São Paulo, sábado, 2 de janeiro de 1999

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SEGUNDO MANDATO
Presidente afirma que foi eleito para superar dificuldades e que precisará usar "remédio amargo"
Na posse, FHC diz não ser "gerente de crise"

ELIANE CANTANHÊDE
diretora da Sucursal de Brasília

FERNANDO RODRIGUES
da Sucursal de Brasília

O presidente Fernando Henrique Cardoso, 67, assumiu ontem o seu segundo mandato com um discurso morno em que fez poucas promessas e avisou: "Não fui eleito para ser o gerente da crise. Fui escolhido pelo povo para superá-la".
Diante de uma platéia também morna e de vários lugares vazios no plenário da Câmara, ele disse que foi eleito para construir uma "democracia estável, moderna e competitiva", mas sinalizou que para combater a crise serão necessárias medidas duras.
"É melhor o remédio amargo, que cura a doença, do que a febre crônica que debilita as forças e compromete a saúde do organismo", disse FHC, em tom pausado, sem emoção.
Antes disse que "resta muito por fazer" e prometeu acabar com o desequilíbrio das contas públicas: "Não hesitarei em fazer o que for preciso para pôr fim ao tormento do déficit público".
O presidente voltou a apontar o déficit público, durante seu discurso de posse, como uma das "vulnerabilidades" de seu governo.
Segundo ele, o país conseguirá se livrar da "armadilha dos juros altos" apenas quando for feito o ajuste fiscal.
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Interdependência
FHC, entretanto, disse que o aumento da interdependência internacional faz com que o país seja afetado "por eventos originados em outras regiões do mundo".
E completou: "Os problemas dos outros tornam-se também nossos. Da mesma forma, nossos problemas passam a afetar mais diretamente outros países".
O presidente referia-se às crises financeiras da Ásia e da Rússia, usadas pelo governo brasileiro como justificativa para dobrar as taxas de juros.
Para FHC, o Brasil tem que continuar a "falar com firmeza" no cenário internacional para defender seus interesses.
Acrescentou, como vem fazendo desde 1995, que o Brasil "continuará a desempenhar papel ativo na revisão da arquitetura do sistema financeiro internacional".
Sem especificar mecanismos, ele disse que as aplicações especulativas não podem mais ser aceitas sem qualquer supervisão ou ordenamento.
Na sua opinião, essas aplicações desarticulam o processo produtivo e constituem uma ameaça recorrente às economias nacionais.
O Brasil, que tinha reservas internacionais no patamar de US$ 70 bilhões há seis meses, hoje conta com cerca de US$ 37 bilhões.
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Oposição
Depois de conversar pelo menos três vezes com o principal líder de oposição, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), inclusive na véspera da posse, FHC dedicou três parágrafos à oposição no seu discurso (leia a íntegra na pág. 1-9).
Ao defender a alternância no poder como parte do processo democrático, ele acenou até com a possibilidade de mudanças nas políticas de seu governo.
"Estou pronto a discutir e a retificar o rumo, sempre que me convençam de que a alternativa é melhor para o país", disse.
Em outra parte do discurso, mais adiante, ele foi mais reticente quanto à possibilidade de mudanças: "O rumo está certo. As políticas são coerentes. Já começam a dar resultados. Serão reforçadas. Retificadas quando necessário".
Ao manifestar alegria pela abertura do diálogo com a oposição -que não existiu durante praticamente todo o primeiro mandato-, ele destacou que há "temas e ações que estão acima das diferenças partidárias".
FHC, porém, compensou essa parte do discurso com um agrado à sua base aliada: "O fundamental nas democracias, entretanto, é o apoio da maioria. Este apoio, recebi nas urnas pelo voto popular e dos partidos".
Como faz insistentemente desde a posse de 95, FHC enfatizou a necessidade de conclusão das reformas que estão em votação no Congresso. Apesar de falar na maioria, ela nem sempre lhe garante aprovação dessas propostas.
As reformas que o presidente destacou no discurso foram: previdenciária, administrativa, tributária, política e judiciária.
No único momento em que foi aplaudido no meio do discurso, FHC fez um elogio ao "inesquecível amigo" Luís Eduardo Magalhães, deputado morto em abril.
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Desemprego
"Preocupa-me o desemprego", disse o presidente, admitindo que o nível de emprego deve recuar neste início de governo, como previsto por diferentes institutos.
Ele, entretanto, fez duas ressalvas. A de que essa é uma tendência que se repete no começo de cada ano e a de que o desemprego será "passageiro".
Prometeu concentrar os esforços dos ministros em projetos que abram novas oportunidades de trabalho e de renda, "especialmente para os jovens".
Acenou também com abertura de crédito para pequenas empresas e programas de qualificação de trabalhadores e de assistência aos desempregados.
Além de Luís Eduardo Magalhães, FHC citou três outros personagens já mortos: o político, intelectual e diplomata Joaquim Nabuco (1849-1910), o escritor e também político e diplomata Gilberto Amado (1887-1969) e o seu amigo pessoal e ministro das Comunicações Sérgio Motta (1940-1998).
De Nabuco, citou uma frase que, segundo o presidente, expressa seu sentimento diante "desta conjuntura desfavorável": "A vida não é senão a posse do futuro pela confiança e, em política, pela certeza do triunfo interrompido". Para FHC, interrompido apenas "momentaneamente".
Usou Amado para dizer que a esperança do povo é como a do semeador: "Ao lançar a semente sem ver crescer a planta no solo árido, o braço do semeador se fatiga". Com Sérgio Motta, encerrou o discurso, lembrando uma frase que o ministro das Comunicações dirigiu a ele já no hospital, antes de morrer, em abril passado: "Não se apequene. Cumpra seu destino histórico. Coordene as transformações do país", escreveu-lhe Motta.
"Assim farei", respondeu FHC ontem, como primeiro presidente brasileiro a assumir um segundo mandato simultâneo e conquistado por voto direto.



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