São Paulo, domingo, 01 de setembro de 2002

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HERANÇA DE FHC

Assessores dos candidatos reconhecem dificuldades para implantar propostas diante do corte dos investimentos

Orçamento 2003 "estrangula" promessas

CLÓVIS ROSSI
Colunista da Folha

As lustrosas promessas dos candidatos à Presidência vão colidir de frente com a "herança maldita", como o economista Maurício Dias David, da equipe de Ciro Gomes, define o magro Orçamento-2003 enviado pelo governo Fernando Henrique Cardoso ao Congresso.
Em números, a herança crava apenas R$ 7,2 bilhões para investimentos, menos da metade da previsão para este ano (R$ 18,1 bilhões). Herança tão "maldita" que faz o deputado Aloizio Mercadante, principal porta-voz econômico do PT, admitir que "não haverá margem no Orçamento para nenhum programa de investimentos ou gastos sociais de vulto".
Nos QGs dos outros candidatos, a avaliação não difere muito.
"Não sabemos, honestamente, se podemos viabilizar o crescimento de 5% da economia no primeiro ano", admite, por exemplo, Maurício Dias David.
Os 5% são a meta de Ciro, quando o Orçamento de FHC projeta apenas 3% para 2003.
"O crescimento (da economia) será naturalmente mais modesto no início", concorda Gesner José de Oliveira Filho, economista da campanha José Serra. Gesner diz que a meta de crescimento para o governo Serra é de 4,5% na média do período 2003/ 2006, mas "as taxas serão menores no período 2003/04 do que em 2005/06".
Por fim, Tito Ryff, economista da equipe Anthony Garotinho, também reconhece que, "no primeiro ano, será um pouco mais difícil" conseguir os objetivos definidos pelo ex-governador.
Admitir as dificuldades não significa, no entanto, que os quatro principais candidatos estejam jogando a toalha como decorrência do magro Orçamento definido pelo governo para o ano em que um deles tomará posse.
Para Mercadante, não há como analisar o Orçamento-2003 sem saber como vão ficar três variáveis determinantes: câmbio, juros e crescimento econômico.
É lógico que seja assim. Afinal, "cada ponto percentual de queda de juros salva, ao longo do ano, algo em torno de R$ 6,5 bilhões", diz o deputado petista. E, completa, "quanto maior o crescimento econômico, maior o volume de arrecadação".
Mercadante acredita que após a eleição, o real deve se valorizar algo, até porque o mais recente empréstimo do FMI mais os recursos do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento formarão um apreciável "colchão cambial".
Em consequência, a instabilidade atual pode ser revertida, criando portanto condições para um certo desafogo orçamentário.
Mas Mercadante alerta para um dado pouco presente nas discussões: no ano que vem, o governo perde algo em torno de R$ 14 bilhões de receita porque cessa a arrecadação de impostos relativos a fundos de pensão e a entrada de recursos pelo refinanciamento de dívidas, além de redução de alíquotas de certos tributos.
Alívio eventual de um lado, perda de receita de outro, tem-se que "mesmo que haja melhoria substancial, vamos ter um Orçamento muito comprimido, não só em investimento mas também em custeio", acha Mercadante.
"Dá para se virar um pouco", retruca Maurício Dias David (campanha Ciro Gomes). "Pelo menos dá para as nossas propostas, porque as dos outros são alucinadas e não cabem nesse Orçamento", ataca.
O economista diz que o programa de Ciro fala menos de gastos fiscais e mais de "introduzir a mística do desenvolvimento, o que inclui a mobilização do setor privado". Por isso, insiste em que é essencial crescer 5% ao ano, mesmo com as dificuldades que ele próprio prevê para 2003. "Com menos do que isso, o Brasil fica inviabilizado", diz.
Dias David assegura que o aperto orçamentário nem de longe inviabiliza a promessa de Ciro de um salário mínimo equivalente a US$ 100. "Mas não à cotação especulativa de R$ 3 por dólar."
Gesner de Oliveira (campanha Serra) desloca a ênfase dos gastos públicos para o que chama de "remoção dos obstáculos para o desenvolvimento".
"A geração de emprego, por exemplo (é a mais vistosa promessa do candidato), não depende de dinheiro público, mas exatamente da estratégia de remover obstáculos ao desenvolvimento."
Um deles é prioridade de todos os quatro: a reforma tributária.
Mas Gesner fala também em criar mecanismos de financiamento de longo prazo, entre eles a "securitização de recebíveis". Significa, em português, que o investidor levanta hoje o dinheiro para um projeto que renderá dinheiro no futuro. Gesner, como todos os principais candidatos, fala igualmente em redução dos juros: "Se não, inviabiliza tudo".
Detalhe: na proposta que o governo FHC enviou ao Congresso, os juros nominais ficarão em 16,26%. A campanha Serra trabalha com 9% para o final de seu eventual período de governo.
O juro é tão fundamental que faz Tito Ryff (campanha Garotinho) calcular que, "com a queda dos juros e crescimento maior, haverá uma margem adicional de investimentos de entre R$ 6 bilhões e R$ 7 bilhões". Ou seja, praticamente se dobraria o investimento previsto no Orçamento.
Entre as dificuldades para o primeiro ano e as expectativas necessariamente melhores para os três seguintes, fica a avaliação de Ryff sobre a peça orçamentária: "Não é o paraíso, mas também não é para sentar na sarjeta e chorar".


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