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ENTREVISTA DA 2ª
FERNANDO HADDAD
Nova versão do projeto da reforma universitária prevê que as melhores federais recebam mais recurso
Governo condiciona verba ao desempenho de universidades
ANTÔNIO GOIS
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
Um dos projetos mais discutidos do governo Lula está finalmente pronto para ser enviado ao
Congresso: a reforma universitária. Depois do período de debates
com a comunidade acadêmica, o
projeto ficou quase um ano parado na Casa Civil, em discussão
principalmente entre o MEC (Ministério da Educação) e a área
econômica. Em entrevista à Folha, o ministro da Educação, Fernando Haddad, antecipou alguns
detalhes da lei que será apresentada aos deputados e senadores.
Segundo Haddad, as propostas
de regulação do sistema (como as
que determinam as exigências para uma instituição ser considerada universidade) são praticamente as mesmas que já constavam na
última versão divulgada do projeto. Uma das novidades é que já
haverá no texto que sairá do governo ao Congresso critérios de
avaliação das universidades federais que decidirão quais instituições receberão mais recursos.
Entre esses critérios estarão o
número de concluintes, diplomas
expedidos, relação de alunos por
professor, produção científica em
revistas indexadas, registro e comercialização de patentes e a oferta de cursos noturnos.
Na queda de braço com a área
econômica, uma das vitórias do
MEC foi a subvinculação, para investimento nas universidades federais, de no mínimo 75% das receitas da União que, obrigatoriamente, vão para a educação. Hoje,
esse percentual é de 70%.
Uma das propostas mais polêmicas, a limitação de entrada de
capital estrangeiro com fins lucrativos foi mantida porque, segundo o ministro, o sistema privado
hoje está vulnerável.
Por fim, outro ponto controverso - o das cotas- saiu do projeto não porque o governo desistiu
de implementá-lo, mas porque a
Casa Civil entendeu que já há outro projeto no Congresso, com
tramitação mais adiantada, tratando do assunto.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista concedida por
Haddad à Folha.
Folha - Como ficou o projeto de
reforma universitária a ser apresentado ao Congresso?
Fernando Haddad - Do ponto de
vista da regulação do sistema, não
houve alterações em relação à última versão. As exigências adicionais para que uma instituição
possa ser considerada uma universidade foram mantidas, como
a idéia de que elas tenham no mínimo três mestrados e doutorados para serem consideradas universidade com pesquisa institucionalizada. A proporção mínima
de titulação de professores [metade do corpo docente com mestrado ou doutorado, sendo pelo menos metade destes doutores] também foi mantida.
A idéia foi sinalizar que está
sendo feito investimento com
expectativa de
retorno [sobre a
necessidade de
se mostrar desempenho para
ter mais verba]
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Do ponto de vista do financiamento, houve a compreensão de
que não é possível dar sustentabilidade ao projeto de expansão em
curso -que envolve quatro novas universidades e 42 novos
campi- sem a constituição de
uma espécie de fundo, que é a
idéia da subvinculação.
Um outro ponto, que foi incluído a pedido do próprio presidente da República, é de que alguns
indicadores de distribuição dos
recursos subvinculados já fossem
estabelecidos pelo Congresso. Entre esses indicadores estão o número de concluintes, diplomas
expedidos, relação de alunos por
professor, produção científica em
revistas indexadas, registro e comercialização de patentes e oferta
de cursos noturnos. Esses indicadores terão que ser observados
pela comissão paritária de reitores e membros designados pelo
presidente da República para elaborar uma matriz de distribuição
de recursos. A idéia do presidente
foi sinalizar para o país que está
sendo feito um investimento com
a expectativa de retorno.
Folha - Isso não acentua as desigualdades regionais, já que universidades federais de Estados ricos
têm indicadores muito melhores
do que as de regiões mais pobres?
Haddad - Não serão considerados apenas os números absolutos
mas também as taxas de crescimento. Dessa maneira, poderemos premiar aquela universidade
que sai de um patamar menor,
mas que cresceu mais.
FOLHA - Havia um pleito de reitores pela definição de novas formas
de financiamento dos hospitais
universitários. Isso ficou definido?
HADDAD - Não
houve consenso
entre os reitores.
