará sendo, apesar da desvalorização, o melhor freio contra os abusos.
Folha - Mas isso não coloca o governo em uma sinuca? Por um lado, os preços dos importados sofrem pressões. Por outro, o Brasil precisa desesperadamente de dólares. Não será natural que se adote alguma restrição aos importados para poupar dólares?
Carmo
- Isso seria um contra-senso. Obviamente a gente importa muita besteira. De alpiste a alface francês. Mas uma coisa é reduzir as importações por decisões de mercado, outra é impor restrições. No momento, o melhor é deixar a abertura como está. Os quatro anos de estabilidade também foram suficientes para aumentar a competição. E tem muita gente de fora atrás de oportunidades aqui. Em alguns setores, houve uma verdadeira revolução. No de leite, há importadores que conseguem vender hoje o longa vida a preço menor que o do leite C nacional.
Folha - Mas os supermercados já estão recebendo tabelas das indústrias com aumentos considerados desproporcionais.
Carmo
- É uma fase de negociação. O supermercado sabe que não pode aumentar as vendas se os preços subirem e vai apertar a negociação. Haverá troca de fornecedores para segurar os aumentos e algum desabastecimento de marcas, mas não de produtos.
Folha - Antes do real, em quais setores o sr. identificava oligopolização ou pressões inflacionárias difíceis de combater?
Carmo
- Higiene e limpeza, eletroeletrônicos e industrializados como um todo, inclusive alimentos, sempre lideraram o processo inflacionário. Hoje em dia eles já não têm mais tanto espaço.
Folha - Por conta da competição interna ou só da dos importados?
Carmo
- Das duas. A abertura da economia está associada ao ganho de competitividade. Nos anos do real surgiram não só novas marcas, mas produtos diferentes, nacionais e importados, que passaram a compor o índice de inflação. Há muito mais alternativas, um mercado mais segmentado. É só ir ao supermercado para ver isso.
Folha - E que papel a recessão vai ter? Ela não vai encolher esse leque de opções?
Carmo
- A recessão não pode ser longa e as expectativas devem ser favoráveis para não arruinarem com as intenções de investimento. As empresas devem ter sinalizações para continuar apostando no futuro e aprimorando sua produção. É isso que segura a inflação.




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