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ÍNTEGRA
Confira o discurso de Lula para o G8
Leia abaixo a íntegra do discurso que o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva proferiu ontem no
encontro do G8 em Evian, França:
"Minhas primeiras palavras são de agradecimento à iniciativa do presidente Jacques
Chirac. O diálogo dos países mais ricos do
mundo com os países em desenvolvimento
é hoje mais necessário do que nunca. Temos
de trabalhar juntos. A solução de nossos
problemas passa necessariamente pelo respeito às nossas diferenças. Venho de um
país que se encontra hoje mobilizado por
uma energia ético-política extraordinária,
tanto para enfrentar nossos problemas internos como para estabelecer novas e mais
construtivas parcerias internacionais.
A pobreza e a miséria que atingem milhões de homens e mulheres no Brasil, na
América Latina, na África e na Ásia, nos
obrigam a construir uma nova aliança contra a exclusão social. Estou convencido de
que não haverá desenvolvimento econômico sem sustentabilidade social e que, sem
ambos, teremos um mundo cada vez mais
inseguro. É nesse espaço de desagregação
social que prosperam os ressentimentos, a
criminalidade e, em especial, o narcotráfico
e o terrorismo.
Quero falar-lhes de forma simples e direta: venho propor-lhes ações coletivas, responsáveis e solidárias, em favor da superação das condições desumanas em que se encontra grande parcela da população do globo. A fome não pode esperar. É preciso enfrentá-la com medidas emergenciais e estruturais. Se todos assumirmos nossas responsabilidades, criaremos um ambiente de
maior igualdade e de oportunidades para
todos.
A economia mundial está dando sinais
preocupantes de retração. Os problemas sociais, como o desemprego, inclusive nos países ricos, estão se agravando cada vez mais.
Estou seguro de que um dos objetivos desta
reunião do G8 é o de buscar caminhos para
que a economia volte a crescer. Necessitamos uma nova equação que permita a retomada do crescimento e inclua os países em
desenvolvimento. A incorporação dos países em desenvolvimento à economia global
passa necessariamente pelo acesso sem discriminações aos mercados dos países ricos.
Fizemos um enorme esforço e sacrifício para conquistar competitividade. Mas como
competir livremente em meio à guerra de
subsídios e outros mecanismos de proteção,
que criam uma verdadeira exclusão comercial?
Não viemos aqui para nos lamentar, nem,
simplesmente, para engrossar o coro das recriminações. Sabemos quais são nossas responsabilidades. Estamos fazendo a nossa
parte, executando políticas econômicas
equilibradas, combatendo o desperdício e a
corrupção, aprimorando as instituições para o bom funcionamento de nossas economias. Temos demonstrado vontade política
para combater os desequilíbrios sociais e a
pobreza.
Estamos fazendo isso no Brasil com democracia e pluralismo, sem fundamentalismos, com cautela e firmeza. Estamos organizando nossas finanças e recuperando a estabilidade para crescer de modo sustentado.
Mas sabemos que organizar e dar estabilidade a nossa economia é tarefa necessária, mas
não suficiente. Necessitamos forjar um novo paradigma de desenvolvimento que
combine estabilidade financeira com crescimento econômico e justiça social. Hoje queremos crescer com financiamento sustentável, distribuindo renda e fortalecendo a democracia.
Nenhuma teoria, por mais sofisticada que
seja, pode ficar indiferente à miséria e à exclusão. Olhando a história contemporânea,
sobretudo nos períodos que se seguiram a
graves crises econômicas e sociais, vejo que
o desenvolvimento deu-se a partir de profundas reformas sociais. Essas reformas incorporaram milhões de homens e mulheres
à produção, ao consumo e à cidadania e
criaram um novo e prolongado dinamismo
econômico. Foi assim nos Estados Unidos a
partir dos anos 30. Foi assim no pós-Segunda Guerra, na Europa.
