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Dirceu se prepara para pedir anistia ao Congresso em 2007
Um ano após sua cassação pela Câmara, ex-ministro da Casa Civil se diz inocente
Petista apóia concessões ao setor privado para viabilizar crescimento, diz que sente falta de Brasília e trabalha cerca de 14 horas por dia
MALU DELGADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Um ano após ter o mandato
cassado, impossibilitado de se
candidatar a qualquer cargo
eletivo até 2015, o ex-ministro
da Casa Civil José Dirceu de
Oliveira e Silva, 60, afirma, em
entrevista à Folha, que sua vida profissional, pessoal e política está "organizada e serena".
A obsessão de Dirceu é recuperar a elegibilidade. Ele alega
não ter condições de responder
qual cargo disputaria caso consiga a anistia. Apenas nega pretensões de disputar a Presidência da República. Dirceu sinaliza que vai trabalhar para que
seu pedido de anistia (uma
emenda constitucional) seja
encaminhado ao Congresso em
2007, por iniciativa da sociedade, como prevê a Constituição.
No escritório de sua consultoria, em São Paulo, onde falou
por quase duas horas, Dirceu
ostenta na parede fotografias
ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Recordações
do tempo em que era o homem
forte da República.
Ele admite manter contato
com o presidente, mas não freqüentes. Diz que trabalhou dia
e noite para reelegê-lo -"tenho relações"-, e fez o mesmo
para ajudar José Genoino e Antonio Palocci a reconquistarem
cadeiras na Câmara.
Ácido em relação à política
econômica, diz que "a diretoria
do Banco Central" é altamente
conservadora. Ele defendeu a
redução do superávit para que
os investimentos públicos cheguem a 3% do PIB. Leia a seguir trechos da entrevista.
FOLHA - O sr. está mesmo decidido
a trabalhar pela anistia já em 2007?
JOSÉ DIRCEU - Veja bem: meu
principal foco agora é me defender no Supremo Tribunal
Federal e provar a minha inocência. Eu quero ser processado e julgado o mais rápido possível. Sou contra que haja prescrição, impunidade. Eu não tenho medo, não temo a Justiça.
Não vejo na denúncia do Procurador Geral da República,
por mais que eu leia e releia, como eu possa ser condenado
sem provas. Não pratiquei nenhum dos crimes que me foram
atribuídos. A anistia é uma
questão da Câmara e daqueles
que estão dispostos a iniciar esse movimento e a sustentá-lo.
No momento adequado. O correto seria fazer já no ano que
vem, ainda que o ideal fosse fazê-lo depois que o Supremo tomasse uma decisão.
FOLHA - O julgamento no STF deve
demorar.
DIRCEU - Não acredito. No meu
caso particular é muito mais
simples. Eu não participei de
nenhum dos atos. Eu não era
dirigente do PT, eu não era parlamentar. Não era nem mais
Ministro da Articulação Política. Estou muito tranqüilo e
muito sereno. Estou com a minha vida familiar e profissional
organizada. Faço política 24
horas por dia. Não vou deixar
de fazer. Na vida, eu já passei
por coisas piores do que essas.
FOLHA - O sr. está convicto de que
será absolvido no STF?
DIRCEU - Eu tenho convicção,
mas isso é uma decisão dos 11
ministros do Supremo. Eles são
independentes e eu confio na
Justiça. Eu nunca contestei decisões do Supremo.
FOLHA - Do que o sr. sentiu mais
falta fora de Brasília?
DIRCEU - De Brasília. Eu gosto
da cidade. Não [sinto falta] do
governo. Tenho noção que do
governo você participa num período determinado.
FOLHA - A que o sr. atribui a reeleição do presidente Lula?
DIRCEU - Ao conjunto da obra.
Não acho que foi por causa do
Bolsa Família. Os indicadores
econômicos do país são fantásticos. Isso não quer dizer que o
Brasil não tenha problemas.
Não acredito no desenvolvimento sem um papel importante do Estado. Tem que ser
uma política que mude o atual
modelo econômico. Eu tenho
uma visão clara, como eu tenho
da política de alianças. Não basta só a aliança dos partidos de
esquerda com o PMDB. É preciso haver vontade política. Se o
governo abaixa a taxa de juros,
faz a reforma tributária, aí consolida essa aliança. A aliança
não pode ser no papel.
FOLHA - Como o sr. vê a construção
da atual coalizão, com o PMDB?
