São Paulo, sábado, 01 de março de 2008

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Congresso investiga União, mas esconde os seus gastos

Folha pede aos 594 parlamentares que mostrem notas de despesas; só 14 respondem

A iniciativa do jornal irritou parlamentares; presidente da Câmara diz que repórter "não tem poder de polícia", não é procurador nem juiz

RANIER BRAGON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Congresso, que se prepara para investigar numa CPI os gastos do Executivo, manifesta enorme resistência e irritação quando é provocado a lidar com sua própria transparência.
Nas três últimas semanas, a Folha solicitou aos 513 deputados federais e 81 senadores que fornecessem cópia de notas fiscais que apresentaram para justificar o gasto bancado com o dinheiro público da chamada "verba indenizatória". Apenas 14 deles, exatos 2,4% do Congresso, atenderam o pedido.
A iniciativa da Folha irritou parlamentares, foi motivo de reunião de bancadas e gerou movimento de coação contra quem pretendia atender o pedido. Um deputado, que pediu para não ser identificado, disse que nunca viu reação corporativa tão intensa a unir "novato e veterano, esquerda e direita".
O ápice da irritação foi o discurso do dia 19 do presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), durante uma votação.
"[O repórter] se outorgava, parece-me, a um papel que não cabe a um jornalista. Ele não tem poder de polícia, não representa o Ministério Público nem tampouco o Poder Judiciário. Ouvi vários líderes e dezenas de deputados e deputadas e não tenho nenhuma dúvida em afirmar que aquilo causou uma indignação, dada a atitude que podemos chamar de desrespeitosa com o Poder."
Chinaglia afirmou ainda que o pedido da Folha partia do pressuposto de que o parlamentar, a Câmara e o Tribunal de Contas da União estariam fraudando prestação de contas.
Afirmando que há a interpretação de que a transparência fere o sigilo das empresas emitentes das notas, o deputado não fez menção à promessa de campanha de divulgar os dados na internet. "Não tomarei nenhuma atitude pessoal diferente daquilo que represento, que é a atitude da Câmara."
No dia seguinte, Chinaglia disse ser a favor da transparência, desde que aprovada por lei. Henrique Fontana (PT-RS), líder do governo na Câmara, corroborou: "Órgãos de imprensa não podem pretender fazer papel que cabe ao TCU".

Sem fiscalização
A Câmara não fiscaliza as notas fiscais apresentadas. Apenas confere valores e checa se elas atendem aos gastos passíveis de ressarcimento. O material é enviado, então, ao TCU.
A chamada "verba indenizatória" reserva a congressistas R$ 15 mil mensais para ressarcimento de gastos com material de gabinete, combustível, aluguel de escritório e confecção de jornais, entre outros.
Ao ano, a verba soma R$ 107 milhões, 37% a mais do que os R$ 78 milhões gastos por mais de 11 mil autoridades e funcionários do Executivo em 2007 com o cartão corporativo, alvo da CPI que o Congresso deve dar início na próxima semana.
Nas três semanas em que colheu as impressões do pedido que fez, a Folha ouviu críticas ásperas, por meio de telefonemas anônimos, e recolheu relatos de parlamentares que se afirmavam coagidos por colegas e por reuniões de bancadas que tentavam tirar uma posição conjunta para negar o pedido do jornal. Um assessor de gabinete fez questão de rasgar o ofício na frente do funcionário do jornal que os distribuía na Câmara. Outros tantos o atiraram direto na lixeira.
Sintoma da ação orquestrada foram repostas quase idênticas recebidas de vários deputados, que relatavam ter enviado suas notas para o setor técnico da Câmara. Eles orientavam o jornal a solicitá-las nesse local, quando é sabido que a Câmara não libera esse tipo de acesso.
No Senado, só Eduardo Suplicy (PT-SP) atendeu o pedido da Folha. "Sou o presidente. Se divulgar só o meu, sozinho, vão dizer que estou querendo ser mais realista que o rei", disse Garibaldi Alves (PMDB-RN).


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