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ENTREVISTA DA 2ª
FRANÇOISE COLLIN
Para escritora belga, oposição não é mais direta, porém tenta desmoralizar protagonistas do movimento
Antifeminismo hoje é sutil, mas persiste, afirma filósofa
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
Para a escritora e filósofa belga
Françoise Collin, uma das mais
importantes feministas do mundo, apesar das conquistas femininas desde a década de 60, persiste
um discurso contra o feminismo.
Ela explica que a oposição não é
mais direta e frontal, a ponto de
negar o direito à igualdade, mas
que há um discurso sutil, que tenta desmoralizar o movimento
classificando suas protagonistas
como puritanas ou moralistas.
Ela esteve no Brasil na primeira
quinzena de abril e falou sobre o
tema no seminário "30 Anos de
Feminismo no Brasil", organizado pela Articulação de Mulheres
Brasileiras e pelo Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos.
Collin participou da fundação
de uma das mais importantes publicações feministas do mundo, o
"Cahiers du Grif" (Cadernos do
Grupo de Pesquisa e Informação
Feminista). Ela é autora também
de vários livros sobre o tema. O
mais recente é "Parcours Féministe" (Caminhos Feministas),
sem tradução no Brasil.
Em sua conferência, Collin lembrou que o feminismo cresceu em
todo o mundo sem nunca ter tido
uma única doutrina fixa e sem a
pretensão, que existiu em outros
movimentos revolucionários, de
resolver todos os problemas da
sociedade a partir de uma única
causa. Leia trechos de sua entrevista à Folha:
Folha - Ao menos nas democracias ocidentais, é difícil encontrar
alguém que seja contra bandeiras
feministas como a igualdade entre
os sexos. Quem é contra o feminismo hoje?
Françoise Collin - Falarei principalmente da experiência francesa,
a que conheço mais. Realmente,
ninguém é contra o discurso da
igualdade, porque isso faz parte
da formação da sociedade republicana. Não há mais uma oposição frontal ao feminismo, mas há
gestos que, de forma direta ou indireta, tentam desacreditar o movimento. Há uma certa hipocrisia,
uma certa linguagem dúbia que é
utilizada para dar descrédito ao
feminismo.
Obviamente, quase ninguém
mais diz que as mulheres são inferiores ou coisa parecida. Isso seria
muito simples, mas há uma estratégia, que eu não diria que é premeditada, de ridicularizar as feministas, dizendo que elas são
moralistas, puritanas, que exageram ao criticar uma publicidade
que consideram ultrajante.
Não se critica diretamente os
ideais feministas, mas há uma
tentativa de ridicularizar seus atores. Isso é uma maneira de reduzir
o movimento.
Não se critica diretamente os ideais feministas, mas há uma tentativa de ridicularizar seus atores
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Folha - A senhora leu as declarações do presidente da Universidade Harvard, Lawrence Summers,
que sugeriu que diferenças biológicas inatas entre homens e mulheres poderiam explicar a existência
de um número menor de pesquisadoras nas ciências exatas?
Collin - Ele disse isso?
Folha - Disse.
Collin - É um comentário estúpido. Isso me lembra de um comentário de um jornalista que disse
que o nível das universidades
francesas tinha caído por causa
do número grande de mulheres
que estavam estudando.
Ele foi processado e, no processo, várias mulheres levaram livros
de sua autoria para a mesa do juiz.
Elas encheram a mesa com livros
e ganharam o processo.
Folha - No entanto, testes oficiais
aplicados em estudantes no Brasil
e em outros países do mundo mostram que meninos têm, em média,
melhor desempenho em matemática, enquanto meninas têm notas
melhores em português ou em sua
língua materna. Negar essas diferenças não prejudica o entendimento dessa questão?
Collin - Mesmo se essas estatísticas que você citou forem realmente corretas, elas têm que ser
analisadas a partir do contexto
cultural. Se for realmente verdade, e não estou dizendo que é, isso
não permite dizer que essas diferenças ocorrem por razões naturais. Uma menina que recebeu
menos incentivo da família do
que um garoto poderá ter desempenho pior, mesmo se estudar na
mesma classe. Essas diferenças,
caso existam, são muito sensíveis
ao contexto cultural.
Francamente, acho essas estatísticas estúpidas. O que queremos é dar tratamento igual a ambos os sexos. Igualdade é, sobretudo, dar as mesmas condições
para que todos possam se realizar
no ramo em que quiserem. Jamais
pode ser dito que uma mulher
nunca chegará a tal nível pelo fato
de ser mulher.
Folha - No Brasil, as mulheres já
conquistaram acesso igual à educação. Nos níveis básicos, o número
de mulheres é até maior nas escolas do que o de homens. Elas são
maioria também nas universidades
até em alguns cursos de carreiras
mais privilegiadas. Isso não indicaria que o fim da desigualdade no
mercado de trabalho é uma questão de tempo?
Collin - Isso não é verdade. As
mulheres que possuem o mesmo
diploma são menos valorizadas
do que os homens. Na França,
com a mesma formação, no mesmo
trabalho e no mesmo nível, elas ganham em média
25% a menos do
que os homens.
Todos os progressos são importantes, mas
não se corrige
uma estrutura secular resolvendo
apenas um ponto
da questão. O
acesso à educação
é muito importante, mas a luta é
muito complexa. É um erro pensar que, mudando um ponto, tudo vai mudar. Não há uma causa
única para a discriminação.
Folha - Não há momentos em que
o feminismo se
choca com a própria vontade das
mulheres? A lei
que proibiu símbolos religiosos em
escolas francesas
obrigou meninas
muçulmanas a
irem para a escola
sem o véu. Mesmo
não sendo esse o
objetivo da lei,
muitas feministas
viram nela uma vitória contra o autoritarismo. No entanto, houve protestos de mães muçulmanas, que
defendiam o uso dos véus.
Collin - Esse foi um debate importante entre as feministas na
França, apesar de a lei não ter sido
feita especificamente com esse foco. O objetivo da lei foi reafirmar
que a escola é um espaço republicano e laico e que, por isso, não
deve haver símbolos ostensivos
de religiões. O véu, portanto, seria
um símbolo do integralismo muçulmano.
Houve duas correntes sobre essa questão. Uma considerou positiva a lei nesse aspecto por achar
que as meninas muçulmanas
eram vítimas do autoritarismo
paternal, que as obrigava a esconder sua feminilidade com os véus.
Outra corrente, da qual eu fiz
parte, argumentou que não
adianta tratar as doenças por seus
sintomas. Se quisermos tratar do
sexismo muçulmano, então precisamos tratar também do sexismo francês.
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