São Paulo, domingo, 01 de julho de 2001

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NO PLANALTO

A sobrancelha entrou em férias, mas sua biografia dá plantão em Brasília

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Q uem olha de longe enxerga uma porta. Quem chega mais perto vê um monturo rente à soleira. Em meio à imundice, movem-se as larvas. Quem se imagina diante de um lixão, logo enxerga a placa dependurada na porta: presidência do Senado.
Quem vira a maçaneta dá de cara com um par de sobrancelhas que só inspira confiança até certo ponto. O ponto de interrogação. Um ponto tão assustadoramente duvidoso que vem afugentando até mesmo o benefício da dúvida.
Desde que se instalou na sala reservada à terceira autoridade na linha de sucessão da República, a suspeita não faz outra coisa senão explicar-se. Esforço vão. A virtude, como se sabe, dispensa maiores explicações.
Na última semana, brindada com o recesso parlamentar, a suspeição saiu em férias. Mas o casulo pegajoso que traz enganchado atrás de si não dá descanso.
Os 12 volumes que contêm a necropsia do caso Banpará aportaram faz seis dias na Câmara de Defesa do Patrimônio Público da Procuradoria da República, em Brasília.
Mandado ao arquivo morto por Geraldo Brindeiro, el engavetador, o fantasma do Banpará ganhou lençol novo. Deve sua sobrevida ao interesse de Paulo de Tarso Braz Lucas, subprocurador-geral da República.
Paulo de Tarso trabalha no mesmo prédio em que está instalada a usina de engavetamento de Brindeiro. Embora o calhamaço do Banpará estivesse a apenas um lance de escada e 75 passos de distância, mandou buscar outra cópia em Belém.
Desde segunda-feira, revolvem-se os papéis. Eles trazem o relato de Abrahão Patruni Jr., auditor do Banco Central, acerca de um crime praticado há mais de 15 anos. Desviaram-se algo como R$ 10 milhões do Banpará para contas do ponto de interrogação, de familiares, empregados e empresas dele.
Patruni Jr. concluiu o seu trabalho em julho de 1990. No próximo mês, os documentos que trazem a assinatura do auditor farão aniversário de 11 anos. Nesse período, vagaram misteriosamente de gaveta em gaveta.
O núcleo do documento, um trecho que trata do rastreamento dos cheques surrupiados, ainda não viu a luz do sol. Alega-se que as operações, embora escusas, estão sob o manto do sigilo bancário.
O procurador Paulo de Tarso depende da solidez do trabalho de Patruni para tomar duas providências: processar o par de sobrolhos e abrir ação contra o Banco Central. Do primeiro, quer o dinheiro de volta. Do segundo, deseja saber por que permitiu que o escândalo dormitasse sob as escrivaninhas de Brasília por tanto tempo. Mais: por que dois ex-presidentes do BC, Gustavo Loyola e Francisco Gros, firmaram documentos cujos textos aliviavam a barra dos supercílios paraenses.
O Senado é habitado hoje por dois tipos de político: os capazes de tudo e os incapazes de todo. Incapazes sobretudo de investigar. Na quarta-feira, os primeiros deram novo chapéu nos segundos.
Acomodaram Gilberto Mestrinho, amigo fraternal do ponto de interrogação, na presidência do Conselho de (a)Ética do Senado. De modo que qualquer esforço para iluminar o malfeito deve ser saudado com fogos e hosanas.
É constrangedora a posição dos senadores. A inação faz com que passem da condição de inocentes espectadores para a de cúmplices constrangidos.
O diabo é que não adianta virar as páginas dos jornais e das revistas. A suspeita transita pelos corredores, preside as sessões... Ninguém está a salvo de um bom-dia, de um boa-tarde, de um aperto de mão.
Vive-se uma experiência surreal. Há um monturo em pleno salão azul do Senado. Mas, ao convocar Mestrinho, o PMDB informou que ninguém pode investigar. Convencionou-se que a estrumeira não está lá.
Ficou combinado que tudo é ficção: José Osmar Borges, o ex-sócio da interrogação, na bica de ser denunciado pelo desvio de mais de R$ 100 milhões da $udam; José Arthur Guedes Tourinho, o afilhado político acomodado na chefia da $udam, que se encontra com os bens indisponíveis; Antônio Pinho Brasil, ex-braço direito nas pastas da Reforma Agrária e da Previdência, condenado a cinco anos de cadeia; Maria Auxiliadora Barra, a contadora do ranário de Belém, cujas pegadas conduzem a uma trilha de desvios e malversações. Nada é real.
Coube a FHC o papel de coadjuvante da encenação obscura. Não seria conveniente nem patriótico arriscar a estabilidade da base de sustentação do governo no Congresso em nome de coisas relativas e fúteis como a verdade e a decência. Melhor aderir à convenção de que nada aconteceu. Ainda que a inteligência tenha de ser oferecida em holocausto.
As pesquisas de opinião começam a expor um detalhe que foge à percepção dos sábios de Brasília: a presunção acerca daquilo que vem sendo escondido causa mais danos à imagem do consórcio governista do que qualquer investigação. Mas quem se preocupa com detalhes?



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