São Paulo, segunda-feira, 01 de novembro de 2004

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HERANÇA

Dívida de R$ 27,6 bi é a grande preocupação


Cidade teria que destinar 25% do Orçamento para pagar juros

Dificuldades podem impedir fim das taxas criadas por Marta



ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL

Os primeiros obstáculos de José Serra (PSDB) à frente da Prefeitura de São Paulo se referem às finanças, tema que será um alvo inevitável de negociações logo nos primeiros meses de 2005 -e cujas soluções se tornam mais complicadas com a ênfase dada pelo tucano na campanha eleitoral contra as novas taxas do governo Marta Suplicy (PT), prometendo acabá-las ou revê-las.
O principal entrave é a dívida de R$ 27,6 bilhões da prefeitura, que equivale a 2,3 vezes as receitas anuais. Para não sofrer sanções previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal, como a proibição de contratar empréstimos, essa proporção deveria ser reduzida para 1,78 até maio do ano que vem.
Trata-se de uma meta considerada inviável por técnicos e políticos. Para atendê-la, a prefeitura teria que elevar de 13% para 25% a proporção de seu Orçamento reservada para pagar juros e encargos da dívida, reduzindo a zero os investimentos e cortando contratos de prestação de serviços.
O problema -também enfrentado por outros municípios e Estados que renegociaram seus débitos- provavelmente terá que ser resolvido em conversas com a União ou no Senado, que já chegou a postergar as primeiras sanções previstas da LRF.
Mas a questão das finanças não se limita à dívida de São Paulo. O problema se estende à previsão de gastos no Orçamento de 2005 -que foi enviado à Câmara conforme as prioridades de Marta Suplicy - e na qual Serra pretende fazer "uma revisão geral".
As duas alternativas para conseguir esse objetivo vão depender de discussões com os vereadores -não somente dos que assumem em 2005, mas também dos que estão hoje na Câmara Municipal.
A primeira delas seria usar a margem de remanejamento do Orçamento, que em 2004 foi de 15%, para mudar as prioridades e remanejar verba entre as áreas.
O relator da proposta, vereador Antonio Carlos Rodrigues (PL), já afirmou, porém, que pretende limitar esse índice a 1% dos R$ 15,2 bilhões previstos para 2005.
Serra também tem até 30 de março para optar pela segunda alternativa: um projeto de readequação do Orçamento. Mas esse texto precisa da aprovação de 28 dos 55 vereadores paulistanos.
A maioria na Câmara hoje é da base de Marta. Para 2005, a coligação que elegeu Serra (PSDB-PFL-PPS) somará 17 vereadores. Mas há outros partidos (como PV, que elegeu 3) que também devem integrar a base governista tucana.