DIRCEU - Está sendo bem conduzido pelo presidente e pelo
ministro Tarso Genro. Vai haver uma mudança na direção
do PMDB em março [de 2007].
Deve se eleger uma direção
identificada com o apoio e a
participação da coalizão.
FOLHA - O PIB no terceiro trimestre
foi de 0,5%. Deve fechar o ano em
menos de 3%. Ainda assim o sr. acredita em crescimento de 5%?
DIRCEU - Claro que dá. O Brasil
está modernizando suas ferrovias quase que de maneira silenciosa. E não pode resolver
problemas de portos? O que
precisa é decisão política, vontade política, e de quebrar a burocracia e os entraves.
FOLHA - E dá para crescer sem
apoio da iniciativa privada?
DIRCEU - Não, não, não. Não dá
e não se deve. Seria um contra-senso. Se o governo tem a iniciativa privada querendo investir na infra-estrutura junto
com o governo, o governo vai
investir em saúde e educação.
FOLHA - E o slogan antiprivatizações adotado por Lula?
DIRCEU - E com razão, contra a
idéia de privatizar Petrobras,
BB e Caixa Econômica. O Brasil
é um dos únicos países da América Latina que tem os fundos
de pensões, tem o FAT, tem os
bancos públicos de fomento e
desenvolvimento. O BNDES
tem um programa maior que o
Banco Mundial. Como é que
você vai [privatizar]?
FOLHA - A campanha antiprivatização então é restrita? O resto pode
[privatizar]?
DIRCEU - Pode e deve.
FOLHA - O sr. disse que tem 40
anos de relações políticas. Isso é um
facilitador para atrair clientes. Como
é sua carteira de clientes?
DIRCEU - Têm empresas internacionais e brasileiras. É uma
coisa modesta. O suficiente para pagar as despesas. Não tenho
nenhum rendimento a mais.
Eu não faço lobby nem intermediação. Analiso conjuntura,
estratégias, dou pareceres, opinião sobre investimentos.
FOLHA - O sr. diz que não faz lobby.
Mas tem informações privilegiadas.
DIRCEU - Eu não fui ministro da
Fazenda nem presidente do
Banco Central, não sou presidente de banco. Eu faço o que
todo mundo faz. Dou palestras,
traço cenários. O presidente
Fernando Henrique Cardoso
pode e eu não? Eu obedeci ao
que a lei manda. Faz um ano e
meio que eu saí do governo.
Não tenho nenhuma relação
com o governo. Eu trabalho 12,
14 horas por dia. Eu leio tudo o
que está acontecendo.
FOLHA - Como o PT, o sr. acha que o
mensalão não existiu?
DIRCEU - Não há nada que ligue
dinheiro público com os recursos que o PT, no caso o ex-tesoureiro Delúbio Soares, teve
acesso por meio de empréstimos em bancos -legais e não
legais- e depois repassados a
partidos ou parlamentares.
Não há nada que prove que
houve compra de votos.
FOLHA - E o caso dossiê, sua ligação
com Jorge Lorenzetti?
DIRCEU - Não tenho contato nenhum com nenhuma das pessoas que se envolveram nesse
esquema. O advogado do Lorenzetti disse que ele ligou para
o meu escritório. Em Brasília,
eu conversei com ele durante
10, 20 minutos, sobre política.
FOLHA - O sr. se sentia de fato o segundo homem da República?
DIRCEU - Nunca tive ilusão,
nunca me senti o segundo homem da República. Nunca
exerci o cargo de ministro-chefe da Casa Civil que não fosse
sob as ordens do presidente.
FOLHA - A Casa Civil dá um poder
natural? A ministra Dilma Rousseff é
hoje o "braço-direito" de Lula.
DIRCEU - É natural. A Casa Civil
é como se fosse a secretaria
executiva da Presidência. E a
Dilma é competente, capaz,
bem formada, experiente. O
presidente está mais do que
bem servido. Muito mais do
que quando estava comigo. Ela
é ótima. O presidente está bem
servido com os ministros que
estão no entorno dele. Isso de
saiu José Dirceu, saiu Palocci, é
bobagem. A vida continua, o PT
tem quadros. Cada um tem seu
estilo. Eu tinha uma legitimidade, uma autoridade, um acúmulo. A ministra Dilma não
tem. Isso está na minha história. Ela revelou capacidade para assumir qualquer cargo.
Leia a íntegra da entrevista com Dirceu
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