O Brasil e muitos países em desenvolvimento fizeram, na última década, o esforço
exigido pelas estratégias econômicas predominantes. Mas não houve avanços importantes no combate à exclusão social. Ao contrário, onde o fundamentalismo imperou
não se alcançou a prometida estabilidade
econômica. Aumentaram o desemprego, a
fome e a miséria. Nossos sistemas produtivos não conquistaram espaços no comércio
mundial correspondentes aos nossos sacrifícios. A falta de democracia econômica e
social ameaçou a democracia como um todo.
Não queremos o olhar piedoso dos países
ricos. Necessitamos soluções estruturais que
devem fazer parte de um conjunto de mudanças na economia mundial. Esperamos
coerência de nossos parceiros mais ricos.
Vejo com preocupação as resistências na
OMC para remover subsídios bilionários,
principalmente à agricultura. Questões
prioritárias -como a do acesso a medicamentos- são proteladas.
Essas atitudes não são construtivas e só
aumentam o ceticismo em relação às boas
intenções e à sabedoria dos mais prósperos.
Temos de definir responsabilidades, o que
implica também novas tarefas para os países
em desenvolvimento. Os que dispõem de
maior capacidade podem e devem executar
políticas mais solidárias e generosas em favor das nações mais necessitadas. É isso que
o Brasil está fazendo no plano regional.
Meu governo quer fortalecer o Mercosul e
promover a integração da América Latina.
Como afirmou o presidente Kirchner, da
Argentina, são projetos estratégicos e políticos, orientados para melhoria das nossas
condições de vida. O Brasil está disposto a
aprofundar suas parcerias com os países da
América do Sul e abrir mais espaço em nosso mercado às suas exportações. Novos mecanismos financeiros ajudarão a integração
regional.
Sei que aqui vai se discutir o Nepad. De
nossa parte, com a África, que visitarei em
agosto próximo, vamos ampliar a cooperação especialmente em setores como saúde,
educação, qualificação profissional e infra-estrutura. Os países da América Latina e do
Caribe, que integram o Grupo do Rio, na recente Cúpula de Cuzco, incumbiram ao presidente Vicente Fox do México e a mim para
que fôssemos seus porta-vozes aqui em
Evian. Lá foram discutidos mecanismos
inovadores de financiamento para combater a pobreza e investir em infra-estrutura.
Recomendo a meus colegas aqui presentes a leitura atenta dessas propostas. A fome
é uma realidade intolerável. Sabemos que
existem plenas condições para superar esse
flagelo. Minha proposta -antecipada em
Porto Alegre e Davos- é que seja criado um
fundo mundial capaz de dar comida a quem
tem fome e, ao mesmo tempo, de criar condições para acabar com as causas estruturais
da fome. É o que estamos começando a fazer
no Brasil. Há várias formas para gerar recursos para um fundo dessa natureza. Dou dois
exemplos. O primeiro é a taxação do comércio internacional de armas -o que traria
vantagens do ponto de vista econômico e
ético. Outra possibilidade é criar mecanismos para estimular que os países ricos reinvistam nesse fundo percentagem dos juros
pagos pelos países devedores. Alguns países
desenvolvidos têm apresentado propostas
para enfrentar esse problema. São iniciativas válidas, que merecem ser consideradas.
Caros colegas, o multilateralismo representa, no plano das relações internacionais,
um avanço comparável ao da democracia
em termos nacionais. Valorizá-lo é obrigação de toda nação comprometida com o
progresso da civilização, independentemente de sua dimensão econômica e de seu
peso político e militar. Temos que manter o
diálogo, ampliando-o em bases duradouras,
e não de forma episódica. Isso se aplica ao
G8 e ao Conselho de Segurança das Nações
Unidas.
A expectativa do Brasil é de que os países
do G8 se tornem verdadeiros aliados no
combate à fome e à exclusão social e na retomada da cooperação internacional para o
desenvolvimento, condição indispensável
para a segurança e a paz. Minha vida e trajetória política me fazem crer que as causas
justas são vitoriosas quando há vontade,
diálogo e negociação. Para que este inédito
encontro de Evian atenda aos anseios legítimos de nossos povos -no Sul e no Norte-
temos que demonstrar acima de tudo determinação no combate às desigualdades sociais.
Muito obrigado".
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