São Paulo, sexta-feira, 01 de dezembro de 2006

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Dirceu se prepara para pedir anistia ao Congresso em 2007

Um ano após sua cassação pela Câmara, ex-ministro da Casa Civil se diz inocente

Petista apóia concessões ao setor privado para viabilizar crescimento, diz que sente falta de Brasília e trabalha cerca de 14 horas por dia


MALU DELGADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Um ano após ter o mandato cassado, impossibilitado de se candidatar a qualquer cargo eletivo até 2015, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu de Oliveira e Silva, 60, afirma, em entrevista à Folha, que sua vida profissional, pessoal e política está "organizada e serena".
A obsessão de Dirceu é recuperar a elegibilidade. Ele alega não ter condições de responder qual cargo disputaria caso consiga a anistia. Apenas nega pretensões de disputar a Presidência da República. Dirceu sinaliza que vai trabalhar para que seu pedido de anistia (uma emenda constitucional) seja encaminhado ao Congresso em 2007, por iniciativa da sociedade, como prevê a Constituição.
No escritório de sua consultoria, em São Paulo, onde falou por quase duas horas, Dirceu ostenta na parede fotografias ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Recordações do tempo em que era o homem forte da República.
Ele admite manter contato com o presidente, mas não freqüentes. Diz que trabalhou dia e noite para reelegê-lo -"tenho relações"-, e fez o mesmo para ajudar José Genoino e Antonio Palocci a reconquistarem cadeiras na Câmara.
Ácido em relação à política econômica, diz que "a diretoria do Banco Central" é altamente conservadora. Ele defendeu a redução do superávit para que os investimentos públicos cheguem a 3% do PIB. Leia a seguir trechos da entrevista.

 

FOLHA - O sr. está mesmo decidido a trabalhar pela anistia já em 2007? JOSÉ DIRCEU - Veja bem: meu principal foco agora é me defender no Supremo Tribunal Federal e provar a minha inocência. Eu quero ser processado e julgado o mais rápido possível. Sou contra que haja prescrição, impunidade. Eu não tenho medo, não temo a Justiça. Não vejo na denúncia do Procurador Geral da República, por mais que eu leia e releia, como eu possa ser condenado sem provas. Não pratiquei nenhum dos crimes que me foram atribuídos. A anistia é uma questão da Câmara e daqueles que estão dispostos a iniciar esse movimento e a sustentá-lo. No momento adequado. O correto seria fazer já no ano que vem, ainda que o ideal fosse fazê-lo depois que o Supremo tomasse uma decisão.

FOLHA - O julgamento no STF deve demorar.
DIRCEU -
Não acredito. No meu caso particular é muito mais simples. Eu não participei de nenhum dos atos. Eu não era dirigente do PT, eu não era parlamentar. Não era nem mais Ministro da Articulação Política. Estou muito tranqüilo e muito sereno. Estou com a minha vida familiar e profissional organizada. Faço política 24 horas por dia. Não vou deixar de fazer. Na vida, eu já passei por coisas piores do que essas.

FOLHA - O sr. está convicto de que será absolvido no STF?
DIRCEU -
Eu tenho convicção, mas isso é uma decisão dos 11 ministros do Supremo. Eles são independentes e eu confio na Justiça. Eu nunca contestei decisões do Supremo.

FOLHA - Do que o sr. sentiu mais falta fora de Brasília?
DIRCEU -
De Brasília. Eu gosto da cidade. Não [sinto falta] do governo. Tenho noção que do governo você participa num período determinado.

FOLHA - A que o sr. atribui a reeleição do presidente Lula?
DIRCEU -
Ao conjunto da obra. Não acho que foi por causa do Bolsa Família. Os indicadores econômicos do país são fantásticos. Isso não quer dizer que o Brasil não tenha problemas. Não acredito no desenvolvimento sem um papel importante do Estado. Tem que ser uma política que mude o atual modelo econômico. Eu tenho uma visão clara, como eu tenho da política de alianças. Não basta só a aliança dos partidos de esquerda com o PMDB. É preciso haver vontade política. Se o governo abaixa a taxa de juros, faz a reforma tributária, aí consolida essa aliança. A aliança não pode ser no papel.

