São Paulo, domingo, 01 de julho de 2007

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Elio Gaspari

O PT casou com a República de Alagoas


O presidente que em 2003 encantou a plutocracia em Davos é hoje um governante internacionalmente tisnado

NOSSO GUIA decidiu transformar a agenda horizontal de Renan Calheiros num processo de desmoralização do Senado e do PT. Na crise de 2005, o comissariado foi apanhado com dólares na cueca e com as arcas de Marcos Valério na contabilidade do partido. Era uma crise que, bem ou mal, nascia no PT e se irradiava para o governo. Escorregaram numa casca de banana que estava no caminho que haviam escolhido.
Desta vez, decidiram atravessar a rua para escorregar na casca escolhida por Calheiros. Ele não é do PT, nem se pode dizer que faça parte do poder executivo. A "gestante" não ocupa cargo público. O lobista da Mendes Júnior, muito menos. A crise, portanto, foi estranha ao Executivo e ao partido. Apesar disso, Nosso Guia recauchutou a teoria da "ameaça à governabilidade" e filiou sua bancada no Senado à velha e boa República de Alagoas, com suas alcovas, chantagens e, sobretudo, esqueletos de armários alheios.
Lula atravessou a praça dos Três Poderes para proteger o que há de pior na promiscuidade política do andar de cima alagoano. A bem da justiça, registre-se que o grão-tucano Teotonio Vilela Filho, ex-presidente do PSDB, sentou praça na volante de Calheiros logo nos primeiros dias da crise. Num quadro político decente, um senador que paga mesada a uma senhora valendo-se da intermediação de um lobista amigo, deixa o Parlamento que humilha. Quando isso não acontece, o Parlamento humilha o país.
A "governabilidade" tornou-se uma gazua para justificar qualquer aliança e cambalacho destinado a subverter a discussão. Quando o senador Joaquim Roriz vai à tribuna e anuncia que sempre apoiou o governo e continuará votando com ele, está fazendo uma profissão de fé ou propondo um troca-troca? Até a semana passada o comissariado acreditava que a "governabilidade" seria aperfeiçoada se o Congresso cassasse o voto uninominal dos eleitores. Felizmente, pela vontade da Câmara dos Deputados, o projeto foi ao lixo.
O presidente que começou seu governo encantando com sua biografia a plutocracia reunida em Davos é hoje um governante internacionalmente tisnado. Seu desembaraço moral não chega a mudar a opinião dos admiradores, apenas inibe suas manifestações.

UM GOL CONTRA NUM CASO DE SUCESSO

A Gol tornou-se a segunda maior companhia de transportes aéreos do país com simpatia, preços camaradas e obsessão pela competitividade. Quando a Varig ia às portas do BNDES pedir dinheiro para cobrir o buraco dos maganos que a saquearam, era um alívio pensar que ela poderia ser substituída por outra empresa, jovem, gentil e barata.
Em menos de dois anos, Nenê Constantino, o patriarca da família que controla a empresa, levou a urucubaca de Wagner Canhedo para perto de seu desempenho.
Canhedo, que como Costantino tinha frotas de ônibus, comprou a Vasp em 1990. Aquilo que pareceu uma história de eficiência no amanhecer da privataria acabou num lamaçal de amigos do Palácio do Planalto. A Vasp quebrou, e Canhedo é visto hoje no noticiário policial.
Depois de ter feito o milagre da Gol em apenas seis anos de gestão, Constantino comprou a Varig por US$ 320 milhões, tendo como advogado um compadre de Nosso Guia, que o acompanhou numa visita ao palácio. Agora, a condição de amigo do senador Joaquim Roriz apensou-o à sua contabilidade bovina.
Se os Constantino não tomarem cuidado, transformam-se num estudo de caso de uma empresa que, tendo chegado a valer US$ 6 bilhões, decidiu arriscar a sorte investindo no veneno dos bons amigos de Brasília.

O QUADRO DE SARNEY
Sai em agosto o novo romance de José Sarney. Revela o remédio que o ex-presidente toma para fugir da pauta horizontal do Senado. "O Quadro" não tem política. Conta a história da paixão de um homem pela mulher nua de uma tela. É Gabrielle d'Estreés, namorada de Henrique 4 (1553-1610), rei da França. O quadro iluminou a infância do filho de um engenheiro carioca que financiava o Partido Comunista nos anos 30. Pintado no século 16, o retrato de Gabrielle saíra dos tesouros dos museus soviéticos, na época em que os comunistas vendiam Madonnas de Rafael para fazer caixa. No romance, Sarney mistura a obsessão de Leonardo, já adulto, com uma partilha de bens e as encrencas de um cidadão de poucas luzes, e muita vontade de ficar com o Quadro. Ele descobriu que no Louvre havia outro retrato de Gabrielle, pintado na mesma época. Sarney trabalhou vários anos na trama e ela já estava pronta quando o Senado desceu aos infernos. Algum poder sobrenatural fez com que ele incluísse um episódio de investigação de paternidade na vida do enamorado de Gabrielle d'Estreés. É preferível ler o "O Quadro" do que acompanhar a vida real.

ESPERANÇA
É possível que o comissariado da Brasil Telecom não consiga matar de vez o sítio de notícias NoMínimo. Apenas possível. O NoMinimo tem muitas utilidades, entre elas de de informar que um cidadão, contratado para a função de cozinheiro na Vila do Pan, viu a instalação de um macaco hidráulico num buraco de 40 metros. Soube que se destina a recolocar no prumo o prédio onde está o refeitório. Quem quiser pode conferir: http://ponteaerearj.nominimo.com.br/

FLORES DO RECESSO
Os coronéis do Senado podem ter cometido um erro ao jogar o caso Renan Calheiros para as calendas do recesso parlamentar. Esperam que o assunto esfrie, mas a experiência mostra que o recesso é um fogo brando. Queima demoradamente. As flores do recesso só murcham em agosto.

PLEBISCITO
O PT prendeu-se numa armadilha. Passou os últimos anos defendendo uma trapaça que chamava de "reforma política" para conseguir o falecido voto de lista. Agora perceberam que há na Câmara um projeto do deputado Miro Teixeira, prevendo que a reforma eleitoral seja decidida num plebiscito. No ano que vem, junto com a eleição municipal, os eleitores diriam o que acham melhor:
- Deixar tudo como está.
- Adotar o voto distrital simples ou misto.
- Permitir a escolha por listas rígidas ou flexíveis.
Se os companheiros acreditam em plebiscitos, como dizem acreditar, e se querem a reforma, como dizem querer, apóiam a transferência da decisão para a patuléia.

FRIO
O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, deu sinais de que gostaria de fazer contraponto ao ministro da Fazenda, Guido Mantega. É difícil que consiga. Desde 2003, Paulo Bernardo teve duas ações dignas de nota. A primeira, em 2005, quando se juntou ao ministro Antonio Palocci propondo um arrocho fiscal. Tomou um "rudimentar" de Dilma Rousseff e submergiu. Voltou ao palco representando Nosso Guia na fatídica rodada de negociações com os controladores de vôo amotinados, em março.


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