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Elio Gaspari
O PT casou com a República de Alagoas
O presidente que em 2003 encantou a plutocracia em Davos é hoje um governante internacionalmente tisnado
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NOSSO GUIA decidiu transformar
a agenda horizontal de Renan
Calheiros num processo de
desmoralização do Senado e do PT.
Na crise de 2005, o comissariado foi
apanhado com dólares na cueca e com
as arcas de Marcos Valério na contabilidade do partido. Era uma crise que,
bem ou mal, nascia no PT e se irradiava para o governo. Escorregaram numa casca de banana que estava no caminho que haviam escolhido.
Desta vez, decidiram atravessar a
rua para escorregar na casca escolhida
por Calheiros. Ele não é do PT, nem se
pode dizer que faça parte do poder
executivo. A "gestante" não ocupa cargo público. O lobista da Mendes Júnior, muito menos. A crise, portanto, foi estranha ao Executivo e ao partido.
Apesar disso, Nosso Guia recauchutou a teoria da "ameaça à governabilidade" e filiou sua bancada no Senado à velha e boa República de Alagoas, com
suas alcovas, chantagens e, sobretudo,
esqueletos de armários alheios.
Lula atravessou a praça dos Três Poderes para proteger o que há de pior
na promiscuidade política do andar de
cima alagoano. A bem da justiça, registre-se que o grão-tucano Teotonio Vilela Filho, ex-presidente do PSDB, sentou praça na volante de Calheiros
logo nos primeiros dias da crise. Num
quadro político decente, um senador
que paga mesada a uma senhora valendo-se da intermediação de um lobista
amigo, deixa o Parlamento que humilha.
Quando isso não acontece, o Parlamento
humilha o país.
A "governabilidade" tornou-se uma
gazua para justificar qualquer aliança e
cambalacho destinado a subverter a discussão. Quando o senador Joaquim Roriz vai à tribuna e anuncia que sempre apoiou o governo e continuará votando
com ele, está fazendo uma profissão de
fé ou propondo um troca-troca? Até a
semana passada o comissariado acreditava que a "governabilidade" seria aperfeiçoada se o Congresso cassasse o voto uninominal dos eleitores. Felizmente,
pela vontade da Câmara dos Deputados,
o projeto foi ao lixo.
O presidente que começou seu governo encantando com sua biografia a plutocracia reunida em Davos é hoje um governante internacionalmente tisnado. Seu desembaraço moral não chega a
mudar a opinião dos admiradores, apenas inibe suas manifestações.
UM GOL CONTRA NUM CASO DE SUCESSO
A Gol tornou-se a segunda
maior companhia de transportes aéreos do país com
simpatia, preços camaradas e
obsessão pela competitividade. Quando a Varig ia às portas do BNDES pedir dinheiro
para cobrir o buraco dos maganos que a saquearam, era
um alívio pensar que ela poderia ser substituída por outra empresa, jovem, gentil e
barata.
Em menos de dois anos,
Nenê Constantino, o patriarca da família que controla a
empresa, levou a urucubaca
de Wagner Canhedo para perto de seu desempenho.
Canhedo, que como Costantino tinha frotas de ônibus, comprou a Vasp em 1990.
Aquilo que pareceu uma história de eficiência no amanhecer da privataria acabou
num lamaçal de amigos do
Palácio do Planalto. A Vasp
quebrou, e Canhedo é visto
hoje no noticiário policial.
Depois de ter feito o milagre da Gol em apenas seis
anos de gestão, Constantino
comprou a Varig por US$ 320
milhões, tendo como advogado um compadre de Nosso
Guia, que o acompanhou numa visita ao palácio. Agora, a
condição de amigo do senador
Joaquim Roriz apensou-o à
sua contabilidade bovina.
Se os Constantino não tomarem cuidado, transformam-se num estudo de caso
de uma empresa que, tendo
chegado a valer US$ 6 bilhões,
decidiu arriscar a sorte investindo no veneno dos bons
amigos de Brasília.
O QUADRO DE SARNEY
Sai em agosto o novo romance
de José Sarney. Revela o remédio
que o ex-presidente toma para
fugir da pauta horizontal do Senado. "O Quadro" não tem política. Conta a história da paixão de
um homem pela mulher nua de
uma tela. É Gabrielle d'Estreés,
namorada de Henrique 4 (1553-1610), rei da França. O quadro
iluminou a infância do filho de
um engenheiro carioca que financiava o Partido Comunista
nos anos 30. Pintado no século
16, o retrato de Gabrielle saíra
dos tesouros dos museus soviéticos, na época em que os comunistas vendiam Madonnas de Rafael para fazer caixa. No romance, Sarney mistura a obsessão de
Leonardo, já adulto, com uma
partilha de bens e as encrencas
de um cidadão de poucas luzes, e
muita vontade de ficar com o
Quadro. Ele descobriu que no
Louvre havia outro retrato de
Gabrielle, pintado na mesma
época. Sarney trabalhou vários
anos na trama e ela já estava
pronta quando o Senado desceu
aos infernos. Algum poder sobrenatural fez com que ele incluísse
um episódio de investigação de
paternidade na vida do enamorado de Gabrielle d'Estreés. É preferível ler o "O Quadro" do que
acompanhar a vida real.
ESPERANÇA
É possível que o comissariado
da Brasil Telecom não consiga
matar de vez o sítio de notícias
NoMínimo. Apenas possível. O
NoMinimo tem muitas utilidades, entre elas de de informar
que um cidadão, contratado para
a função de cozinheiro na Vila do
Pan, viu a instalação de um macaco hidráulico num buraco de
40 metros. Soube que se destina
a recolocar no prumo o prédio
onde está o refeitório. Quem quiser pode conferir:
http://ponteaerearj.nominimo.com.br/
FLORES DO RECESSO
Os coronéis do Senado podem ter cometido um erro ao
jogar o caso Renan Calheiros
para as calendas do recesso
parlamentar. Esperam que o
assunto esfrie, mas a experiência mostra que o recesso é um
fogo brando. Queima demoradamente. As flores do recesso
só murcham em agosto.
PLEBISCITO
O PT prendeu-se numa armadilha. Passou os últimos
anos defendendo uma trapaça
que chamava de "reforma política" para conseguir o falecido
voto de lista. Agora perceberam
que há na Câmara um projeto
do deputado Miro Teixeira,
prevendo que a reforma eleitoral seja decidida num plebiscito. No ano que vem, junto com a
eleição municipal, os eleitores
diriam o que acham melhor:
- Deixar tudo como está.
- Adotar o voto distrital simples ou misto.
- Permitir a escolha por listas rígidas ou flexíveis.
Se os companheiros acreditam em plebiscitos, como dizem acreditar, e se querem a reforma, como dizem querer, apóiam a transferência da decisão para a patuléia.
FRIO
O ministro do Planejamento,
Paulo Bernardo, deu sinais de
que gostaria de fazer contraponto ao ministro da Fazenda,
Guido Mantega. É difícil que
consiga. Desde 2003, Paulo
Bernardo teve duas ações dignas de nota. A primeira, em
2005, quando se juntou ao ministro Antonio Palocci propondo um arrocho fiscal. Tomou
um "rudimentar" de Dilma
Rousseff e submergiu. Voltou
ao palco representando Nosso
Guia na fatídica rodada de negociações com os controladores de vôo amotinados, em
março.
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