São Paulo, segunda-feira, 01 de novembro de 2004

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POR QUE GANHOU

Escaldado, desta vez Serra compôs e delegou


Assessores vêem o tucano mais descontraído em gravações de TV

Candidato buscou derrotados no partido para montar sua equipe



CATIA SEABRA
DA REPORTAGEM LOCAL

"Não sou eu que estou melhor na rua. A rua é que está melhor comigo", responde o tucano José Serra quando comparam sua performance à da disputa de 2002. Não é só. Serra -concluem seus mais assíduos interlocutores- também mudou. Tanto na relação política como na de marketing, ele transformou o fracasso de 2002 na vitória de hoje.
Na campanha, delegou. Em vez de buscar nomes de sua confiança, compôs politicamente seu comitê eleitoral. Para o comando, convidou um dos melhores amigos do governador Geraldo Alckmin, Luiz Henrique Lôbo. Na equipe, abrigou todos os pré-candidatos do partido e incluiu a estrutura do PSDB ao destacar o presidente municipal, Edson Aparecido, como um dos coordenadores. Serra superou até o passado de brigas com Clóvis Carvalho, ministro da Casa Civil no governo Fernando Henrique Cardoso. No Ministério, os dois trocaram dura correspondência.
Na campanha, Carvalho já era o coordenador do programa de governo antes mesmo de Serra se decidir pela disputa. Como José Aníbal teve que deixar a coordenação para concorrer à Câmara, Carvalho ficou. No dia da divulgação do resultado do primeiro turno -quando festejou "Agora, sim, sou o favorito"-, Serra chamou Carvalho para uma conversa na sua casa. Foi na saída do diretório do PSDB.
"Venha comigo. O PT vai dizer que não tenho programa. Mais do que nunca seu trabalho é fundamental", disse Serra, convidando Clóvis a entrar no carro.

Marketing
O tucanato aponta a equipe de marketing como um dos segredos do sucesso da campanha. A produção do programa não passou por crises como as protagonizadas por Duda Mendonça na campanha da adversária petista.
Com a afinidade construída nas campanhas de Mário Covas e de Geraldo Alckmin, a GW -que fez a de Serra ao Senado em 94- assumiu o marketing do tucano após longa negociação. Luiz Gonzalez e Woile Guimarães, as faces mais conhecidas da GW em São Paulo, sempre tiveram autonomia para produzir programas de rádio e TV do PSDB.
Não era a experiência anterior de Serra, que, reza a lenda, em 2002 chegava ao ponto de discutir e reescrever no varejo os textos do horário gratuito. Ao negociar com Serra, Gonzalez insistiu que fosse essa a base do relacionamento, inclusive para a formação da equipe. Foi a GW, por exemplo, que escolheu Antonio Prado para cuidar das pesquisas qualitativas da campanha. Prado, conhecido no mercado como Paeco, é considerado um dos melhores profissionais do país em sua área.
A alegada conversão de Serra ao estilo "paz e amor" parece ter funcionado também no relacionamento com os marqueteiros da campanha encerrada ontem.
Todos os relatos de quem o acompanhou no dia-a-dia da gravação dos programas e da preparação para os debates dão conta de um candidato mais solto e menos angustiado do que em suas campanhas anteriores.
É possível que a situação de líder tenha contribuído para esse clima mais ameno, mas quem conhece Serra há bastante tempo acredita também que ele "relaxou" porque, à diferença de experiências anteriores, desenvolveu confiança no trabalho que lhe foi apresentado pela GW.
A aliança foi tão bem-sucedida que na noite de sexta-feira, após o debate, Serra participou da festa de confraternização da produtora. Saiu de lá às 3h30m.

Ouvidos abertos
Serra também ouviu mais. No início do ano, mesmo de Paris, telefonava para amigos disposto a ouvir sua opinião. Uma das que mais pesaram foi a de Ruth Cardoso. Num seminário sobre educação em maio, ela chamou Serra para uma conversa e defendeu o lançamento de sua candidatura. Hesitante, Serra consultou amigos. FHC soube. E avisou a todos os pré-candidatos da disposição de Serra. Um a um, eles telefonaram para Serra abrindo mão de concorrer a seu favor. As condições para concorrer foram fechadas na noite de uma segunda-feira, na casa de FHC. Lá, Alckmin se comprometeu a apoiá-lo.
Resolvido o problema no partido, Serra decidiu procurar o PFL e o PMDB. Sem um deles, não teria tempo suficiente para concorrer. Mas, para evitar que a candidatura fosse caracterizada como de direita, buscou PSB e PPS. Por intermédio do ex-secretário Eduardo Jorge, tentou convencer Luiza Erundina a assumir sua vice. Sabendo das dificuldades de o PSDB nacional concordar, procurou o PPS. A convenção do PPS foi acompanhada com apreensão pelo candidato: "Se o João Herrmann vencer dentro do PPS, será língua de aluguel da Marta", disse ele ao presidente nacional do partido, Roberto Freire (PE).
Com o PFL na aliança, Serra teve que se render ao jogo político, aceitando Gilberto Kassab para a vice. Mas só depois de uma reunião com Kassab e o coordenador político da campanha, Aloysio Nunes Ferreira. Animado com a idéia de ter Lars Grael na chapa, Serra ficou contrariado ao saber pelos jornais da escolha de Kassab. O problema, reclamou ele, "não é nome. Mas a forma".
"Não é pelos jornais que vou conhecer meu vice", protestou.
Aloysio marcou, então, uma audiência, em que Kassab expôs seus pontos vulneráveis e argumentos a Serra. Ao longo da campanha, Serra elogiou a fidelidade de Kassab, "seu estilo Marco Maciel". Mas, na época, Serra até questionou o apoio de Alckmin. Segundo aliados, ele esperava que Alckmin evitasse a indicação.
O meio de comunicação do candidato também mudou. Serra, que telefonava para assessores no meio da madrugada, recorreu aos e-mails. Ele ficava acordado. Os integrantes da equipe, não. "Mas eles trabalham de madrugada também", dizia Serra, referindo-se à produção da campanha.
Tenso, o candidato acompanhava as etapas da produção, via fax ou e-mail. Não sossegou até as primeiras pesquisas de avaliação.

Colaborou RENATA LO PRETE, editora do "Painel"


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