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CASO SANTO ANDRÉ
PT tentou convencer irmão de Celso Daniel a não "destilar ressentimentos'; Dirceu montou contra-ofensiva
Escuta revela operação para blindar Lula
LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL
Nas semanas subsequentes ao
assassinato do prefeito de Santo
André, Celso Daniel (PT), em janeiro de 2002, a Polícia Federal
gravou em 42 fitas cassetes diálogos que revelam uma articulação
promovida pelo Partido dos Trabalhadores para evitar turbulências na campanha presidencial de
Luiz Inácio Lula da Silva.
As fitas foram consideradas ilegais pela Justiça, que determinou
sua destruição. O sigilo telefônico
de autoridades petistas foi quebrado a partir de solicitação da PF
para uma investigação sobre tráfico de drogas, assunto sem vinculação com o assassinato.
A Folha obteve a degravação
oficial e integral das escutas efetuadas pela Delegacia de Prevenção e Repressão a Entorpecentes
da PF entre o dia 24 de janeiro e o
final de março. O sequestro de
Celso Daniel ocorreu seis dias antes do início das gravações.
A operação petista, como os
diálogos revelam, consistiu na
orientação prévia de depoimentos, no monitoramento de entrevistas e até na tentativa de convencer um irmão do prefeito
-que posteriormente denunciou
à Promotoria cobrança de propina prefeitura- a não "destilar
ressentimentos" em público.
O material denota uma grande
inquietação do PT com as investigações, as quais estariam sendo
conduzidas de modo a prejudicar
Lula na eleição. Na visão do partido, a polícia estaria deixando propositalmente no ar a suspeita de
envolvimento de petistas com o
crime e de que este teria origem
num esquema de corrupção.
"Perdi a confiança na polícia",
disse no dia 2 de fevereiro Gilberto Carvalho, chefe de gabinete da
Presidência e então secretário de
Governo do município. "Não custa nada os caras pegarem um cara,
darem um pau lá no varal e o cara
confessar um monte de coisas",
queixou-se a um interlocutor.
A "contra-ofensiva" foi montada pelo PT, sob a liderança de José
Dirceu, que presidia o partido.
"Marcamos para as 6h [ou 18h?]
na casa do Zé Dirceu. Teremos
uma conversa. Conversaremos
sobre a nossa tática dessa semana.
Vamos ter de ir para a contra-ofensiva", disse Carvalho a um
amigo, no dia 12 de fevereiro.
O ministro da Casa Civil é citado cinco vezes nas gravações, habitualmente quando era necessário tomar alguma decisão.
Uma das primeiras providências do PT foi procurar o governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP).
"Na investigação, os caras estão
indo por essa linha aí..., que não
faz sentido nenhum. É perseguição com a gente. Hoje terei uma
reunião com Zé Dirceu e Luiz
Eduardo [Greenhalgh, segundo a
PF]. Irão dar uma analisada na situação, terão que protestar junto
ao governador", diz Carvalho.
No dia seguinte, Carvalho volta
ao tema com o empresário Klinger Luiz de Oliveira Souza, vereador do PT e então secretário de
Serviços Municipais da cidade
-que, após denúncias de corrupção, desligou-se do cargo alegando motivos pessoais.
Dizia Carvalho: "Ontem tive
uma conversa com o Zé Dirceu
(...). O partido vai entrar meio pesado agora." A audiência ocorreu
em 21 de fevereiro, após o deputado e advogado do PT, Luiz Eduardo Greenhalgh, reclamar em entrevistas que Alckmin não recebia
a cúpula do PT. Participaram
Greenhalgh, João Avamileno (sucessor de Daniel) e Carvalho.
Depoimentos
Greenhalgh também foi uma
das peças-chaves da articulação.
A partir das gravações, evidencia-se que ele orientou depoentes, entre os quais a namorada de Daniel, Ivone de Santana, e assessores políticos. "Nós fomos prepará-los um pouco", afirmou Carvalho numa ligação, comentando
que voltava da casa do deputado.
O parlamentar nega. Inicialmente, disse à Folha que prestou
uma "assessoria técnica" a Ivone,
por iniciativa dela. A orientação
seria sobre o rito e não a respeito
do teor do depoimento. "Da obrigação de sempre dizer a verdade."
Numa segunda entrevista, admitiu ter conversado com outros
depoentes, mas na linha "técnica". João Francisco Daniel, irmão
do prefeito morto, contou outra
versão à Folha. "Ele tentou claramente direcionar o meu depoimento, não tenho dúvida disso.
Ligava de forma desesperada."
Em conversa no dia 30 de janeiro, Greenhalgh disse a Carvalho:
"Está chegando a hora de João
Francisco depor. Preciso conversar com ele antes. Agora não é hora de destilar ressentimentos".
Quatro meses depois, o irmão
do prefeito, que desde 1989 estava
em atrito com o PT, declarou ao
Ministério Público haver cobrança de propina na cidade para
abastecer o cofre petista e citou
José Dirceu como receptor do dinheiro -denúncia arquivada pela Justiça por falta de provas.
Em julho, a Folha publicou alguns trechos das fitas e revelou a
preocupação do círculo petista
em amenizar as contradições do
empresário Sérgio Gomes da Silva, que presenciou o sequestro.
Pelo teor das conversas, nenhum envolvimento com a morte
é constatada nem é possível comprovar corrupção, embora quatro
diálogos entrecortados façam referências a sacolas e dinheiro.
Exemplo: "Estou mandando
aquele negócio que a gente combinou. A minha parte vai num envelope", diz Klinger Souza, apontado pela Promotoria como um
dos responsáveis pela cobrança
de propina, fato negado por ele.
"É em numerário?", questiona
Michel Mindrisz, secretário da
Saúde da cidade e ex-marido de
Ivone. "É", respondeu Souza.
Dirceu, segundo as degravações, também atuava por ocasião
das entrevistas à mídia. Ao ser
questionada por um assessor se
iria participar do programa de
Hebe Camargo, no SBT, Ivone
afirmou: "Estou aguardando
orientação de José Dirceu".
Ivone não participou do programa, apesar do apoio de Klinger.
"Estou aconselhando ela a ir", disse o vereador a um colega.
Maurício Mindrisz, irmão de
Michel e fundador do PT na cidade, elogia Ivone por sua entrevista
à Folha. "Foi ótima sua entrevista.
Essa linha está super legal, é a linha da dor de uma viúva."
Ao ser confrontado com a frase,
Mindrisz afirmou não se recordar
do diálogo. "Converso muito com
Ivone. Não me lembro, não."
Em diálogo com o ex-marido
Michel Mindrisz, secretário da
Saúde, a namorada de Daniel soube que o PT poderia deixar o caso
de lado "por conveniência".
"Pode ser que haja uma tendência de algumas pessoas no governo [segundo a conclusão oficial,
de políticos do PT] de deixar isso...", disse Michel. Ivone o interrompeu: "Isso oculto?". O secretário dizia que as investigações causavam desgastes e tensões dentro
do PT. "Mas isso aí chama conveniência... Não é conivência, mas é
conveniência", disse Ivone.
Colaboraram JULIA DUAILIBI, da Reportagem Local, e FLÁVIA MARREIRO, da
Redação
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