São Paulo, terça, 2 de junho de 1998

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CELSO PINTO
As perdas de reservas

O Brasil perdeu de US$ 1 bilhão a US$ 1,5 bilhão de reservas cambiais em maio, segundo cálculos do mercado endossados pelo Banco Central. A perspectiva para junho é de nova perda. Só deve haver recuperação em julho, se as privatizações programadas forem bem-sucedidas.
No mercado de câmbio "comercial" (operações de comércio exterior e boa parte das operações financeiras) houve uma entrada líquida de US$ 1,7 bilhão. No entanto, houve uma saída líquida estimada em US$ 3 bilhões pelo "flutuante" (principalmente operações financeiras mais especulativas e turismo).
Isso daria uma perda de US$ 1,3 bilhão. Do lado positivo, contudo, estão os juros originados pela aplicação das reservas cambiais, que têm oscilado entre US$ 350 milhões e US$ 400 milhões.
Para fechar a conta, falta um dado mais difícil de calcular. Na semana passada, o Banco do Brasil entrou vendendo dólares no mercado à vista, certamente em nome do Banco Central, para acalmar os ânimos e as cotações. Alguns calculam que as vendas tenham somado até US$ 1 bilhão, número que o BC diz ser exagerado.
São dólares vendidos aos bancos privados. Uma parte já deve ter sido revendida ao BC, outra continua com os bancos. A parte que está nos bancos não deixou o país, portanto não afetou os números do câmbio, mas não pertence mais ao BC, logo tem que ser deduzida das reservas. O que poderia elevar a perda de reservas para algo mais próximo a US$ 1,5 bilhão.
Para junho, existe uma pressão adicional: vencem US$ 780 milhões em juros e amortização de títulos da dívida externa (IDUs). A data do vencimento é primeiro de julho, mas, nos três semestres anteriores, ele foi contabilizado no mês anterior. Se o BC mantiver a prática, o mês começa com uma pressão negativa, que não será contrabalançada por nenhum ingresso importante previsto de privatizações.

Os dólares especulativos
As pressões de saídas de dólares têm vindo de várias direções, nas últimas duas semanas, e não apenas das Bolsas. A saída pelo flutuante foi expressiva. Parte, mas não tudo, é explicável por um ajuste contábil.
É a migração de aplicações externas em renda fixa no Brasil. Muitas dessas aplicações eram feitas por meio de contas de não-residentes (CC-5) e liquidadas via câmbio flutuante. Outras vinham dos fundos oficiais de renda fixa (Anexo 6), pelo câmbio comercial.
Com a mudança de taxação financeira, os fundos em CC-5 passaram a pagar 20% de imposto, enquanto os via Anexo 6 apenas 15%. Em março, o BC permitiu que, até o final de maio, quem quisesse poderia transferir, sem ônus, seu dinheiro da CC-5 para o Anexo 6.
Alguns calculavam que o estoque de aplicações em renda fixa em CC-5 superava US$ 10 bilhões. No Anexo 6, o estoque estava em torno de US$ 3 bilhões no ano passado. No fim de março, o estoque do Anexo 6 era de US$ 5,2 bilhões. Em abril o estoque pulou para US$ 6,5 bilhões e até o dia 25 de maio para US$ 7,8 bilhões.
Um banco estima que maio fechou em US$ 8,1 bilhões no Anexo 6, o que daria um ganho de quase US$ 3 bilhões durante o período de transferência das CC-5 para o Anexo 6. É menos do que o mercado e o próprio BC supunham.
A transferência exigia uma documentação que nem todos os investidores via CC-5 estão dispostos a apresentar ao BC. Podem, portanto, ter sobrado algumas aplicações ainda na CC-5. De todo modo, fica mais claro, agora, que o estoque do capital que vem ao país ganhar com a diferença entre taxas externas e internas, tipicamente de mais curto prazo e mais volátil, é algo em torno de US$ 8 bilhões.
As saídas pelo câmbio flutuante, contudo, não se explicam apenas pela migração dessas aplicações de renda fixa. No cálculo de um banco, nas duas últimas semanas a média semanal de saídas pelo flutuante, já descontada a parcela gerada pela migração, superou US$ 100 milhões. No início do ano a média estava em torno de US$ 60 milhões a US$ 70 milhões e, antes da crise de outubro, em US$ 50 milhões.
Parte dessa saída mais forte é atribuída ao vencimento de emissões de curto prazo (6 a 9 meses), de bancos e empresas, que não têm sido renovadas, por dificuldades de acesso ao mercado, ou por custo muito elevado. Esse tipo de pressão, portanto, tenderia a continuar neste mês e nos próximos, a menos que o mercado internacional se recupere sensivelmente.
Em agosto e setembro, a essa pressão se somarão os vencimentos de US$ 5,5 bilhões em "63 caipira" contratadas no início do ano para ganhar com os juros altos internos. Conclusão: é crucial não haver reveses nas privatizações à frente.




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