São Paulo, Sexta-feira, 02 de Julho de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS
O aniversário

O êxito sobre a inflação pode e deve ser comemorado pelo governo (e por Itamar Franco também), mas apresentá-lo como sucesso além disso é falsidade histórica. Aquele êxito é uma espécie de ilha cercada de erros, impasses, pretensiosidades obtusas, empobrecimento do país, dramas pessoais e desgraças sociais.
O quinto aniversário do Plano Real é até um desmentido acusatório aos seus principais celebrantes. Fernando Henrique Cardoso e seus principais colaboradores e apoiadores proclamavam que em um ano, dois para os mais cautelosos, a inflação estaria vencida, e o Brasil, entrando no crescimento intenso de que precisa para tentar salvar-se. A exceção foi Pedro Malan, com as previsões de dois a três anos.
O quinto ano do real, porém, é comemorado, por essas mesmas pessoas, no ano em que é esperado, pelos próprios comemorantes, o decréscimo e nem sequer um arremedo de crescimento econômico. Depois de quatro anos sucessivos de resultados degradantes.
Quem celebra o êxito sobre a inflação o faz em um palanque montado sobre os 10 milhões de desempregados. E cada um deles é a figuração individual de um drama que, de fato, humilha e arruina mais três, quatro, cinco familiares. O conjunto é um custo social altíssimo, próprio de tempos de guerra.
Celebrar o êxito sobre a inflação não obscurece o aumento da dívida pública ao nível do impagável, levada pelos cinco anos de juros boçais, necessários ao real para não ser devorado pela inflação. Não obscurece, também, a transferência gratuita de uma riqueza imensa do Brasil para especuladores de fora, por intermédio da ciranda financeira embalada pelos juros. Jamais tantos ganharam tanto tão facilmente em tão pouco tempo.
Celebrar algo mais do que o êxito sobre a inflação inclui apontar as crises da Rússia e de países asiáticos como causa dos danos, ditos "ataques", sofridos pelo real, segundo o oficialismo, na verdade sofridos pelo Brasil. O governo, os apoiadores incondicionais de Fernando Henrique e do Plano Real e o FMI precisaram, e precisam ainda, do álibi falso. Mas as crises alheias não tinham como consequência lógica e inevitável os tais "ataques".
A responsabilidade por sua ocorrência e pelos agravamentos que trouxeram é, no Brasil, absolutamente interna. Não há especulador, nem russo, nem asiático envolvido nessa culpa grave, para não dizer crime contra o país e sua gente. Os "ataques" e suas consequências foram produzidos, estritamente, pela cega e obtusa deposição do destino da moeda nacional nas mãos dos especuladores internacionais.
Tanto o desastre era previsível, que não faltaram advertências. O truque para conter a inflação trazia, no entanto, dividendos reeleitorais. Não são as crises externas que os celebradores do aniversário deveriam acusar. Apesar disso, é compreensível que o façam. A única verdade dos cinco anos celebrados é mesmo o êxito sobre a inflação. O resto se divide entre grandes mentiras e brutais malefícios.


Texto Anterior: Reforma ministerial será "guinada", afirma Pimenta
Próximo Texto: PFL diverge sobre proposta para a reforma ministerial
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.