São Paulo, segunda-feira, 01 de maio de 2006

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ENTREVISTA DA 2ª

FERNANDO HADDAD

Nova versão do projeto da reforma universitária prevê que as melhores federais recebam mais recurso

Governo condiciona verba ao desempenho de universidades

ANTÔNIO GOIS
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Um dos projetos mais discutidos do governo Lula está finalmente pronto para ser enviado ao Congresso: a reforma universitária. Depois do período de debates com a comunidade acadêmica, o projeto ficou quase um ano parado na Casa Civil, em discussão principalmente entre o MEC (Ministério da Educação) e a área econômica. Em entrevista à Folha, o ministro da Educação, Fernando Haddad, antecipou alguns detalhes da lei que será apresentada aos deputados e senadores.
Segundo Haddad, as propostas de regulação do sistema (como as que determinam as exigências para uma instituição ser considerada universidade) são praticamente as mesmas que já constavam na última versão divulgada do projeto. Uma das novidades é que já haverá no texto que sairá do governo ao Congresso critérios de avaliação das universidades federais que decidirão quais instituições receberão mais recursos.
Entre esses critérios estarão o número de concluintes, diplomas expedidos, relação de alunos por professor, produção científica em revistas indexadas, registro e comercialização de patentes e a oferta de cursos noturnos.
Na queda de braço com a área econômica, uma das vitórias do MEC foi a subvinculação, para investimento nas universidades federais, de no mínimo 75% das receitas da União que, obrigatoriamente, vão para a educação. Hoje, esse percentual é de 70%.
Uma das propostas mais polêmicas, a limitação de entrada de capital estrangeiro com fins lucrativos foi mantida porque, segundo o ministro, o sistema privado hoje está vulnerável.
Por fim, outro ponto controverso - o das cotas- saiu do projeto não porque o governo desistiu de implementá-lo, mas porque a Casa Civil entendeu que já há outro projeto no Congresso, com tramitação mais adiantada, tratando do assunto.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista concedida por Haddad à Folha.
 

Folha - Como ficou o projeto de reforma universitária a ser apresentado ao Congresso?
Fernando Haddad
- Do ponto de vista da regulação do sistema, não houve alterações em relação à última versão. As exigências adicionais para que uma instituição possa ser considerada uma universidade foram mantidas, como a idéia de que elas tenham no mínimo três mestrados e doutorados para serem consideradas universidade com pesquisa institucionalizada. A proporção mínima de titulação de professores [metade do corpo docente com mestrado ou doutorado, sendo pelo menos metade destes doutores] também foi mantida.


A idéia foi sinalizar que está sendo feito investimento com expectativa de retorno [sobre a necessidade de se mostrar desempenho para ter mais verba]


Do ponto de vista do financiamento, houve a compreensão de que não é possível dar sustentabilidade ao projeto de expansão em curso -que envolve quatro novas universidades e 42 novos campi- sem a constituição de uma espécie de fundo, que é a idéia da subvinculação.
Um outro ponto, que foi incluído a pedido do próprio presidente da República, é de que alguns indicadores de distribuição dos recursos subvinculados já fossem estabelecidos pelo Congresso. Entre esses indicadores estão o número de concluintes, diplomas expedidos, relação de alunos por professor, produção científica em revistas indexadas, registro e comercialização de patentes e oferta de cursos noturnos. Esses indicadores terão que ser observados pela comissão paritária de reitores e membros designados pelo presidente da República para elaborar uma matriz de distribuição de recursos. A idéia do presidente foi sinalizar para o país que está sendo feito um investimento com a expectativa de retorno.

Folha - Isso não acentua as desigualdades regionais, já que universidades federais de Estados ricos têm indicadores muito melhores do que as de regiões mais pobres?
Haddad
- Não serão considerados apenas os números absolutos mas também as taxas de crescimento. Dessa maneira, poderemos premiar aquela universidade que sai de um patamar menor, mas que cresceu mais.

FOLHA - Havia um pleito de reitores pela definição de novas formas de financiamento dos hospitais universitários. Isso ficou definido?
HADDAD
- Não houve consenso entre os reitores. Havia muitas propostas sendo discutidas que envolviam a própria forma jurídica dos hospitais. Alguns defendiam que eles fossem considerados autarquias, empresas públicas e houve até quem defendeu a constituição em Oscips (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público). O que o governo decidiu foi tornar as contas mais transparentes para, de posse de um conhecimento maior do sistema, eventualmente modificar sua gestão.

