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Congresso investiga União, mas esconde os seus gastos
Folha pede aos 594 parlamentares que mostrem notas de despesas; só 14 respondem
A iniciativa do jornal irritou parlamentares; presidente da Câmara diz que repórter "não tem poder de polícia", não é procurador nem juiz
RANIER BRAGON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O Congresso, que se prepara
para investigar numa CPI os
gastos do Executivo, manifesta
enorme resistência e irritação
quando é provocado a lidar
com sua própria transparência.
Nas três últimas semanas, a
Folha solicitou aos 513 deputados federais e 81 senadores que
fornecessem cópia de notas fiscais que apresentaram para
justificar o gasto bancado com
o dinheiro público da chamada
"verba indenizatória". Apenas
14 deles, exatos 2,4% do Congresso, atenderam o pedido.
A iniciativa da Folha irritou
parlamentares, foi motivo de
reunião de bancadas e gerou
movimento de coação contra
quem pretendia atender o pedido. Um deputado, que pediu
para não ser identificado, disse
que nunca viu reação corporativa tão intensa a unir "novato
e veterano, esquerda e direita".
O ápice da irritação foi o discurso do dia 19 do presidente
da Câmara, Arlindo Chinaglia
(PT-SP), durante uma votação.
"[O repórter] se outorgava,
parece-me, a um papel que não
cabe a um jornalista. Ele não
tem poder de polícia, não representa o Ministério Público
nem tampouco o Poder Judiciário. Ouvi vários líderes e dezenas de deputados e deputadas e não tenho nenhuma dúvida em afirmar que aquilo causou uma indignação, dada a atitude que podemos chamar de
desrespeitosa com o Poder."
Chinaglia afirmou ainda que
o pedido da Folha partia do
pressuposto de que o parlamentar, a Câmara e o Tribunal
de Contas da União estariam
fraudando prestação de contas.
Afirmando que há a interpretação de que a transparência
fere o sigilo das empresas emitentes das notas, o deputado
não fez menção à promessa de
campanha de divulgar os dados
na internet. "Não tomarei nenhuma atitude pessoal diferente daquilo que represento, que
é a atitude da Câmara."
No dia seguinte, Chinaglia
disse ser a favor da transparência, desde que aprovada por lei.
Henrique Fontana (PT-RS), líder do governo na Câmara, corroborou: "Órgãos de imprensa
não podem pretender fazer papel que cabe ao TCU".
Sem fiscalização
A Câmara não fiscaliza as notas fiscais apresentadas. Apenas confere valores e checa se
elas atendem aos gastos passíveis de ressarcimento. O material é enviado, então, ao TCU.
A chamada "verba indenizatória" reserva a congressistas
R$ 15 mil mensais para ressarcimento de gastos com material de gabinete, combustível,
aluguel de escritório e confecção de jornais, entre outros.
Ao ano, a verba soma R$ 107
milhões, 37% a mais do que os
R$ 78 milhões gastos por mais
de 11 mil autoridades e funcionários do Executivo em 2007
com o cartão corporativo, alvo
da CPI que o Congresso deve
dar início na próxima semana.
Nas três semanas em que colheu as impressões do pedido
que fez, a Folha ouviu críticas
ásperas, por meio de telefonemas anônimos, e recolheu relatos de parlamentares que se
afirmavam coagidos por colegas e por reuniões de bancadas
que tentavam tirar uma posição conjunta para negar o pedido do jornal. Um assessor de
gabinete fez questão de rasgar
o ofício na frente do funcionário do jornal que os distribuía
na Câmara. Outros tantos o atiraram direto na lixeira.
Sintoma da ação orquestrada
foram repostas quase idênticas
recebidas de vários deputados,
que relatavam ter enviado suas
notas para o setor técnico da
Câmara. Eles orientavam o jornal a solicitá-las nesse local,
quando é sabido que a Câmara
não libera esse tipo de acesso.
No Senado, só Eduardo Suplicy (PT-SP) atendeu o pedido
da Folha. "Sou o presidente. Se
divulgar só o meu, sozinho, vão
dizer que estou querendo ser
mais realista que o rei", disse
Garibaldi Alves (PMDB-RN).
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