São Paulo, segunda-feira, 02 de maio de 2005

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ENTREVISTA DA 2ª

FRANÇOISE COLLIN

Para escritora belga, oposição não é mais direta, porém tenta desmoralizar protagonistas do movimento

Antifeminismo hoje é sutil, mas persiste, afirma filósofa

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

Para a escritora e filósofa belga Françoise Collin, uma das mais importantes feministas do mundo, apesar das conquistas femininas desde a década de 60, persiste um discurso contra o feminismo. Ela explica que a oposição não é mais direta e frontal, a ponto de negar o direito à igualdade, mas que há um discurso sutil, que tenta desmoralizar o movimento classificando suas protagonistas como puritanas ou moralistas.
Ela esteve no Brasil na primeira quinzena de abril e falou sobre o tema no seminário "30 Anos de Feminismo no Brasil", organizado pela Articulação de Mulheres Brasileiras e pelo Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos.
Collin participou da fundação de uma das mais importantes publicações feministas do mundo, o "Cahiers du Grif" (Cadernos do Grupo de Pesquisa e Informação Feminista). Ela é autora também de vários livros sobre o tema. O mais recente é "Parcours Féministe" (Caminhos Feministas), sem tradução no Brasil.
Em sua conferência, Collin lembrou que o feminismo cresceu em todo o mundo sem nunca ter tido uma única doutrina fixa e sem a pretensão, que existiu em outros movimentos revolucionários, de resolver todos os problemas da sociedade a partir de uma única causa. Leia trechos de sua entrevista à Folha:

 

Folha - Ao menos nas democracias ocidentais, é difícil encontrar alguém que seja contra bandeiras feministas como a igualdade entre os sexos. Quem é contra o feminismo hoje?
Françoise Collin
- Falarei principalmente da experiência francesa, a que conheço mais. Realmente, ninguém é contra o discurso da igualdade, porque isso faz parte da formação da sociedade republicana. Não há mais uma oposição frontal ao feminismo, mas há gestos que, de forma direta ou indireta, tentam desacreditar o movimento. Há uma certa hipocrisia, uma certa linguagem dúbia que é utilizada para dar descrédito ao feminismo.
Obviamente, quase ninguém mais diz que as mulheres são inferiores ou coisa parecida. Isso seria muito simples, mas há uma estratégia, que eu não diria que é premeditada, de ridicularizar as feministas, dizendo que elas são moralistas, puritanas, que exageram ao criticar uma publicidade que consideram ultrajante.
Não se critica diretamente os ideais feministas, mas há uma tentativa de ridicularizar seus atores. Isso é uma maneira de reduzir o movimento.

Não se critica diretamente os ideais feministas, mas há uma tentativa de ridicularizar seus atores

Folha - A senhora leu as declarações do presidente da Universidade Harvard, Lawrence Summers, que sugeriu que diferenças biológicas inatas entre homens e mulheres poderiam explicar a existência de um número menor de pesquisadoras nas ciências exatas?
Collin
- Ele disse isso?

Folha - Disse.
Collin
- É um comentário estúpido. Isso me lembra de um comentário de um jornalista que disse que o nível das universidades francesas tinha caído por causa do número grande de mulheres que estavam estudando.
Ele foi processado e, no processo, várias mulheres levaram livros de sua autoria para a mesa do juiz. Elas encheram a mesa com livros e ganharam o processo.

Folha - No entanto, testes oficiais aplicados em estudantes no Brasil e em outros países do mundo mostram que meninos têm, em média, melhor desempenho em matemática, enquanto meninas têm notas melhores em português ou em sua língua materna. Negar essas diferenças não prejudica o entendimento dessa questão?
Collin
- Mesmo se essas estatísticas que você citou forem realmente corretas, elas têm que ser analisadas a partir do contexto cultural. Se for realmente verdade, e não estou dizendo que é, isso não permite dizer que essas diferenças ocorrem por razões naturais. Uma menina que recebeu menos incentivo da família do que um garoto poderá ter desempenho pior, mesmo se estudar na mesma classe. Essas diferenças, caso existam, são muito sensíveis ao contexto cultural.
Francamente, acho essas estatísticas estúpidas. O que queremos é dar tratamento igual a ambos os sexos. Igualdade é, sobretudo, dar as mesmas condições para que todos possam se realizar no ramo em que quiserem. Jamais pode ser dito que uma mulher nunca chegará a tal nível pelo fato de ser mulher.

Folha - No Brasil, as mulheres já conquistaram acesso igual à educação. Nos níveis básicos, o número de mulheres é até maior nas escolas do que o de homens. Elas são maioria também nas universidades até em alguns cursos de carreiras mais privilegiadas. Isso não indicaria que o fim da desigualdade no mercado de trabalho é uma questão de tempo?
Collin
- Isso não é verdade. As mulheres que possuem o mesmo diploma são menos valorizadas do que os homens. Na França, com a mesma formação, no mesmo trabalho e no mesmo nível, elas ganham em média 25% a menos do que os homens.
Todos os progressos são importantes, mas não se corrige uma estrutura secular resolvendo apenas um ponto da questão. O acesso à educação é muito importante, mas a luta é muito complexa. É um erro pensar que, mudando um ponto, tudo vai mudar. Não há uma causa única para a discriminação.

Folha - Não há momentos em que o feminismo se choca com a própria vontade das mulheres? A lei que proibiu símbolos religiosos em escolas francesas obrigou meninas muçulmanas a irem para a escola sem o véu. Mesmo não sendo esse o objetivo da lei, muitas feministas viram nela uma vitória contra o autoritarismo. No entanto, houve protestos de mães muçulmanas, que defendiam o uso dos véus.
Collin
- Esse foi um debate importante entre as feministas na França, apesar de a lei não ter sido feita especificamente com esse foco. O objetivo da lei foi reafirmar que a escola é um espaço republicano e laico e que, por isso, não deve haver símbolos ostensivos de religiões. O véu, portanto, seria um símbolo do integralismo muçulmano.
Houve duas correntes sobre essa questão. Uma considerou positiva a lei nesse aspecto por achar que as meninas muçulmanas eram vítimas do autoritarismo paternal, que as obrigava a esconder sua feminilidade com os véus.
Outra corrente, da qual eu fiz parte, argumentou que não adianta tratar as doenças por seus sintomas. Se quisermos tratar do sexismo muçulmano, então precisamos tratar também do sexismo francês.


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