São Paulo, quarta-feira, 02 de junho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"OPERAÇÃO GATINHO"

Maior contrabandista do país, segundo CPI, ia pagar US$ 2 mi

Empresário é preso ao tentar corromper deputado em SP

RUBENS VALENTE
CHICO DE GOIS
DA REPORTAGEM LOCAL

Em ações simultâneas deflagradas ontem à tarde em São Paulo, a Polícia Federal de Brasília prendeu Law Kin Chong, 43, empresário chinês naturalizado brasileiro, e o advogado e despachante aduaneiro Pedro Lindolfo Sarlo, sob acusação de terem tentado corromper por US$ 2 milhões o presidente da CPI da Pirataria, Luiz Antonio de Medeiros (PL-SP), 53.
A ação foi batizada de "Operação Shogun", mas, informalmente, os policiais e integrantes da CPI a chamavam de "Operação Gatinho".
O deputado federal foi o próprio autor da denúncia. Chong, segundo Medeiros, queria um abrandamento das acusações no relatório final da CPI, prestes a ser apresentado ao Congresso.
O empresário, dono de 600 lojas em três shoppings populares de São Paulo, segundo a CPI, é o maior contrabandista do país, mas nunca havia sido preso.
Às 14h40, quatro agentes da PF arrebentaram a chutes a porta da sala principal do escritório do deputado, no bairro do Paraíso, em São Paulo, e deram voz de prisão a Sarlo. A operação foi acompanhada pela Folha, de uma sala em frente à do parlamentar, e por uma equipe da TV Globo, que entrou atrás dos policiais.
Sob a mira de pistolas, Sarlo foi algemado e negou ser dono do dinheiro, mas uma câmera oculta na prateleira da sala desmentiu o advogado. O dinheiro foi trazido por ele, escondido na calça e nos bolsos internos do paletó.
Sarlo retirou os pacotes de dinheiro e estendeu-os na mesa de Medeiros. Os policiais acompanharam tudo de outro ponto do escritório do deputado e decidiram invadir a sala. Quando a PF entrou, na mesa havia US$ 75 mil em notas de cem, que o advogado havia trazido como primeiro sinal da corrupção. A proposta era parcelar o pagamento.
"Você está preso", afirmou Medeiros, colocando fim a um mês de investigações e de gravações de vídeo e de áudio que detalham o assédio de Chong.
"Esse dinheiro não é meu", respondeu Sarlo aos jornalistas, segundos depois de ter sido algemado. Minutos mais tarde, em outra sala, o advogado só murmurava: "O que esse deputado fez comigo? O que esse homem me fez?".
Sarlo pediu à PF para fazer um telefonema e, às 14h53, falou com seu filho pelo celular: "Seu pai está preso". À Folha, o advogado repetiu que o dinheiro não era dele, "não estava em minhas mãos, estava em cima da mesa". Logo depois, pediu para a polícia retirar a reportagem da sala.
Ao mesmo tempo, no centro da cidade, uma equipe da PF vasculhava as empresas de Chong para tentar prendê-lo. Ele só foi localizado porque uma pessoa tentou falar no telefone celular de Sarlo minutos depois da sua prisão.
Um agente da PF telefonou para o número da memória do celular e, do outro lado da linha, ouviu: "Aqui é o Law". O policial indagou então onde ele estava, e o empresário disse: "Na [rua] 25 de Março". A ligação foi rastreada pela polícia, e Chong acabou localizado num estacionamento de veículos da avenida Senador Queirós, no centro de São Paulo.
Ao chegar algemado à sede da PF, Chong não deu declarações. Seu advogado, Elcio Scapaticio, disse que a prisão foi "armação de Medeiros".

Hotel
A primeira proposta de Chong a Medeiros, segundo o deputado, ocorreu em 19 de abril último. O advogado Sarlo telefonou para o chefe da inteligência da comissão, o inspetor da Polícia Rodoviária Federal cedido à CPI, Fernando Miranda, 39, e afirmou que tinha informações "importantes" para a comissão e que precisava falar com ele e com Medeiros.
O encontro entre os três ocorreu em 23 de abril no restaurante do Hotel Mercure, em São Paulo. Depois das apresentações, o deputado deixou o assessor conversando com o advogado e foi embora. No final da conversa, segundo Miranda, já sem a presença do parlamentar, Sarlo então ofereceu US$ 2 milhões para que Medeiros "aliviasse" as acusações contra Chong em seu relatório.
No mesmo dia, o deputado encaminhou à PF de Brasília um relatório em que Miranda descreveu o encontro e a proposta de Chong. "[...] O dr. Pedro Lindolfo [Sarlo] dizia ser representante do empresário Law e que gostaria de propor um acordo onde o empresário Law King [sic] Chong estaria oferecendo a quantia de sete milhões de reais para que não mais o investigasse", diz trecho do ofício assinado por Medeiros.
A partir daí, o deputado e seu assessor passaram a gravar os telefonemas de Sarlo. Todas as ligações eram feitas pelo advogado a um telefone celular dado a Miranda pelo próprio Sarlo. O advogado, segundo o assessor, disse que o aparelho era seguro por ter sido fornecido por contatos seus na Abin, a Agência Brasileira de Inteligência.
Medeiros decidiu marcar um encontro entre ele e o próprio Chong. O deputado hospedou-se às 9h da última quinta-feira no quarto número 210 do Hotel Eldorado, em Araraquara, no interior paulista. Por volta das 12h30, chegou Chong.
O quarto estava sendo filmado por uma câmera oculta. As imagens eram acompanhadas de outro apartamento por equipe da inteligência da CPI da Pirataria e pela TV Rede Globo. "Ele me ofereceu US$ 2 milhões, depois, US$ 1,5 milhão, em parcelas", disse Medeiros que, ao final da conversa, apertou a mão do empresário como sinal de "negócio fechado".
Imagens divulgadas ontem pelo "Jornal Nacional" mostraram Chong oferecendo, no hotel, "um aluguel e meio". A expressão se referia a US$ 1,5 milhão.


Texto Anterior: Painel
Próximo Texto: Outro lado: Acusado diz que prisão é "brincadeira"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.