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ENTREVISTA
PAULO ZOTTOLO
Ricos não são menos brasileiros que pobres, diz o líder do "Cansei"
Empresário afirma que não é menos brasileiro por ter dinheiro e nega que movimento pretenda depor o governo Lula
GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA
No dia 27, a Philips do Brasil publicou anúncio nos
principais jornais manifestando seu apoio ao "Cansei". A carta da Philips foi alvo de muitas críticas, inclusive do governo. O presidente da Philips, Paulo
Zottolo, 51, nega que o movimento tenha qualquer
motivação política ou que vise derrubar o governo -e
sugere que o presidente Lula se engaje no movimento.
"Eu posso ter minhas diferenças com o PT, isso é uma
coisa, mas o que eu não concordo é achar que qualquer movimento que se faça de cidadania
neste país ou é de oposição ou é
de elite", diz Zottolo. Ele afirma
que vai continuar a apoiar o
movimento, apesar das críticas.
"Não preciso me sentir culpado
porque sou rico", afirma.
FOLHA - Como nasceu o "Cansei"?
PAULO ZOTTOLO - O Jesus Sangalo me ligou dizendo-se indignado com a situação no país e me
perguntou se poderia contar
com o meu apoio na criação de
um movimento de indignação
contra isso. Eu indiquei o João
Dória Jr, que seria a melhor
pessoa para canalizar o movimento. O João Dória me ligou
logo depois de ter conversado
com o Jesus: "O cara está bravo". Eu disse para o João Dória
que o melhor era segurar o cara
porque ele estava querendo fazer um movimento que não seria benéfico para ninguém. Dória marcou então uma reunião.
FOLHA - O que foi decidido?
ZOTTOLO - O João Dória disse,
na reunião, que esse movimento não poderia ser partidário.
FOLHA - Mas ele apoiou Alckmin.
ZOTTOLO - O que eu estou contando foi o que aconteceu. Ele
disse que não poderia ser um
movimento político nem um
movimento para derrubar presidente ou para provocar o impeachment, o que tinha de ser é
um movimento de indignação.
Assim começou a história. Nessa reunião eu também dei a
idéia de trazer a África [do Nizan Guanaes] para nos ajudar.
FOLHA - O sr. procurou o Nizan?
ZOTTOLO - Nizan estava em férias, eu falei com o Sérgio Gordilho. E ele disse que não poderia ajudar como África, mas sim
como amigo. Fizemos uma nova reunião para elaborarmos a
campanha e eu dei a idéia de
darmos o nome de "Cansei" ao
movimento. Todos gostaram.
Para a campanha ter realmente uma razão apartidária,
os cansamos têm que ser de atitudes que não são ligadas ao governo, mas ligadas a nós mesmos. Se você pegar a campanha
vai ver que os primeiros cartazes são de "cansamos de empresários corruptores", "cansamos de balas perdidas".
Não é uma campanha que diz
cansei de governo ou coisa parecida. Achamos que não deveria ser liderada por mim ou pelo João Dória, e consultamos a
OAB, que se engajou.
FOLHA - Qual é o mote?
ZOTTOLO - O marasmo hoje é do
cidadão brasileiro, não é do governo. Como cidadão brasileiro
nós estamos aceitando uma
tragédia atrás da outra e paramos de nos indignar. E por que
paramos de nos indignar? Por
que nós como brasileiros não ligamos para o próximo? Não é
isso. É porque a sucessão de
tragédias é tão grande que você
passa de uma indignação para
outra. Você passa do dólar na
cueca para o buraco do metrô,
para o acidente com o avião da
Gol, para o acidente com outro
avião, para uma notícia que você está voando no espaço aéreo
com um buraco negro e que você pode bater com contrabandista, com bala na favela, com
garoto sendo arrastado no cinto de segurança de um carro no
Rio... Portanto, "Cansei".
FOLHA - O movimento vai apresentar alguma proposta?
ZOTTOLO - Se tivesse proposta
seria um movimento partidário. Como não é partidário não
pode ter proposta. Para mim, o
"Cansei" é um convite à meditação. Isso é uma ajuda que o
povo brasileiro deve dar ao governo. Eu quero que o governo
se dê bem, não quero que o governo se dê mal.
Eu posso ter minhas diferenças com o PT, isso é uma coisa.
Eu posso não concordar com as
atitudes do PT, mas o que eu
não concordo é achar que qualquer movimento que se faça de
cidadania neste país ou é de
oposição ou é de elite. Este país
tem que parar de ser visto como
país: precisa ser visto como nação. Qualquer situação, qualquer movimento, qualquer opinião rapidamente é dividido
entre a elite e os pobres. Para se
tornar uma nação, o objetivo
tem de ser comum.
