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NO PLANALTO
A sobrancelha entrou em férias, mas sua biografia dá plantão em Brasília
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Q uem olha de longe enxerga
uma porta. Quem chega
mais perto vê um monturo rente
à soleira. Em meio à imundice,
movem-se as larvas. Quem se
imagina diante de um lixão, logo
enxerga a placa dependurada na
porta: presidência do Senado.
Quem vira a maçaneta dá de
cara com um par de sobrancelhas
que só inspira confiança até certo
ponto. O ponto de interrogação.
Um ponto tão assustadoramente
duvidoso que vem afugentando
até mesmo o benefício da dúvida.
Desde que se instalou na sala
reservada à terceira autoridade
na linha de sucessão da República, a suspeita não faz outra coisa
senão explicar-se. Esforço vão. A
virtude, como se sabe, dispensa
maiores explicações.
Na última semana, brindada
com o recesso parlamentar, a suspeição saiu em férias. Mas o casulo pegajoso que traz enganchado
atrás de si não dá descanso.
Os 12 volumes que contêm a necropsia do caso Banpará aportaram faz seis dias na Câmara de
Defesa do Patrimônio Público da
Procuradoria da República, em
Brasília.
Mandado ao arquivo morto por
Geraldo Brindeiro, el engavetador, o fantasma do Banpará ganhou lençol novo. Deve sua sobrevida ao interesse de Paulo de Tarso Braz Lucas, subprocurador-geral da República.
Paulo de Tarso trabalha no
mesmo prédio em que está instalada a usina de engavetamento
de Brindeiro. Embora o calhamaço do Banpará estivesse a apenas
um lance de escada e 75 passos de
distância, mandou buscar outra
cópia em Belém.
Desde segunda-feira, revolvem-se os papéis. Eles trazem o relato
de Abrahão Patruni Jr., auditor
do Banco Central, acerca de um
crime praticado há mais de 15
anos. Desviaram-se algo como R$
10 milhões do Banpará para contas do ponto de interrogação, de
familiares, empregados e empresas dele.
Patruni Jr. concluiu o seu trabalho em julho de 1990. No próximo
mês, os documentos que trazem a
assinatura do auditor farão aniversário de 11 anos. Nesse período,
vagaram misteriosamente de gaveta em gaveta.
O núcleo do documento, um
trecho que trata do rastreamento
dos cheques surrupiados, ainda
não viu a luz do sol. Alega-se que
as operações, embora escusas, estão sob o manto do sigilo bancário.
O procurador Paulo de Tarso
depende da solidez do trabalho de
Patruni para tomar duas providências: processar o par de sobrolhos e abrir ação contra o Banco
Central. Do primeiro, quer o dinheiro de volta. Do segundo, deseja saber por que permitiu que o
escândalo dormitasse sob as escrivaninhas de Brasília por tanto
tempo. Mais: por que dois ex-presidentes do BC, Gustavo Loyola e
Francisco Gros, firmaram documentos cujos textos aliviavam a
barra dos supercílios paraenses.
O Senado é habitado hoje por
dois tipos de político: os capazes
de tudo e os incapazes de todo. Incapazes sobretudo de investigar.
Na quarta-feira, os primeiros deram novo chapéu nos segundos.
Acomodaram Gilberto Mestrinho, amigo fraternal do ponto de
interrogação, na presidência do
Conselho de (a)Ética do Senado.
De modo que qualquer esforço
para iluminar o malfeito deve ser
saudado com fogos e hosanas.
É constrangedora a posição dos
senadores. A inação faz com que
passem da condição de inocentes
espectadores para a de cúmplices
constrangidos.
O diabo é que não adianta virar
as páginas dos jornais e das revistas. A suspeita transita pelos corredores, preside as sessões... Ninguém está a salvo de um bom-dia,
de um boa-tarde, de um aperto de
mão.
Vive-se uma experiência surreal. Há um monturo em pleno
salão azul do Senado. Mas, ao
convocar Mestrinho, o PMDB informou que ninguém pode investigar. Convencionou-se que a estrumeira não está lá.
Ficou combinado que tudo é ficção: José Osmar Borges, o ex-sócio
da interrogação, na bica de ser
denunciado pelo desvio de mais
de R$ 100 milhões da $udam; José
Arthur Guedes Tourinho, o afilhado político acomodado na
chefia da $udam, que se encontra
com os bens indisponíveis; Antônio Pinho Brasil, ex-braço direito
nas pastas da Reforma Agrária e
da Previdência, condenado a cinco anos de cadeia; Maria Auxiliadora Barra, a contadora do ranário de Belém, cujas pegadas conduzem a uma trilha de desvios e
malversações. Nada é real.
Coube a FHC o papel de coadjuvante da encenação obscura. Não
seria conveniente nem patriótico
arriscar a estabilidade da base de
sustentação do governo no Congresso em nome de coisas relativas e fúteis como a verdade e a decência. Melhor aderir à convenção de que nada aconteceu. Ainda que a inteligência tenha de ser
oferecida em holocausto.
As pesquisas de opinião começam a expor um detalhe que foge
à percepção dos sábios de Brasília: a presunção acerca daquilo
que vem sendo escondido causa
mais danos à imagem do consórcio governista do que qualquer
investigação. Mas quem se preocupa com detalhes?
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