São Paulo, sábado, 01 de abril de 2006

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ELEIÇÕES 2006/PFL NO PODER

Novo governador de SP afirma que a gestão Alckmin foi "impecável" e transparente e que a sua deixará a marca da "simplicidade"

Caso Nossa Caixa já foi investigado, diz Lembo

CATIA SEABRA
DA REPORTAGEM LOCAL

CRISTINA FIBE
DA REDAÇÃO

O governador de São Paulo, Cláudio Lembo (PFL), 71, assume o cargo prometendo seguir à risca o estilo de seu antecessor. A exemplo de Geraldo Alckmin, Lembo acha que as suspeitas de ingerência do governo nas verbas de publicidade da Nossa Caixa não devem ser investigadas.
Lembo diz que a gestão tucana foi "impecável" e que a transparência é "total", embora todos os 69 pedidos de CPIs tenham sido arquivados. Por isso pretende dar continuidade a obras e projetos de Alckmin, com "simplicidade".


"Não tenho sonho político, tenho realismo. Vamos melhorar o Brasil. Não pode continuar a democracia com tanta fragilidade"


"Se o Geraldo foi franciscano, eu vou ser um franciscano descalço", afirma o pefelista, que é chamado de "picolé de chuchu light", referência ao apelido de Alckmin.
Ele gosta do nome. "Porque colorido é perigoso, pode ferir os olhos alheios. Eu prefiro não ferir nem os olhos nem o sabor."
Quanto à doação de 400 vestidos a Lu Alckmin pelo estilista Rogério Figueiredo, o que a ex-primeira-dama nega, Lembo afirma que não seriam oferecidos vestidos à sua mulher. "Ela é uma mulher do lar, fechada, que não tem grande presença social."
O pefelista defende seu conservadorismo, diz ter se casado virgem, não ter tempo de ir ao cinema e não ler livros de ficção, gênero que acha "medíocre". Ele critica a "promiscuidade" de muitos políticos e afirma que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva possui "traços populistas".
Leia trechos da entrevista concedida à Folha no Palácio dos Bandeirantes, anteontem, véspera de sua posse.

Folha - Qual o perfil ideal para o vice de Alckmin nessas eleições?
Lembo -
Tem que ser um nordestino, de raízes populares, com formação universitária e com experiência administrativa. Nascido do voto popular para a política.

Folha - O senador José Jorge [PFL-PE] é um bom nome?
Lembo -
É um bom nome. Ele e outros do Nordeste, o [José] Agripino [RN]. São bons nomes.

Folha - Esse critério elimina o senador Jorge Bornhausen [SC].
Lembo -
Com muita clareza. Não pode ser alguém do Sul ou Sudeste, claro, se o governador é de São Paulo, tem que ser alguém que represente outra parte do Brasil.

Folha - O que um político tem que ter para ser vice do Alckmin?
Lembo -
Tem que ser um homem que compreenda que a função dele é a de realizar a filosofia do governante. Se receber funções delegadas, deve realizá-las. Se não, deve ficar silencioso, esperando, em expectativa, o que possa acontecer. Vice tem que ser silencioso. Vice tem que ser humilde. É um caso típico de auto-restrição da própria vontade.

Folha - O vice é alguém em expectativa o tempo todo?
Lembo -
Sempre. E isso exige nervos de aço.

Folha - Que momento da gestão Alckmin exigiu nervos de aço?
Lembo -
Eventualmente, a escolha de algum secretário. Posso ter achado que não era o melhor.

Folha - O sr. pode mudar agora.
Lembo -
Estou mudando, fazendo um secretariado que seja um pouco da minha personalidade.

Folha - Houve algum momento de discordância do Alckmin?
Lembo -
Não, discordância eu não tive. Foi um governo linear.

Folha - Mas impecável?
Lembo -
Impecável.

Folha - Uma das críticas da oposição é a falta de transparência.
Lembo -
Mas é ingênuo. Primeiro, [criar CPIs] é uma função interna da Assembléia, que não teve nenhuma interferência. Segundo, o caso específico [da Nossa Caixa] foi objeto de uma sindicância, o presidente da Nossa Caixa enviou a documentação para o Ministério Público, para o Tribunal de Contas, e o caso era muito simples. Todo contrato pode ser prorrogado. Esqueceram o formalismo da prorrogação por escrito e continuaram fazendo liberação de verbas com o contrato.