É esse tipo de reflexão que
esse movimento "Cansei" deveria estar fazendo. Quando eu
emito uma opinião dizendo
"cansei de empresário corruptor" ou "cansei de bala perdida", não quero ser visto como
elite branca ou elite branca de
Campos do Jordão. Para que isso? Para que essa ofensa toda?
Eu quero ser visto como brasileiro que chegou lá. Não preciso
me sentir culpado porque eu
sou rico. Não roubei ninguém.
Não sei por que ainda se
mantém essa distância entre a
classe trabalhadora e a classe
empresarial, como se fôssemos
inimigos, e não somos. Essa é a
diferença entre país e nação. O
"Cansei" deveria ser um motivo
de reflexão para tudo isso.
FOLHA - O que acha dessa reação
tão inflamada do governo Lula?
ZOTTOLO - Porque ele acha que
é uma coisa partidária. Porque
neste país, e não nesta nação
ainda, qualquer coisa é vista como partidária, é vista como um
movimento de alguns segmentos, e não é. É um movimento
puramente nacional. O governo tem que aderir ao movimento. O presidente Lula deveria
unir forças, e não dividir cada
um para um lado.
FOLHA - O que acha da crítica de
que esse movimento está sendo feito por endinheirados?
ZOTTOLO - É uma situação para
reflexão. Todo mundo tem o direito de se manifestar.
FOLHA - Qual a responsabilidade
do governo para essa situação?
ZOTTOLO - Eu não acho que a situação do Brasil esteja assim
por causa do governo do PT. O
Brasil está mal por várias outras histórias. Eu não sou petista, mas tem várias atitudes do
PT que eu aplaudo, como tem
outras que eu absolutamente
não aplaudo, como tem várias
atitudes do PSDB como oposição que eu rejeito, como outras
eu aplaudo. O que eu não aplaudo mais é a oposição. A oposição neste país é destrutiva. A
oposição que o PT fez ao governo do PSDB atrapalhou o país.
A oposição que os partidos de
oposição fazem hoje ao governo atrapalha o país. No final,
como nação, o objetivo é um só.
Não existe mais pauta de direita ou de esquerda, não existe
mais pauta de elite ou pauta dos
pobres, o que existe são alguns
movimentos que são comuns
que têm que ser realizados por
qualquer partido, só que quando um está no poder o outro
atrapalha sabendo o que é necessário. A oposição, seja no
momento atual ou na época do
PT, não pensa no Brasil, e sim
no poder. Isso atrasa o país. Nós
temos que virar nação.
FOLHA - Apesar disso tudo, os números da economia são positivos.
ZOTTOLO - Os números da economia estão bons, mas não sei
se mede-se um país pelos números da economia. Eu tenho
salários aqui que são 100 vezes
maiores do que qualquer pai
dessas famílias ali [e ele aponta
para a parede em frente a sua
mesa onde estão dispostas 16
molduras em preto e branco
com cenas de favelas em diversas cidades brasileiras].
Por que eu mantenho esse
quadro? Para toda hora eu estar pensando na realidade que é
o meu país. Para não viver num
mundo cor-de-rosa de sair daqui, pegar um helicóptero, pegar o meu motorista de carro
blindado e andar no meu iate
[ele tem um barco a vela]. Isso
[as fotos na parede] é a realidade do meu país. Se a economia
vai bem e isso continua existindo, o país não vai bem. O que
mais me toca nessas fotos é que
pela pior situação que essas
pessoas vivem todas elas tem
um ar de otimismo e de alegria.
O grande mérito do PT foi
não ter mexido muito na economia, de não ter inventado
muita novidade. Nesse ponto, o
Lula teve uma cabeça fabulosa.
Sabe por quê? E ninguém está
pensando nesse assunto. As
pessoas discutem o conceito de
esquerda-direita, de rico-pobre, mas se esquecem que o Lula está cercado da elite. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, é o quê? Ele faz
parte da elite ou dos movimentos populares? O senhor Mercadante faz parte da elite ou dos
movimentos populares? Marta
Suplicy veio de onde? Agora,
para que essa divisão? Para
mim, são brasileiros que estão
trabalhando. Se um tem dinheiro a mais ou tem dinheiro a
menos, não lhe dá mais ou menos direito de ser brasileiro. Ou
será que quanto mais pobre eu
for mais brasileiro eu sou?
FOLHA - O "Cansei" vai continuar?
ZOTTOLO - Vou continuar até a
hora em que perceber que virou uma coisa partidária. A Philips está nisso desde que movimento seja apartidário. Não estou aqui para derrubar o governo. Mas se eu puder usar a força
da Philips e a minha força para
derrubar esses conceitos de direita-esquerda, pobre-rico, de
elite branca, de elite de campos
de Jordão, de movimento Oscar Freire, vou usar. Pelo amor
de Deus, nós já passamos por
esta fase. O pior é que eu nunca
passeei na Oscar Freire.
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