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SEGUNDO MANDATO
Presidente afirma que foi eleito para superar dificuldades e que precisará usar "remédio amargo"
Na posse, FHC diz não ser "gerente de crise"
ELIANE CANTANHÊDE
diretora da Sucursal de Brasília
FERNANDO RODRIGUES
da Sucursal de Brasília
O presidente Fernando Henrique
Cardoso, 67, assumiu ontem o seu
segundo mandato com um discurso morno em que fez poucas promessas e avisou: "Não fui eleito para ser o gerente da crise. Fui escolhido pelo povo para superá-la".
Diante de uma platéia também
morna e de vários lugares vazios
no plenário da Câmara, ele disse
que foi eleito para construir uma
"democracia estável, moderna e
competitiva", mas sinalizou que
para combater a crise serão necessárias medidas duras.
"É melhor o remédio amargo,
que cura a doença, do que a febre
crônica que debilita as forças e
compromete a saúde do organismo", disse FHC, em tom pausado,
sem emoção.
Antes disse que "resta muito por
fazer" e prometeu acabar com o
desequilíbrio das contas públicas:
"Não hesitarei em fazer o que for
preciso para pôr fim ao tormento
do déficit público".
O presidente voltou a apontar o
déficit público, durante seu discurso de posse, como uma das "vulnerabilidades" de seu governo.
Segundo ele, o país conseguirá se
livrar da "armadilha dos juros altos" apenas quando for feito o
ajuste fiscal.
˛
Interdependência
FHC, entretanto, disse que o aumento da interdependência internacional faz com que o país seja
afetado "por eventos originados
em outras regiões do mundo".
E completou: "Os problemas dos
outros tornam-se também nossos.
Da mesma forma, nossos problemas passam a afetar mais diretamente outros países".
O presidente referia-se às crises
financeiras da Ásia e da Rússia,
usadas pelo governo brasileiro como justificativa para dobrar as taxas de juros.
Para FHC, o Brasil tem que continuar a "falar com firmeza" no cenário internacional para defender
seus interesses.
Acrescentou, como vem fazendo
desde 1995, que o Brasil "continuará a desempenhar papel ativo na
revisão da arquitetura do sistema
financeiro internacional".
Sem especificar mecanismos, ele
disse que as aplicações especulativas não podem mais ser aceitas
sem qualquer supervisão ou ordenamento.
Na sua opinião, essas aplicações
desarticulam o processo produtivo
e constituem uma ameaça recorrente às economias nacionais.
O Brasil, que tinha reservas internacionais no patamar de US$ 70
bilhões há seis meses, hoje conta
com cerca de US$ 37 bilhões.
˛
Oposição
Depois de conversar pelo menos
três vezes com o principal líder de
oposição, Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), inclusive na véspera da posse, FHC dedicou três parágrafos à
oposição no seu discurso (leia a íntegra na pág. 1-9).
Ao defender a alternância no poder como parte do processo democrático, ele acenou até com a possibilidade de mudanças nas políticas
de seu governo.
"Estou pronto a discutir e a retificar o rumo, sempre que me convençam de que a alternativa é melhor para o país", disse.
Em outra parte do discurso, mais
adiante, ele foi mais reticente
quanto à possibilidade de mudanças: "O rumo está certo. As
políticas são coerentes. Já começam a dar resultados. Serão reforçadas. Retificadas quando necessário".
Ao manifestar alegria pela abertura do diálogo com a oposição
-que não existiu durante praticamente todo o primeiro mandato-, ele destacou que há "temas e
ações que estão acima das diferenças partidárias".
FHC, porém, compensou essa
parte do discurso com um agrado
à sua base aliada: "O fundamental
nas democracias, entretanto, é o
apoio da maioria. Este apoio, recebi nas urnas pelo voto popular e
dos partidos".
Como faz insistentemente desde a posse de 95, FHC enfatizou a
necessidade de conclusão das reformas que estão em votação no
Congresso. Apesar de falar na
maioria, ela nem sempre lhe garante aprovação dessas propostas.
As reformas que o presidente
destacou no discurso foram: previdenciária, administrativa, tributária, política e judiciária.
No único momento em que foi
aplaudido no meio do discurso,
FHC fez um elogio ao "inesquecível amigo" Luís Eduardo Magalhães, deputado morto em abril.
˛
Desemprego
"Preocupa-me o desemprego",
disse o presidente, admitindo que
o nível de emprego deve recuar
neste início de governo, como
previsto por diferentes institutos.
Ele, entretanto, fez duas ressalvas. A de que essa é uma tendência que se repete no começo de cada ano e a de que o desemprego
será "passageiro".
Prometeu concentrar os esforços dos ministros em projetos que
abram novas oportunidades de
trabalho e de renda, "especialmente para os jovens".
Acenou também com abertura
de crédito para pequenas empresas e programas de qualificação
de trabalhadores e de assistência
aos desempregados.
Além de Luís Eduardo Magalhães, FHC citou três outros personagens já mortos: o político, intelectual e diplomata Joaquim
Nabuco (1849-1910), o escritor e
também político e diplomata Gilberto Amado (1887-1969) e o seu
amigo pessoal e ministro das Comunicações Sérgio Motta (1940-1998).
De Nabuco, citou uma frase que,
segundo o presidente, expressa
seu sentimento diante "desta conjuntura desfavorável": "A vida
não é senão a posse do futuro pela
confiança e, em política, pela certeza do triunfo interrompido".
Para FHC, interrompido apenas
"momentaneamente".
Usou Amado para dizer que a
esperança do povo é como a do
semeador: "Ao lançar a semente
sem ver crescer a planta no solo
árido, o braço do semeador se fatiga". Com Sérgio Motta, encerrou o discurso, lembrando uma
frase que o ministro das Comunicações dirigiu a ele já no hospital,
antes de morrer, em abril passado: "Não se apequene. Cumpra
seu destino histórico. Coordene
as transformações do país", escreveu-lhe Motta.
"Assim farei", respondeu FHC
ontem, como primeiro presidente
brasileiro a assumir um segundo
mandato simultâneo e conquistado por voto direto.
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