São Paulo, segunda-feira, 01 de setembro de 2008

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PF apura agora indício de fraude financeira de Dantas

Ênfase anterior era na lavagem de dinheiro, crime complexo e difícil de ser provado, segundo especialistas em direito financeiro

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

A equipe que assumiu a investigação em torno de Daniel Dantas vai concentrar esforços nos indícios de fraude financeira no Banco Opportunity. A ênfase anterior era na lavagem de dinheiro, um crime complexo e difícil de ser provado, segundo especialistas em direito financeiro ouvidos pela Folha.
A mudança de foco é uma crítica velada à maneira como a Operação Satiagraha foi conduzida pelo delegado Protógenes Queiroz, que se afastou do caso para fazer um curso em Brasília.
Protógones, na avaliação informal dos policiais, havia aberto demais o foco ao incluir na apuração casos como a fusão da Brasil Telecom com a Oi e a atuação de Gilberto Carvalho, chefe-de-gabinete do presidente Lula e apontado inicialmente como suspeito de ter praticado tráfico de influência.
A abertura da apuração para vário casos simultâneos seria o meio mais rápido para Daniel Dantas se livrar das acusações que pesam contra ele, na opinião dos delegados que agora conduzem o caso.
O banqueiro seria inocentado, de acordo com essa visão, pela dificuldade de se reunir provas em frentes cada vez mais complexas. É a versão policial do ditado "quem tudo quer, nada tem".
A concentração da investigação nos indícios de fraude financeira tem um motivo prático, segundo Jairo Saddi, professor de direito financeiro do Ibmec São Paulo e consultor do Banco Central, e Otto Steiner Jr., advogado com mais de 30 anos de experiência em escândalos bancários. A eventual fraude é mais fácil de ser provada em tribunais, segundo os dois especialistas.
"Lavagem de dinheiro é um crime extremamente difícil de ser provado no Brasil porque a legislação exige que haja um crime precedente. Ou seja, a polícia precisa provar dois crimes", diz Saddi, comentando o caso em tese.
Steiner Jr. recorre a uma imagem para ilustrar a dificuldade de provar a lavagem: "Se um cliente chegar num banco com uma mala de dinheiro e o gerente perguntar a origem, e ele disser que é de sonegação, não dá para acusá-lo de lavagem porque sonegação não é crime precedente no Brasil. O dinheiro de sonegação tem origem lícita. O problema é só fiscal: não houve pagamento de impostos".
De acordo com Steiner Jr., a maior parte dos recursos aplicados em fundos internacionais como o do Opportunity vem de sonegação.
Há uma dificuldade adicional para provar lavagem em recursos recebidos por uma instituição financeira, segundo ele: o crime foi praticado pelo cliente, não pelo banco.

Indícios de fraude
A PF decidiu se concentrar na hipótese de fraude porque os indícios desse tipo de crime são fartos, segundo os policiais que assumiram a investigação. Eis alguns dos indícios, sempre segundo a polícia:
1) Dantas não aparece como presidente do Opportunity, mas age como tal, segundo as gravações de conversas telefônicas feitas pela PF. Dório Ferman, o presidente do Opportunity, é uma espécie de laranja de luxo, na visão da PF. Nelio Machado, advogado de Dantas, diz que a acusação é completamente infundada;
2) As empresas financeiras e não financeiras de Dantas trocavam recursos entre si, o que é vetado pelo Banco Central. O BC proíbe bancos de emprestarem para empresas do mesmo grupo porque a operação pode acobertar desvios de recursos. O banqueiro só finge que está emprestando; no fundo, ele tira recursos do banco com esses empréstimos;
3) O fundo Opportunity, nas Ilhas Cayman, recebia recursos de residentes no Brasil, o que é vetado por normas da CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Perícia feita pela PF aponta que a entrada de brasileiros residentes no Brasil no fundo internacional era tão descarada que o Opportunity os identificava por meio de CPF ou CNPJ, dois documentos tipicamente brasileiros.
4) O Opportunity remeteu, sem registro no Banco Central, recursos de empresas controladas por Dantas, ainda de acordo com perícia da PF. Segundo dados armazenados em disco rígido apreendido pela PF na Operação Chacal, em outubro de 2004, a Brasil Telecom teria no fundo US$ 61 milhões. O Bahia Futebol Clube, que já foi de Dantas, aparece com US$ 32 milhões, e o iG, portal de internet da Brasil Telecom, com mais US$ 8 milhões.


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