Folha - Simplesmente esqueceram, foi uma falta de atenção?
Lembo -
Foi, e isso acontece com o ser humano, mas não tinha malícia. A transparência está total.

Folha - Então o sr. não vai tomar nenhuma providência?
Lembo -
Claro que se toma providência. Primeiro, houve a sindicância. Já foi tomada a providência máxima. Daqui para a frente vamos acompanhar o que aconteceu, ver e rever procedimentos.

Folha - O sr. concorda com argumentos segundo os quais se José Serra continuasse na prefeitura e o PT elegesse o governador ele ficaria asfixiado?
Lembo -
O Serra na prefeitura e um governo do PT no Estado seria uma tragédia.


"[Lula] tem traços [populistas]. [...] Após os incidentes de Brasília, ele está mais populista. Ele deveria ter uma visão mais de estadista"


Repetir o Brasil em SP seria muito mau para os brasileiros. Felizmente, o Serra saiu candidato, com possibilidade de vitória, e a gente evita que SP seja um outro Brasil. Nós, brasileiros de SP, não temos consciência de como estamos vivendo num Estado de segurança jurídica, de respeito à pessoa, de capacidade de desenvolvimento econômico, o que o Brasil não tem.

Folha - Qual é a marca que o sr. vai deixar no governo?
Lembo -
Da simplicidade. Se o Geraldo foi franciscano, eu vou ser um franciscano descalço.

Folha - O sr. imaginou que o PFL fosse crescer tanto em SP?
Lembo -
Foi um milagre. Acredito em milagre e estou muito satisfeito pelo PFL ter chegado, depois de tanto esforço, ao governo de SP, à prefeitura de São Paulo e à Assembléia Legislativa.

Folha - É possível, em nove meses, converter isso em voto?
Lembo -
Se a sociedade achar que fomos bem, converte em voto. Imagino que é possível ao menos fazer um trabalho pedagógico de mostrar que se pode governar com sobriedade.

Folha - Qual é sua pretensão po- lítica?
Lembo -
Ajudar sempre o partido. [...] É preciso que o Brasil tenha uma visão liberal.

Folha - Qual é o lugar que o PFL deve ocupar no eleitorado?
Lembo -
O PFL tem que ter muito nitidamente um traço: um partido conservador. O que falta no Brasil é a coragem de se afirmar conservador. Ser conservador é ser preservador da liberdade, dos direitos sociais, da dignidade humana. Agora, essa conotação de direita, esquerda... E todo mundo quer ser de esquerda, e se mostram defensores de seus interesses particulares. Vou tentar mostrar nesses nove meses que é possível ser conservador e ter uma visão social nítida.

Folha - Como se traduz esse conservadorismo no seu dia-a-dia?
Lembo -
Respeito ao outro, não ser promíscuo. Tenho visto nos noticiários muita promiscuidade.

Folha - O sr. está falando da "casa do lobby"?
Lembo -
Estou falando de tudo o que li nos jornais sobre o que aconteceu em Brasília. E que é deplorável. Eram homens públicos que se mostraram de uma devassidão de costumes que não é boa para a sociedade.

Folha - Em SP, o PFL abriria mão da vice ou do Senado em nome da amplitude da aliança de Serra?
Lembo -
Acho que não deve abrir. Temos que preservar espaços majoritários, vice, Senado, temos que ser firmes nisso.

Folha - A vitória de Alckmin depende do seu desempenho?
Lembo -
Não. Claro que eu não posso ter um governo desastrado.

Folha - Mas qual o ponto que exigirá maior vigilância? Segurança?
Lembo -
Segurança é vigilância permanente. Educação, saúde, tudo vigilância constante.

Folha - Qual será o seu foco de atenção?
Lembo -
Todos. [...] De onde não parece, as coisas podem acontecer.

Folha - Lu Alckmin continuará a comandar programas sociais?
Lembo -
Não, a minha mulher vai assumir e dar o traço dela, de sobriedade e apoio social.

Folha - O sr. permitiria que ela aceitasse 400 vestidos?
Lembo -
Em primeiro lugar, o estilista não ia oferecer a ela. Segundo, eu diria que tem que se ver como aconteceu essa hipótese.

Folha - Por que o estilista não daria o vestido para a sua mulher?
Lembo -
Não daria pelo estilo da minha mulher. Ela é uma mulher do lar, fechada, que não tem grande presença social nem quer ter. Ela é uma senhora, avançada nos anos como eu. A gente vai lá no Antonio da r. Herculano de Freitas, que cobra R$ 10 para fazer calça, R$ 30, posso te apresentar.

