São Paulo, quinta-feira, 01 de agosto de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIGAÇÕES PERIGOSAS

Empréstimo a coordenador de Ciro veio de arrecadação pró-Collor

Martinez recebeu dinheiro de "fantasmas" de PC Farias

MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

Ao contrário do que o candidato à Presidência da República Ciro Gomes (PPS) e o seu coordenador-geral de campanha, José Carlos Martinez (PTB-PR), vêm dizendo há quase duas semanas, o "empréstimo" de Paulo César Farias ao deputado paranaense em 1991 não foi um "negócio privado" dentro da lei.
Tratou-se de transferência de recursos feita quase toda em nome de correntistas "fantasmas", expediente introduzido por PC Farias em suas operações no segundo semestre de 1990.
Os "fantasmas" eram nomes inventados por PC para abrir contas bancárias cuja titularidade de fato era dele. Com os "fantasmas", o ex-caixa de campanha de Fernando Collor tinha alta movimentação financeira sem aparecer. Burlava a Receita Federal e outros órgãos fiscalizadores.
Em 1991, ano do empréstimo conforme declaração de renda de Martinez, cuja cópia foi distribuída por ele na segunda-feira, PC não tinha como emprestar o que Martinez diz ter recebido.
Os rendimentos de PC tributáveis em 1991 foram de Cr$ 68 milhões (a moeda da época era o cruzeiro). Os rendimentos não-tributáveis, de Cr$ 650 milhões. No total, Cr$ 718 milhões.
Martinez deu a entender que o empréstimo foi em julho de 1991. O valor: Cr$ 4.384.122.689,00, o que equivaleria a R$ 28 milhões em maio de 2002, segundo uma das numerosas tabelas de conversão, a de atualização de débitos da Justiça de São Paulo.
A soma dos rendimentos de PC em 1991 representou 16,4% do total que Martinez afirmou ter tomado de empréstimo. PC não tinha patrimônio legal que lhe permitisse dispor da quantia recebida pelo atual coordenador-geral da campanha de Ciro Gomes.
Em julho de 1992, três auditores da Receita Federal iniciaram uma fiscalização sobre PC como pessoa física. Confirmaram e descobriram diversas irregularidades, entre elas o repasse a Martinez e seu grupo empresarial, que resultaram num auto de infração.
A multa foi de R$ 60 milhões. Ao ser assassinado, em junho de 1996, PC devia R$ 85 milhões à Receita.

"Negócio privado"
O "negócio privado" foi investigado pela CPI do PC, cujo resultado determinou o impeachment de Collor.
A CPI destrinchou a operação na qual PC deu o aporte financeiro para a Rede OM (empresa da família Martinez, hoje CNT) comprar a TV Corcovado, do Rio. Os pagamentos, conforme a CPI descobriu com a quebra de sigilos bancários e fiscais:
1) o "fantasma" Manoel Dantas Araújo amortizou dívida do SBT (que vendeu a TV Corcovado) com a Caixa Econômica Federal. No verso do cheque ele informava que a quantia, equivalente no dia a US$ 3,2 milhões, se referia a parte do valor pago pela emissora carioca. O mesmo "fantasma" pagou US$ 85,2 mil à Rede OM e US$ 30 mil à José Augusto Martinez de Souza, primo do coordenador de Ciro e então diretor da Rede OM;
2) o "fantasma" Flávio Maurício Ramos, na mesma operação de aquisição da TV Corcovado, transferiu o equivalente a US$ 4,5 milhões para José Carlos Martinez e US$ 45 mil para a CEF;
3) o "fantasma" Jurandir de Castro Menezes depositou US$ 193 mil para José Augusto Martinez de Souza;
4) o doleiro Jorge Luiz Conceição, no mesmo negócio, deu US$ 328 mil a José Carlos Martinez.
Ao todo, US$ 8,4 milhões foram entregues ao grupo Martinez, quase tudo por "fantasmas" do Esquema PC. Exame grafotécnico comprovou que quem assinava os cheques do tal Flávio Maurício Ramos era Rosinete Melanias, secretária de PC.
Em 1999, José Carlos Martinez devia ainda R$ 3 milhões (então US$ 1,6 milhão) à família de PC, conforme a Folha publicou, com a confirmação de ambas as partes, em 23 de setembro de 1999.
No último dia 21, a Folha revelou que a dívida continua sendo paga, o que mantém os vínculos financeiros entre o coordenador de Ciro e o núcleo familiar de PC.
Martinez e do deputado Augusto Farias (PPB-AL), irmão do ex-tesoureiro de Collor, confirmaram o parcelamento da dívida não saldada. Depois, Martinez se contradisse e não reafirmou que ainda paga os Farias.
Os dados fundamentais sobre a conexão PC-Martinez no negócio de TV podem ser conhecidos em processos judiciais arquivados no Distrito Federal e em Alagoas ou, em síntese, com a mera leitura do relatório da CPI do PC.
Ao depor no processo criminal em que era acusado de sonegação fiscal, PC Farias disse em Maceió que o dinheiro dos "fantasmas" era de sobra dos fundos da campanha de Collor em 1989. Por silogismo, o que foi transferido a Martinez para pagar cerca da metade do valor da TV Corcovado era arrecadação pró-Collor.
Os auditores fiscais suspeitaram que não houve "empréstimo" de fato ao grupo Martinez, mas repasse de um sócio oculto a outro. Não obtiveram documentos que comprovassem a suspeita.


Texto Anterior: Caixa Dois: Autos do caso Taniguchi devem voltar à PF
Próximo Texto: Outro Lado: Deputado não foi localizado para comentar
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.