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ENTREVISTA DA 2ª
GABRIEL PALMA
Especialista em desindustrialização, professor de Cambridge considera política econômica "histérica" e "suicida"
Juros altos e câmbio destroem indústria, afirma economista
FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL
O economista Gabriel Palma,
professor de economia da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, qualifica como "histérica" a política econômica do governo Lula e afirma que mesmo a
atual fase de fraco crescimento do
país não é sustentável.
"O crescimento brasileiro não é
somente pequeno, mas basicamente influenciado por aspectos
transitórios", diz.
Estudioso dos processos de desindustrialização em países em
desenvolvimento, Palma afirma
que a indústria brasileira está sendo "destruída" por uma política
monetária "suicida".
"No final dos anos 70, um terço
do PIB brasileiro vinha da indústria manufatureira. Hoje, não chega aos 20%. Isso é um massacre,
não tem outro nome, pois é exatamente essa indústria que poderia
dar sustentabilidade a um crescimento de longo prazo", diz.
Palma critica a manutenção da
dos juros básicos da economia em
patamares próximos a 20% e afirma que 10% teriam o mesmo efeito. O resultado das altas taxas é o
comprometimento de valor equivalente a 8% do PIB com o pagamento da dívida interna.
Na opinião de Palma, "nada"
poderá ser feito no Brasil sem "algum tipo de ajuste" nesse endividamento. O economista propõe a
conversão da dívida interna pública em títulos que sejam negociados no mercado -que atribuiria aos papéis um "valor real".
Outro caminho apontado por
Palma é a venda de grandes ativos
estatais, como Itaipu e Petrobras,
e a utilização dos recursos arrecadados exclusivamente no pagamento da dívida interna.
O professor de Cambridge, que
deu aula para o secretário-executivo do Ministério da Fazenda,
Murilo Portugal, afirma que a
atual equipe econômica tem
"aversão enorme a riscos e um
abandono absoluto de tudo o que
tenha a ver com políticas de crescimento".
Leia entrevista telefônica de Palma à Folha, do Chile, onde nasceu
e está passando férias:
Folha - Na comparação com outros mercados emergentes, o Brasil
tem apresentado taxas de crescimento muito menores, mesmo
diante da Argentina e Venezuela. O
que o país poderia estar fazendo de
diferente ainda que mantendo o
compromisso do ajuste fiscal?
Gabriel Palma - O pouco crescimento que o Brasil está experimentando nesse momento é basicamente produto do atual boom
dos preços de matérias-primas.
O mais provável é que esse seja
um processo transitório, que volte a níveis normais rapidamente.
Portanto, o crescimento do Brasil
não é somente pequeno, mas basicamente influenciado
por aspectos transitórios. Não é um
crescimento sustentável.
Há uma grande
diferença entre o
que o Brasil vem fazendo e o que fizeram as economias
asiáticas durante a
sua integração na
globalização.
O básico é que há
no Brasil uma dissociação entre o
que se entende por
política econômica
para equilíbrio macroeconômico e
políticas para o
crescimento.
Um exemplo: nenhum país do sudeste asiático permitiria que o real se
valorizasse tanto quanto se valorizou no Brasil. Isso não existe.
Nenhum país teria as taxas de
juros que tem o Brasil e nenhum
país falaria o que o (ministro da
Fazenda Antonio) Palocci vem
defendendo, um corte unilateral
das tarifas de importação.
No sudeste asiático, nenhuma
política econômica se concentra
apenas no equilíbrio fiscal ou na
balança de pagamentos. Tudo é
balizado desde o prisma do crescimento.
O governo brasileiro abandonou esta visão ao adotar o projeto
básico do "consenso de Washington", que é manter todas as contas
equilibradas e deixar a economia
no piloto automático.
Não é que o Brasil tenha se esquecido do crescimento, mas
pensa que ele nasce de forma relativamente espontânea quando se
tem equilíbrio fiscal, monetário e
na balança de pagamentos. Nenhum país do mundo cresceu
dessa forma.
Folha - No caso
brasileiro, há uma
espécie de obsessão
da atual equipe econômica com metas
muito apertadas de
inflação, fruto de um
histórico de quase
hiperinflação que de
fato dominou o país.
É uma preocupação
exagerada?
Palma - O que
acontece com a
equipe econômica
no Brasil é muito
comum também
em vários países:
sempre estão lutando a batalha de ontem. Em vez de
olharem para a
frente, olha-se para
trás. Se formos falar
em pressões inflacionárias, estamos
falando de 5% (ao
ano), 8% ou no máximo 10%. O perigo
de uma hiperinflação é baixíssimo ou inexistente.
No entanto, a política monetária é de pânico diante de qualquer
pressão inflacionária, por mais
pequena que seja.
Isso é típico de governos de esquerda, que entram em pânico
diante de qualquer sintoma de
crise econômica. É uma obsessão
por evitar qualquer coisa que possa ser o indício de uma crise.
A sensação que tenho é a mesma no caso brasileiro, onde o governo quer ser encarado como sério, eficiente e pragmático. Mas a
forma de entender isso é que acabam se tornando mais santos que
o próprio papa.
No governo Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, a política de Armínio Fraga (ex-presidente do Banco Central) era muito mais relaxada que a atual. O BC
atual deu um grande passo atrás
em relação à maneira como Fraga
operava.
