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Ministro há um mês, Jobim tem primeira crise com militares
General Enzo Martins Peri convoca reunião extraordinária do Comando do Exército para discutir livro sobre ditadura
Em nota, o Exército rejeita mudança de Lei da Anistia para permitir julgamento de militares envolvidos com tortura durante a ditadura
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Seis dias depois de completar
um mês no cargo, o ministro
da Defesa, Nélson Jobim, enfrentou ontem a primeira crise
militar no cargo. O Alto Comando do Exército se reuniu
extraordinariamente e divulgou nota reagindo contra o lançamento de um livro sobre tortura no regime militar. "Fatos
históricos têm diferentes interpretações", afirma o texto.
A nota condena a possibilidade de mudança na Lei da Anistia para permitir o julgamento
de militares envolvidos com
torturas e mortes durante a ditadura de 1964, como ocorreu
no Chile e na Argentina.
"A Lei da Anistia, por ser parâmetro de conciliação, produziu a indispensável concórdia
de toda a sociedade (...). Colocá-la em questão importa em retrocesso à paz e à harmonia nacionais", diz a nota, assinada
pelo comandante do Exército,
general Enzo Martins Peri, que
a entregou a Jobim. Conforme
a Folha apurou, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva determinou cautela a Jobim.
Quem aventou a hipótese de
mudar a Lei de Anistia foi o
presidente da Comissão de
Mortos e Desaparecidos, do
Ministério da Justiça, Marco
Antonio Barbosa, no lançamento do livro "Direito à Memória e à Verdade", sobre torturas e mortes de opositores à
ditadura, quarta, na presença
de Lula. Para Barbosa, tortura é
"crime imprescritível".
Em resposta à versão de que
o Exército de hoje é diferente
do que é acusado de crimes durante a ditadura, a nota diz:
"Não há Exércitos distintos. Ao
longo da história, temos sido o
mesmo Exército de Caxias, referência em termos de ética e
de moral, alinhado com os legítimos anseios da sociedade".
O texto foi transmitido a todos os comandos do país. Ele
foi uma reação ao livro, ao seu
lançamento no Planalto e principalmente ao recado de Jobim, na cerimônia, vetando
manifestações contrárias ao
trabalho nas Forças Armadas.
Apesar de Lula ter feito na
cerimônia de lançamento do livro um discurso considerado
"apropriado" por militares, Jobim fez o que eles classificaram
internamente de "afronta desnecessária", ao avisar que não
admitiria reclamações contra o
livro: "Não haverá indivíduo
que possa reagir e, se houver,
terá resposta", disse o ministro.
Foi isso que mais irritou os
generais. A reunião do Alto Comando foi convocada e presidida pelo comandante Enzo, que
chegou de Buenos Aires por
volta de meia-noite e meia e se
reuniu com os seus integrantes
a partir das 13h. O calendário
do Alto Comando prevê reuniões bimestrais, e a de ontem
não estava prevista.
Extraordinária
Mais alto foro de decisão militar, ele é integrado por 14 generais-de-Exército. Sete são de
fora de Brasília e foram convocados na quinta. Conforme a
Folha apurou, o clima da reunião foi de indignação e a primeira versão da nota era mais
dura, mas foi alterada até ficar
"elegante, porém firme", na expressão de um participante.
Eles reclamaram de Jobim,
que consideraram "arrogante",
e destacaram que ameaças do
ministro são inócuas, pois ele
não tem autoridade para punir
as Forças Armadas. Seu poder
se resume à possibilidade de
poder pedir ao presidente a troca de um comandante.
Na reunião, eles também fizeram uma comparação das
Forças Armadas com a Agência
Nacional de Aviação Civil, que
está sendo desmontada por Jobim: "Nós não estamos mortos
nem somos a Anac", disse um
dos presentes à reunião.
Apesar de também incomodadas, Marinha e Aeronáutica
não convocaram reuniões contra a iniciativa da Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência. Até ontem à noite, estava confirmado o embarque de
Jobim e do comandante do
Exército, juntos, amanhã, para
o Haiti. Eles voltam na quinta.
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