FOLHA - Como o sr. vê a construção da atual coalizão, com o PMDB?
DIRCEU -
Está sendo bem conduzido pelo presidente e pelo ministro Tarso Genro. Vai haver uma mudança na direção do PMDB em março [de 2007]. Deve se eleger uma direção identificada com o apoio e a participação da coalizão.

FOLHA - O PIB no terceiro trimestre foi de 0,5%. Deve fechar o ano em menos de 3%. Ainda assim o sr. acredita em crescimento de 5%?
DIRCEU -
Claro que dá. O Brasil está modernizando suas ferrovias quase que de maneira silenciosa. E não pode resolver problemas de portos? O que precisa é decisão política, vontade política, e de quebrar a burocracia e os entraves.

FOLHA - E dá para crescer sem apoio da iniciativa privada?
DIRCEU -
Não, não, não. Não dá e não se deve. Seria um contra-senso. Se o governo tem a iniciativa privada querendo investir na infra-estrutura junto com o governo, o governo vai investir em saúde e educação.

FOLHA - E o slogan antiprivatizações adotado por Lula?
DIRCEU -
E com razão, contra a idéia de privatizar Petrobras, BB e Caixa Econômica. O Brasil é um dos únicos países da América Latina que tem os fundos de pensões, tem o FAT, tem os bancos públicos de fomento e desenvolvimento. O BNDES tem um programa maior que o Banco Mundial. Como é que você vai [privatizar]?

FOLHA - A campanha antiprivatização então é restrita? O resto pode [privatizar]? DIRCEU - Pode e deve.
FOLHA - O sr. disse que tem 40 anos de relações políticas. Isso é um facilitador para atrair clientes. Como é sua carteira de clientes?
DIRCEU - Têm empresas internacionais e brasileiras. É uma coisa modesta. O suficiente para pagar as despesas. Não tenho nenhum rendimento a mais. Eu não faço lobby nem intermediação. Analiso conjuntura, estratégias, dou pareceres, opinião sobre investimentos.

FOLHA - O sr. diz que não faz lobby. Mas tem informações privilegiadas.
DIRCEU -
Eu não fui ministro da Fazenda nem presidente do Banco Central, não sou presidente de banco. Eu faço o que todo mundo faz. Dou palestras, traço cenários. O presidente Fernando Henrique Cardoso pode e eu não? Eu obedeci ao que a lei manda. Faz um ano e meio que eu saí do governo. Não tenho nenhuma relação com o governo. Eu trabalho 12, 14 horas por dia. Eu leio tudo o que está acontecendo.

FOLHA - Como o PT, o sr. acha que o mensalão não existiu?
DIRCEU -
Não há nada que ligue dinheiro público com os recursos que o PT, no caso o ex-tesoureiro Delúbio Soares, teve acesso por meio de empréstimos em bancos -legais e não legais- e depois repassados a partidos ou parlamentares. Não há nada que prove que houve compra de votos.

FOLHA - E o caso dossiê, sua ligação com Jorge Lorenzetti?
DIRCEU -
Não tenho contato nenhum com nenhuma das pessoas que se envolveram nesse esquema. O advogado do Lorenzetti disse que ele ligou para o meu escritório. Em Brasília, eu conversei com ele durante 10, 20 minutos, sobre política.

FOLHA - O sr. se sentia de fato o segundo homem da República?
DIRCEU -
Nunca tive ilusão, nunca me senti o segundo homem da República. Nunca exerci o cargo de ministro-chefe da Casa Civil que não fosse sob as ordens do presidente.

FOLHA - A Casa Civil dá um poder natural? A ministra Dilma Rousseff é hoje o "braço-direito" de Lula.
DIRCEU -
É natural. A Casa Civil é como se fosse a secretaria executiva da Presidência. E a Dilma é competente, capaz, bem formada, experiente. O presidente está mais do que bem servido. Muito mais do que quando estava comigo. Ela é ótima. O presidente está bem servido com os ministros que estão no entorno dele. Isso de saiu José Dirceu, saiu Palocci, é bobagem. A vida continua, o PT tem quadros. Cada um tem seu estilo. Eu tinha uma legitimidade, uma autoridade, um acúmulo. A ministra Dilma não tem. Isso está na minha história. Ela revelou capacidade para assumir qualquer cargo.


Leia a íntegra da entrevista com Dirceu

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