Encaro o problema das taxas de
juro de modo muito simples : a
mágica do Alan
Greenspan (presidente do BC americano) foi convencer
o mercado de que a
única coisa que importa na política
monetária é se as
taxas de juro vão
subir ou cair. Se vão
subir de 3% para
4%.
A questão é a
mesma no caso do
Brasil, mas o país ficou estagnado em
uma taxa ao redor
de 20%.
No passado recente, a cada crise
externa não a aumentava em 5, mas
em 20 pontos percentuais de uma
vez. Isso é uma loucura, pois o mercado se acostumou
que a cada problema a taxa deve subir no mínimo muitos pontos. Isso é uma política monetária histérica, absolutamente desnecessária.
Folha - Como o sr. vê as opiniões
de alguns que afirmam que a taxa
real de juros no Brasil nunca poderá ser baixa em função do alto endividamento interno?
Palma - Nunca ninguém conseguiu me explicar a razão pela qual
o Brasil deve ter um tipo de política monetária que não encontramos em nenhum outro lugar do
mundo.
Ficou consolidada uma opinião
de que a taxa deve se mover ao redor dos 20% ao ano quando teria
o mesmo efeito se estivesse ao redor dos 10%.
Isso é absolutamente suicida,
pois significa que o Brasil queima
8% de seu PIB (Produto Interno
Bruto) para remunerar a sua dívida interna.
A dívida interna do Brasil em
relação ao PIB (hoje na faixa de
52%) não é certamente maior que
a em vários países desenvolvidos
e outros em desenvolvimento. Isso
não justifica as taxas de juro praticadas no Brasil.
Folha - Nesse quadro, como o sr. vê
também a falta de
uma política industrial abrangente no
país?
Palma - Antes de
falar em política industrial, creio que
as políticas monetária e cambial estão
destruindo a indústria brasileira. O
pior é que essa mudança cambial é
temporária, e o país
acaba forçando toda a sua economia a
se ajustar a algo
passageiro.
No final dos anos
70, um terço do PIB
brasileiro vinha da
indústria manufatureira. Hoje, não chega aos 20%.
Isso é um massacre, não tem outro nome, pois é exatamente essa
indústria que poderia dar sustentabilidade a um crescimento de
longo prazo.
Folha - O sr. acredita que o atual
governo, mesmo que tardiamente,
está enxergando isso e tenta agora
correr atrás do prejuízo? As recentes intervenções do BC no câmbio e
o processo de redução de juros não
vão nesse caminho?
Palma - Claro que qualquer movimento nessa direção é positivo,
mas tudo é demasiado tímido e
lento. Qualquer taxa de câmbio
abaixo de R$ 3 por dólar é absurda, assim como também é absurda qualquer taxa de juro maior do
que 10%. Há muito caminho pela
frente para se chegar a isso.
O Brasil também precisa entender que a economia internacional
está muito instável.
Não é pouco provável que o dólar tenha um problema sério no
curto prazo, por conta dos déficits
comercial e fiscal dos Estados
Unidos. Nesse cenário, uma economia tão aberta financeiramente como a brasileira é
ainda muito vulnerável.
Folha - O sr. tem
familiaridade com o
político José Serra?
Palma - Muita. Eu
o conheço muito
bem.
Folha - O sr. acredita que, na Presidência, Serra mudaria radicalmente a
atual política?
Palma - Creio que
José Serra seja um
dos poucos economistas brasileiros
que nunca se deslumbraram com o
neoliberalismo.
É um dos poucos
economistas que
têm os pés no chão
e que entendem o
papel da indústria manufatureira
em políticas de crescimento sustentável. Nesse sentido, creio que
se ele vier a ser presidente, a política não será tão ortodoxa.
O problema é que qualquer presidente terá de governar com partidos políticos diversos.
O drama brasileiro é que vocês
nunca conseguiram fazer uma
grande coalizão política unindo
PT e PSDB.
Folha - Como o sr. avalia a capacidade da atual equipe econômica?
Palma - Ela tem uma aversão a
riscos que eu qualificaria como
quase neurótica. Conheço muita
gente da atual equipe, inclusive o
Murilo Portugal (secretário-executivo do Ministério da Fazenda),
que foi meu aluno em Cambridge.
Todos têm uma aversão enorme a
riscos e um abandono absoluto de
tudo o que tenha a ver com políticas de crescimento.
Essa obsessão pelo equilíbrio
fiscal e a política monetária vão
continuar forçando o Brasil a seguir por esse caminho de crescimento medíocre,
com a destruição de
sua indústria.
Além do mais,
não há nada que
possa ser feito com
o Brasil sem algum
tipo de ajuste em
sua dívida interna.
Folha - O sr. é a favor do calote?
Palma - No caso
da dívida interna isso é politicamente
muito mais difícil,
pois trata-se do dinheiro da classe
média.
Eu sugeriria duas
coisas: a conversão
da dívida interna
pública em títulos
que flutuassem no
mercado, para que
esse mercado lhe
atribuísse um valor
real. Um valor real
para algo que pudesse de fato ser pago, porque a atual dívida é uma
mentira, posto que é impagável.
A outra coisa é que o Brasil ainda tem ativos muito grandes, como a Petrobras ou Itaipu, por
exemplo, que poderiam ser vendidos para o abatimento dessa dívida interna.
Mas que os recursos fossem
usados exclusivamente para isso e
levando em conta um valor real
para a atual dívida.
É fácil dizer, mas sem uma grande coalizão política, isso é impossível de ser feito.
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