Havia muitas propostas sendo discutidas que envolviam a própria forma jurídica dos
hospitais. Alguns
defendiam que eles
fossem considerados autarquias, empresas públicas e
houve até quem defendeu a constituição em Oscips (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público). O
que o governo decidiu foi tornar as
contas mais transparentes para, de
posse de um conhecimento maior do sistema, eventualmente modificar sua gestão.
Folha - E segue a limitação à participação de capital estrangeiro?
Haddad - Basicamente, está da
mesma forma que a da terceira
versão [pelo menos 70% do capital das mantenedoras de instituições de ensino superior com fins
lucrativos têm que pertencer a
brasileiros]. Hoje o sistema privado está muito vulnerável e, como
ele responde por 70% da matrícula, a possibilidade de completa
desnacionalização do ensino superior era um risco
que tinha que ser
considerado. Mas é
importante dizer
que não haverá nenhuma restrição
para que venham as
melhores instituições estrangeiras,
que operam sem
fins lucrativos.
O sistema privado está vulnerável; a possibilidade de desnacionalização do
ensino era um
risco a ser considerado [sobre o
limite ao capital
estrangeiro]
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Outro dia eu li que
Harvard estava
montando um escritório no país.
Mesmo após a
aprovação da reforma, não haverá impedimento para
que Harvard ofereça cursos no Brasil.
O projeto, desde o
começo, fala apenas
de instituições com
fins lucrativos.
Folha - Qual o problema com a finalidade lucrativa?
Haddad -A experiência internacional demonstra que muitas vezes elas não têm compromisso
com a educação e às vezes têm o
interesse imediato em produzir
lucro, sem compromisso com o
país, já que o capital é volátil. Elas
poderiam ter uma atitude oportunista em relação à vulnerabilidade
apresentada hoje pelo sistema.
FOLHA - Mas as maiores críticas
ao projeto vieram justamente das
instituições privadas. Se elas estão
vulneráveis, não há
o risco de essa reforma atrapalhar ainda
mais o setor?
HADDAD - Não
concordo que a crítica seja geral. O
que se chama hoje
de setor privado se
divide em muitas
instituições. Há as
comunitárias, as
sem fins lucrativos
não comunitárias e
as com fins lucrativos. Entre as que
realmente têm
compromisso e tradição com a educação, não noto uma
queixa maior. As
maiores queixas
vêm daquelas que querem fazer
da educação um negócio.
FOLHA - Além de apresentar a reforma universitária, o que o MEC
faz para melhorar a formação de
professores no ensino básico?
HADDAD - A grande etapa que
falta cumprir de uma transformação da educação é o debate sobre
a formação continuada de professores. É óbvio que esse debate
também passa pela aprovação do
Fundeb, pela ampliação do ensino fundamental para nove anos,
por programas de apoio como a
merenda escolar e a
distribuição de livros didáticos do
ensino médio e pela
universalização do
Bolsa Família para a
população de baixa
renda. Mas penso
que, sem fazermos
esse debate da formação dos professores, não completaremos a agenda
necessária para
uma política efetivamente transformadora.
É por isso que estamos investindo
na criação da UAB
(Universidade
Aberta do Brasil).
Por meio dela, pretendemos fazer a
aproximação da educação superior pública com os sistemas estaduais e municipais da educação
básica. O sistema federal de ensino superior está compondo um
cardápio de cursos superiores à
distância com ênfase nas licenciaturas. Esses cursos seriam ministrados com o apoio de pólos presenciais mantidos pelas prefeituras ou Estados.
Esses pólos são importantes
porque a gente verificou pela experiência internacional e nacional
que, para que a educação à distância funcione, é preciso ter ao menos 20% da carga horária presencial. Nesses pólos, os alunos receberão orientações de monitores
que serão treinados presencialmente pelas universidades para
transmitir todo o conteúdo pedagógico e fazer as avaliações.
Folha - Há um preconceito muito
grande no país contra a educação à
distância. Como garantir que esses
cursos terão realmente qualidade?
Haddad - Primeiramente, serão
apenas instituições públicas federais que participarão do projeto.
Também só serão selecionados
cursos superiores que já tenham
passado por alguma avaliação, do
MEC ou da própria instituição.
Temos hoje a segurança em dizer que esses cursos terão a mesma qualidade dos cursos presenciais, e com a vantagem de poder
atender o professor em serviço,
porque nenhuma prefeitura e Estado tem hoje condições de oferecer uma licença remunerada para
que ele se desloque para uma cidade que tenha uma universidade
federal e faça um curso de atualização ou de graduação.
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