Promessa de campanha
Ao buscar mudanças no Orçamento para 2005, Serra também deverá deparar com novas reduções de investimentos, até para minimizar um obstáculo que ele elegeu, durante a campanha, como uma de suas preocupações: as despesas da prefeitura em volume maior do que a arrecadação.
Em 2001, no primeiro ano da gestão Marta, houve superávit de R$ 983 milhões nas contas municipais. Em 2002 e 2003, os resultados foram negativos: déficit de R$ 302,6 milhões e de R$ 630,6 milhões, respectivamente. Neste ano, havia uma previsão de as despesas superarem a arrecadação em R$ 329,8 milhões, mas esse déficit deveria ser transformado em superávit com a ajuda de empréstimos nacionais e internacionais de R$ 678,5 milhões.
Se não conseguir conter essa situação no curto prazo, a questão da dívida, que já não é confortável, tende a se complicar. Para agravar, vale lembrar que a busca de soluções deverá ser pelo corte de gastos, e não pelo aumento da receita -exceto se Serra desconsiderar seu discurso na campanha, com críticas às taxas do PT.
A taxa do lixo (que ele prometeu acabar em 2006) e da iluminação (que ele prometeu rever) foram criadas na gestão petista no final de 2002. A da iluminação é fixa, de R$ 3,50. A outra, paga por cerca de 2 milhões de paulistanos, varia de R$ 6,67 a R$ 133,15.
Ao prometer acabar com a taxa do lixo, ainda que somente em 2006, Serra também reforçou um obstáculo que terá que ser resolvido ainda em 2005, abrangendo os contratos de limpeza urbana.
O tucano já havia dito que faria um estudo para rever a contratação das empresas para os serviços de coleta, concluída no mês passado, com "viés" para cancelá-la devido às denúncias de irregularidades. Essa promessa deve se tornar ainda mais urgente devido ao compromisso de acabar com a taxa do lixo no ano seguinte.
Isso porque a nova contratação, válida por 20 anos e prorrogável por igual período, amplia os gastos da prefeitura com esse serviço de R$ 350 milhões/anuais para R$ 500 milhões/anuais. A alegação de Marta é que essa alta se deve a investimentos, principalmente em dois novos aterros sanitários, para evitar "um apagão do lixo".
Essa diferença de R$ 150 milhões é suficiente para construir nove CEUs (Centros Educacionais Unificados) e seria coberta pela taxa do lixo (que, em 2004, arrecadaria R$ 185 milhões).
Sem a receita da taxa do lixo a partir de 2006, a elevação de gastos nesse serviço de limpeza urbana tende a ser inviável. Sem os novos contratos, a discussão sobre a urgência de novos investimentos em aterros sanitários voltará.
Os obstáculos no lixo se estendem ainda aos serviços de varrição -cuja licitação feita neste ano e cancelada no mês passado por Marta também foi alvo de acusações de irregularidades.
Depois de revogar a concorrência, cuja despesa ao município seria de R$ 1,4 bilhão em cinco anos, a prefeitura postergou os atuais contratos por seis meses, até abril de 2005, sem haver nova possibilidade de prorrogação. Ou seja, em menos de quatro meses, Serra terá que concluir uma nova licitação para os serviços -ou recorrer a contratos de emergência, alvo de crítica e desgaste político, já que são permitidos pela legislação só em situações excepcionais.

Tarifa de ônibus
A decisão de manter ou elevar a tarifa de ônibus também estará no centro das discussões logo no começo de 2005. A passagem atual, de R$ 1,70, está congelada desde janeiro de 2003. De lá para cá, não só a inflação, pelo IPCA, já ultrapassa 15% como houve a implantação do bilhete único, que tende a elevar os gastos do sistema.
A injeção de R$ 280 milhões em subsídios ao transporte foi suficiente em 2004 para manter a tarifa estabilizada. No ano que vem, entretanto, esse debate será reforçado -e provável alvo de desgaste político dos tucanos, já que Marta havia prometido deixá-la em R$ 1,70 caso fosse eleita.
A elevação dos custos do sistema de transporte tende a ser uma certeza não somente pela alta da inflação, mas porque os contratos com empresas de ônibus prevêem reajuste anual da remuneração.
Se preferir compensar essa situação com verba do Orçamento, além do engessamento em investimentos, esse impacto do congelamento da passagem recairia para 2006, ano de eleições estaduais e presidenciais. Se decidir deixar a alta dos custos nas costas dos operadores, as greves devem voltar.

Obras
A continuidade das principais bandeiras de campanha de Marta -como CEUs e corredores de ônibus Passa Rápido- e a promessa de terminar com as obras do Fura-Fila é outro obstáculo logo em 2005, não apenas por falta de dinheiro para investimentos como pelo desgaste político.
A campanha de Serra foi marcada pela falta de promessas objetivas, mas também pelas declarações insistentes de que ele não iria acabar com os maiores trunfos da petista, apenas melhorá-los.
Se não prosseguir com esses projetos, muitos dos quais tiveram a aprovação dos paulistanos, as críticas de falta de continuidade serão inevitáveis. Se decidir fazê-los, deve carregar uma crítica destacada por Marta na campanha: a de que as propostas do tucano eram somente prosseguir com os projetos da petista. A mesma acusação de que Lula é alvo até hoje na área econômica: a de que foi só uma continuidade de FHC.


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