São Paulo, quarta-feira, 01 de abril de 2009

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PF diz que doleiro formava "organização" com executivos

Relatório detalha a atuação dos diretores da Camargo Corrêa com Kurt Pickel

Para o advogado do suíço naturalizado brasileiro, acusações são um "absurdo'; Camargo Corrêa não se pronunciou sobre o caso


FERNANDO BARROS DE MELLO
LILIAN CHRISTOFOLETTI
JOSÉ ALBERTO BOMBIG
DA REPORTAGEM LOCAL

Relatórios da Polícia Federal sobre a Operação Castelo de Areia revelam que dirigentes da construtora Camargo Corrêa mantinham um contato próximo com o doleiro Kurt Paul Pickel, apontado como o principal articulador do suposto esquema de evasão de divisas e lavagem de dinheiro instalado na alta diretoria da empresa.
"Kurt é o principal articulador do suposto esquema de evasão de divisas e lavagem de dinheiro da organização criminosa instalada na alta diretoria do grupo Camargo Corrêa", diz trecho da investigação.
Dezenas de conversas telefônicas entre os diretores e o doleiro e até encontros em hotéis e em estacionamentos, em São Paulo, foram monitorados pela polícia, que detalhou, por meio de um organograma, o papel de cada um no suposto esquema.
A Camargo Corrêa informou que apenas seus advogados poderiam comentar o caso. Até as 20h30, eles não haviam se pronunciado. Alberto Toron, que defende Kurt, afirmou que as acusações são "um absurdo". "Meu cliente tem um nome no mercado financeiro, não é nem nunca foi doleiro", disse.
Segundo a PF, a cúpula da organização na empresa era formada pelos diretores Pietro Bianchi, Fernando Dias Gomes, Dárcio Brunato e Raggi Badra Neto -os quatro foram presos na última quarta-feira e soltos no sábado.
Bianchi, "bastante ativo no esquema criminoso e no seu contato rotineiro com Kurt", é apontado como um dos responsáveis por transferências internacionais e por receber, pessoalmente, em hotéis ou estacionamento, recursos provenientes de operações ilegais.
Um suposto indicativo desses encontros surgiu em escutas telefônicas. Por exemplo, em 26 de junho, Bianchi recebeu uma ligação da secretária, que disse: "Ele tá no carro esperando o senhor". "Então ele se escondeu", respondeu o diretor, "vou lá ver". Uma hora antes, a mesma secretária havia telefonado a Kurt pedindo para que ele fosse à empresa.
Outro diretor, Fernando Dias Gomes, também mantém "contato pessoal e estreito" com Kurt, segundo a PF. Falam sobre conversão de valores e taxas de dólares, sempre empregando expressões cifradas e nomes de animais para se referir a operações financeiras no exterior ou a pessoas.
Num dos diálogos, o diretor diz estar "preocupado e chateado" porque uma suposta transferência internacional não foi confirmada. "É a segunda vez que isso acontece, que a gente dá uma ordem e não é acatada, e não nos falam", afirma o executivo da empresa ao doleiro.
Dias Gomes e Bianchi são apontados pela PF como os principais articuladores das doações feitas pela Camargo Corrêa a partidos políticos.
O terceiro diretor, Darcio Brunato, segundo a polícia, recebe faxes de doleiros do Uruguai, identificados como Paco e Raul. Ele também fala com os investigados por meio de códigos e senhas. Em conversa com o doleiro, em dezembro, Darcio diz "o camelo... o canguru deu pulo de um pouco menos de dois quilômetros". Segundo registro feito pela PF, naquele momento, o dólar subia 2%.
O quarto diretor apontado no esquema é Raggi Badra Neto, que ocuparia um "papel secundário" na organização e atuaria na área de licitações da empresa e, para isso, mantinha contatos com outras construtoras e órgãos governamentais.
Abaixo dos quatro diretores, a PF indicou duas secretárias, Marisa Iaquinto e Darci Alvarenga, que agendavam encontros e centralizavam os comprovantes de transferências internacionais ilegais.
Kurt Paul Pickel, suíço naturalizado brasileiro, era quem fazia o esquema funcionar, segundo a PF. Após trabalhar no banco suíço UBS, "onde teria adquirido conhecimento sobre operações bancárias", passou a operar com outros doleiros, remetendo valores para Uruguai, Alemanha, Suíça, Angola, Israel e China. Kurt aparece "simulando a venda de joias inexistentes na Suíça como forma de justificar a utilização de dinheiro ilicitamente ganho em suas atividades".
A um interlocutor, Kurt diz que ao chegar Brasil declarou ter na Suíça quadros e joias, em um "montante teórico" de mais ou menos cem mil "suíços".
Ainda de acordo com os relatórios, com ajuda de outros doleiros, Jadair de Almeida, José Diney Matos, e Maristela Brunet, Kurt usava empresas fantasmas no Brasil para mandar dinheiro para o exterior.
A PF apontou "suposta participação e conivência" de alguns gerentes (não identificados) de Bradesco e Unibanco, no esquema de envio de dinheiro. As duas instituições disseram que não comentam suposições.


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