Folha - E segue a limitação à participação de capital estrangeiro?
Haddad
- Basicamente, está da mesma forma que a da terceira versão [pelo menos 70% do capital das mantenedoras de instituições de ensino superior com fins lucrativos têm que pertencer a brasileiros]. Hoje o sistema privado está muito vulnerável e, como ele responde por 70% da matrícula, a possibilidade de completa desnacionalização do ensino superior era um risco que tinha que ser considerado. Mas é importante dizer que não haverá nenhuma restrição para que venham as melhores instituições estrangeiras, que operam sem fins lucrativos.


O sistema privado está vulnerável; a possibilidade de desnacionalização do ensino era um risco a ser considerado [sobre o limite ao capital estrangeiro]


Outro dia eu li que Harvard estava montando um escritório no país. Mesmo após a aprovação da reforma, não haverá impedimento para que Harvard ofereça cursos no Brasil. O projeto, desde o começo, fala apenas de instituições com fins lucrativos.

Folha - Qual o problema com a finalidade lucrativa?
Haddad
-A experiência internacional demonstra que muitas vezes elas não têm compromisso com a educação e às vezes têm o interesse imediato em produzir lucro, sem compromisso com o país, já que o capital é volátil. Elas poderiam ter uma atitude oportunista em relação à vulnerabilidade apresentada hoje pelo sistema.

FOLHA - Mas as maiores críticas ao projeto vieram justamente das instituições privadas. Se elas estão vulneráveis, não há o risco de essa reforma atrapalhar ainda mais o setor?
HADDAD
- Não concordo que a crítica seja geral. O que se chama hoje de setor privado se divide em muitas instituições. Há as comunitárias, as sem fins lucrativos não comunitárias e as com fins lucrativos. Entre as que realmente têm compromisso e tradição com a educação, não noto uma queixa maior. As maiores queixas vêm daquelas que querem fazer da educação um negócio.

FOLHA - Além de apresentar a reforma universitária, o que o MEC faz para melhorar a formação de professores no ensino básico?
HADDAD
- A grande etapa que falta cumprir de uma transformação da educação é o debate sobre a formação continuada de professores. É óbvio que esse debate também passa pela aprovação do Fundeb, pela ampliação do ensino fundamental para nove anos, por programas de apoio como a merenda escolar e a distribuição de livros didáticos do ensino médio e pela universalização do Bolsa Família para a população de baixa renda. Mas penso que, sem fazermos esse debate da formação dos professores, não completaremos a agenda necessária para uma política efetivamente transformadora.
É por isso que estamos investindo na criação da UAB (Universidade Aberta do Brasil). Por meio dela, pretendemos fazer a aproximação da educação superior pública com os sistemas estaduais e municipais da educação básica. O sistema federal de ensino superior está compondo um cardápio de cursos superiores à distância com ênfase nas licenciaturas. Esses cursos seriam ministrados com o apoio de pólos presenciais mantidos pelas prefeituras ou Estados.
Esses pólos são importantes porque a gente verificou pela experiência internacional e nacional que, para que a educação à distância funcione, é preciso ter ao menos 20% da carga horária presencial. Nesses pólos, os alunos receberão orientações de monitores que serão treinados presencialmente pelas universidades para transmitir todo o conteúdo pedagógico e fazer as avaliações.

Folha - Há um preconceito muito grande no país contra a educação à distância. Como garantir que esses cursos terão realmente qualidade?
Haddad
- Primeiramente, serão apenas instituições públicas federais que participarão do projeto. Também só serão selecionados cursos superiores que já tenham passado por alguma avaliação, do MEC ou da própria instituição.
Temos hoje a segurança em dizer que esses cursos terão a mesma qualidade dos cursos presenciais, e com a vantagem de poder atender o professor em serviço, porque nenhuma prefeitura e Estado tem hoje condições de oferecer uma licença remunerada para que ele se desloque para uma cidade que tenha uma universidade federal e faça um curso de atualização ou de graduação.


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