Folha - É lá que faz suas roupas?
Lembo -
Não, minha mulher faz muita coisa lá. Eu faço no Rogélio, que é lá na r. Peixoto Gomide. São meio tortinhas, mas são bonitas.

Folha - Ele vai gostar de o sr. dizer que são tortinhas?
Lembo -
São direitinhas. Eu que sou torto, e o terno fica torto.

Folha - O que o sr. lê?
Lembo -
Eu não leio mais ficção. Na idade em que estou, eu já li tudo, então a ficção é medíocre. Estou lendo "A Expansão do Pensamento Cristão", sobre a expansão do cristianismo e o conflito com o islamismo. Para entender e tentar fazer uma aliança de civilizações.

Folha - Qual o último filme que viu?
Lembo -
No cinema, foi "Cidade de Deus". Portanto, não vou ao cinema. Não tenho tempo.

Folha - O sr. bebe?
Lembo -
Socialmente.

Folha - Já usou psicotrópicos?
Lembo -
Nunca.

Folha - O sr. casou virgem?
Lembo -
Casei virgem. E sou fiel.

Folha - Vai à igreja com freqüência?
Lembo -
Não. Vou regularmente, não com freqüência.

Folha - O sr. reza todos os dias?
Lembo -
Eu penso.

Folha - De que músicas gosta?
Lembo -
Gosto de chorinho, jazz, música clássica. Eu sou eclético.

Folha - Torce para algum time?
Lembo -
E sofro muito. Sou palmeirense.

Folha - O sr. acha que tem um gosto popular?
Lembo -
Não sou populista. Nem quero ser. Acho esse um dos perigos da América Latina hoje. Populista é irracional, produz na sociedade situações perigosíssimas.

Folha - O Lula é populista?
Lembo -
Tem traços. E digo mais: após os incidentes de Brasília, ele está mais populista ainda. O que é mau. Ele deveria eventualmente ter uma visão mais de estadista do que de populista.

Folha - O que acha de ser apelidado de "picolé de chuchu light"?
Lembo -
Acho ótimo, viu? Porque colorido é perigoso, pode ferir os olhos alheios. Eu prefiro não ferir nem os olhos nem o sabor.

Folha - Prefere passar despercebido?
Lembo -
É bom. Se em nove meses eu passar despercebido, trabalhando o tempo todo, será muito bom. Depois as pessoas vêem. E podem ter saudades.

Folha - O sr. não tem vontade de concorrer a um cargo executivo?
Lembo -
Não. Nunca a um cargo proporcional. [...] Mas estou sempre pronto a qualquer disputa, se necessário, a cargo majoritário.

Folha - Mas o sr. já disse que desistiria da política depois de ser governador.
Lembo -
Estou dizendo que a minha visão é que, aos 72 anos, idade com que vou deixar isso aqui, se deixar, porque posso ser como o Tancredo Neves [que morreu antes de assumir a Presidência, em 1985], de hoje para amanhã, acho que aos 72 se deve abrir espaço para os outros, mas não quer dizer que deixe a política.

Folha - Se Alckmin for eleito e convidá-lo para um ministério, o sr. aceita?
Lembo -
Vamos pensar, primeiro vamos eleger o Alckmin, depois vamos pensar nisso.

Folha - Qual o seu sonho político?
Lembo -
Não tenho nenhum sonho político, tenho realismo político. Vamos melhorar o Brasil. Não pode continuar a democracia com tanta fragilidade moral.

Folha - Qual o seu lugar preferido em São Paulo?
Lembo -
O Pátio do Colégio. O centro da cidade. Eu pego meu carrinho, um [Ford] Ka, e vou todo fim de semana sozinho, ou com minha mulher, correr o centro histórico loucamente, porque é sempre a mesma coisa. Eu gosto daquilo, eu acho bonito.

Folha - O sr. já foi assaltado?
Lembo -
Fui uma vez, tive um bom diálogo com o assaltante. Uns quatro, cinco anos atrás. Tive que dar um pouquinho [de dinheiro], porque ele estava trabalhando. Ele estava lutando. Não aceito a luta dele, porém entendo.

Folha - O que o sr. vai trazer para o Palácio dos Bandeirantes?
Lembo -
Eventualmente um terno, uma camisa e uma cueca.

Folha - Nem um porta-retrato?
Lembo -
Não, não tenho. Os retratos são o passado. Guarde o passado na sua alma e não exiba.


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