São Paulo, domingo, 01 de setembro de 2002

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ESTIAGEM

Água abastece somente a zona urbana de município do Piauí

A 15 km do maior açude, família não pode plantar

DA AGÊNCIA FOLHA, EM PAULISTANA (PI)

Há três meses, o lavrador Cleosvaldo Isaías de Araújo, 37, construiu uma cerca com gravetos em uma fazenda de Paulistana, a 450 km de Teresina (PI). Pelo serviço, ele recebeu R$ 5. Depois, nunca mais conseguiu outro trabalho.
Casado, com três filhos, de 3, 5 e 7 anos, o agricultor, desde então, vem mantendo a família com as sementes de feijão que restaram da safra passada. Às vezes misturadas com um punhado de arroz, elas se transformaram na sua única refeição diária. A estiagem que dizimou as lavouras de subsistência acabou também com as oportunidades de trabalho na região.
No terreno de 1,5 hectare onde Araújo plantou milho, hoje só restam caules amarelados, secos, com meio metro de altura. E na área onde ele semeou o feijão, só pedras e areia. Na casa de três cômodos, sem piso, sem forro e sem eletricidade, a mulher do lavrador, Marilza Maria de Souza, 32, cozinha os grãos em uma fogueira. Descalços e com as roupas rasgadas, as crianças esperam a comida brincando com um cachorro.
Araújo ainda tem uma lata de 18 litros cheia de sementes. Tem também oito galinhas e 13 patos, de uma criação que, antes da seca, era de 140 aves. "Estou vendendo aos poucos, trocando por arroz, sal e gordura", disse. "Isso é tudo o que eu tenho. Depois que acabar, fica nas mãos de Deus."
Além da comida, o agricultor está preocupado também com a água usada para beber e cozinhar. Ela é recolhida todos os dias de um barreiro que está secando. Tem aspecto leitoso, "mas pelo menos não é salgada", diz. Em duas semanas, calcula Araújo, só haverá lama no local. Depois, ele terá que andar cerca de seis quilômetros até chegar ao açude com água potável mais próximo de sua casa.
Dezenas de famílias da região passam pelas mesmas dificuldades. Isso, apesar de estarem a 15 quilômetros de um dos maiores açudes da região, o Ingazeira.
Localizado na área urbana de Paulistana, o reservatório tem capacidade para 24 milhões de metros cúbicos de água. Cada metro cúbico equivale a mil litros.
Às suas margens, casas de alto padrão com píers e plantações de coco foram construídas por empresários da cidade. O verde das árvores alimentadas por sistemas de irrigação contrasta com o amarelo que predomina pelo resto da vizinhança.
Apesar de sua capacidade, o açude abastece apenas a zona urbana, onde moram 54% dos 16.529 habitantes do município. Quem habita a zona rural não tem acesso à água porque não existem canos que levem o produto até suas casas. (FG)


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