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São Paulo, domingo, 01 de junho de 2003

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Richard Perle diz que não faz sentido reatar relações porque polêmica em torno da guerra contra o Iraque não está superada

Ideólogo de Bush vê EUA longe da Europa

FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON

Richard Perle, um dos principais ideólogos da área política e militar do presidente norte-americano, George W. Bush, afirma que ""não faz nenhum sentido" os EUA reatarem relações com a Europa como se o contencioso em torno da guerra contra o Iraque estivesse superado.
"Se começarmos a estabelecer a idéia de que tudo fica bem depois que alguém inicia uma oposição aos EUA, o que vai desencorajar outros países a também adotarem uma posição hostil?", questiona, a propósito da cúpula do G8, na França.
Perle, batizado por seus críticos em Washington como "Príncipe das Trevas", ocupava uma sala no Pentágono até março, trabalhando como o assessor especial do secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld. Deixou o cargo voluntariamente após ser acusado de fazer negócios "suspeitos" entre as áreas militar e privada.
Perle é um dos principais "falcões" da administração Bush e incentivou as guerras no Afeganistão e no Iraque e defende mudanças de regime tanto na Coréia do Norte como no Irã. Mantém uma casa na França, onde costuma passar o verão.
A seguir, trechos da entrevista concedida na sexta-feira.
 

Folha - O sr. acredita que exista de fato um sentimento genuíno da parte do presidente Bush de reconstruir as relações dos Estados Unidos com a Europa?
Richard Perle -
Sempre quisemos ter a melhor relação possível com a Europa. Mas não faz sentido para os Estados Unidos dizerem: ""Bem, nós tivemos uma pequena diferença. Mas isso está superado". Não creio que seja bem assim, de modo algum. Se começarmos a estabelecer a idéia de que tudo fica bem depois que alguém inicia uma oposição -mais do que isso, uma mobilização-, contra os Estados Unidos, o que vai desencorajar outros países e pessoas a também adotarem uma posição hostil em relação aos norte-americanos?

Folha - Mas o que os EUA podem fazer a respeito?
Perle -
Não creio que os americanos estejam procurando razões para as coisas ficarem mais difíceis do que já estão. Vejo o termo ""punição" sendo usado a respeito dos franceses e da Europa. Não creio que exista o desejo de punir ninguém. Mas também não faz o menor sentido fingir que não existe um problema. A única maneira de enfrentar problemas é reconhecer a sua existência. Devemos estar abertos à sugestão deles. O presidente Bush deveria sentar-se com [Jacques] Chirac e perguntar: ""Você acredita que a Europa e seu país podem ficar contra os Estados Unidos? Por favor, descreva o seu conceito estratégico". Pois, se tivermos diferenças de conceitos nessa área, acho que precisamos conversar mais seriamente. O mesmo vale para a Alemanha. É difícil ignorar a magnitude do que ocorreu durante a campanha eleitoral alemã, e mesmo depois dela, em relação aos Estados Unidos e ao Iraque.

Folha - Nesse sentido, como o sr. vê os resultados da reunião do G8?
Perle -
O G8 é um processo tão burocrático que o importante é o que se diz privadamente, e não o que é oficialmente comunicado. Há muitos membros graduados do governo francês que não estão felizes com o modo como o presidente Chirac tratou as relações da França com os Estados Unidos. Mesmo entre aqueles que concordam com a oposição à guerra. É comum agora ouvir muitos franceses, inclusive dos meios diplomáticos, dizerem que Chirac foi longe demais. O fato é que as relações não estão, de modo algum, em um bom estágio. Se Chirac repetir no G8 o mesmo que vem dizendo até agora, não avançaremos em nada.

Folha - Ao mesmo tempo em que os EUA dizem estar dispostos a reparar fissuras diplomáticas, o país incentiva a queda no dólar em detrimento do euro. Os EUA poderão crescer à custa da Europa. É uma forma de troco ou de pressão para a economia européia reagir?
Perle -
O Banco Central Europeu parece estar obcecado com a inflação, quando o perigo iminente agora é a deflação. Creio que eles ainda não entenderam isso. A queda do dólar vai, de fato, ter impacto muito sério na recuperação da economia européia. Mas a resposta a isso terá de ser dada por eles. A Europa terá de fazer algo a respeito. Eles podem, por exemplo, cortar a taxa de juros deles. Os investidores hoje estão colocando dinheiro na Europa e no euro porque a taxa de juros da região é o dobro da americana. O que posso dizer é que veremos um crescimento econômico nos Estados Unidos a partir de uma combinação da forte liderança internacional do presidente Bush e de um dólar desvalorizado, que vai deixar os exportadores americanos em situação mais competitiva em relação à Europa.

Folha - Depois do Afeganistão e do Iraque, os Estados Unidos se voltam agora contra o Irã. O que podemos esperar dessas ameaças?
Perle -
Tenho muitas restrições aos atuais líderes do Irã, cujas ambições, valores e interesses são exatamente opostos aos dos Estados Unidos. Não esperaria nada do governo iraniano, a não ser manobras táticas para tirar os americanos e seus aliados da região. O país precisa mudar, e creio que os Estados Unidos podem contribuir nesse sentido.



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