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ENTREVISTA DA 2ª
Bob Watson, excluído de painel da ONU, põe a culpa nos EUA
Cientista alerta para risco de politização do clima
Moacyr Lopes Junior/Folha Imagem
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Watson, ex-presidente do IPCC e atual cientista-chefe do Banco Mundial, em uma sala da Rio + 10 |
CLAUDIO ANGELO
ENVIADO ESPECIAL A JOHANNESBURGO
O IPCC, painel científico ligado
às Nações Unidas que avalia o conhecimento existente no mundo
sobre a mudança climática global,
corre o risco de se tornar um órgão político e, o que é pior, orientado pela administração daquele
que muitos vêem como o inimigo
número um do clima global,
George W. Bush.
O alerta é de Robert T. Watson,
ex-presidente do órgão, afastado
da liderança do painel em abril
deste ano por influência da Casa
Branca e a pedido da multinacional petroleira Exxon.
Convertido agora em cientista-chefe do Banco Mundial, Watson,
53, um britânico naturalizado
americano, esteve à frente do Painel Intergovernamental sobre
Mudança Climática (ou IPCC, na
abreviação em inglês) desde a sua
fundação, em 1998, nomeado por
Bill Clinton. Ficou conhecido por
defender com veemência que o
aquecimento global é um problema sério -uma mensagem que o
presidente Bush e a indústria do
petróleo não querem ouvir.
"Ninguém do governo dos EUA
falou comigo formalmente", diz
Watson. Fato é que, na eleição
ocorrida em abril, a Casa Branca
não renomeou o climatologista e
deu seu apoio ao cientista indiano
Rajendra Pachauri, que acabou
levando a presidência do IPCC,
num processo que Watson define
como "democrático, mas altamente politizado" e ambientalistas vêem como manipulação.
O governo americano nega. Segundo funcionários da administração Bush, a Casa Branca estava
interessada em ter à frente do
IPCC um cientista do Terceiro
Mundo, daí o apoio a Pachauri.
Vale dizer que o brasileiro José
Goldemberg também se candidatou e não teve apoio dos EUA.
Bob Watson, como prefere ser
chamado, lidera hoje o Millenium
Ecosystem Assessment, organização que quer montar um tipo de
IPCC para a agricultura e a biodiversidade do planeta, levando em
conta os impactos dos alimentos
transgênicos. Da sede do Banco
Mundial, em Washington, antes
de embarcar para a conferência
Rio +10 em Johannesburgo, ele
deu a seguinte entrevista à Folha:
Folha - Se me permite o trocadilho, como está a atmosfera no IPCC
depois dessa eleição conturbada? O
sr. ainda está no painel?
Robert Watson - Não, eu não estou no painel neste momento. Para responder à questão, eu acho
que foi uma eleição muito duvidosa, obviamente.
Acho que houve muitos sentimentos ruins entre os governos
que me apoiaram e os que apoiaram o dr. Pachauri. No final das
contas, todo mundo se deu conta
de que foi um processo democrático e que era hora de ir pra casa
fazer o trabalho.
Em outras palavras, a visão geral entre os governos foi que uma
decisão havia sido tomada, o dr.
Pachauri havia sido escolhido como presidente. O IPCC é muito
mais importante que qualquer indivíduo particular.
Estou otimista de que o IPCC
continuará muito forte.
Folha - O sr. disse que a eleição foi
democrática, mas houve uma articulação de Washington para não
reconduzi-lo. Quando José Goldemberg apresentou sua candidatura, representantes de alguns países já haviam sido orientados a votar em Pachauri. Foi manipulação?
Watson - O que eu quero dizer
com "democrática" é que cada
país tem um voto. Mas foi altamente politizada. O que eu não sei
é o tamanho do lobby dos EUA
contra mim ou contra José Goldemberg. Disseram que o governo dos EUA pôs muita pressão
nos governos para não me eleger e
eleger o dr. Pachauri.
Ninguém questiona que o governo indiano fez um lobby muito
duro por Pachauri. Eles tentaram
obter um consenso no G-77, o que
não conseguiram, porque todos
os Estados-ilhas votaram em mim
e a América Latina votou em mim
ou em Goldemberg.
Acho que Goldemberg não teve
chance porque apresentou a candidatura muito tarde [a três dias
da eleição". Minha posição na
época era não dirigir o IPCC sozinho, mas com o dr. Pachauri ou
com o dr. Goldemberg.
São duas pessoas excelentes,
com uma perspectiva diferente,
dois economistas energéticos, de
dois grandes países em desenvolvimento. Mas, por uma razão política, isso foi negado. A África votou absolutamente em bloco em
Pachauri. Houve claramente uma
pressão política nos africanos...
muitos países africanos disseram
que queriam votar em mim, mas
foram orientados a não fazê-lo.
Em que grau isso foi pressão do
G-77 ou do governos dos EUA, eu
realmente não sei.
Folha - O governo dos EUA deu alguma justificativa ao sr.?
Watson - Definitivamente não.
Houve provavelmente várias razões para eles não me apoiarem.
Uma, eu era indicação política da
administração Clinton-Gore.
Duas, eu era muito incisivo como
presidente do IPCC. E isso não é
uma mensagem que a atual administração queira ouvir. Eles insistem em se esconder atrás do "nós
não sabemos o bastante". Então,
pode-se dizer que eles quiseram
matar o mensageiro.
Folha - O sr. acha que o memorando da Exxon pedindo que o sr. não
fosse reconduzido mergulha o painel numa crise de credibilidade?
Watson - Há sempre essa possibilidade. É por isso que o novo birô e os cientistas devem assegurar
que o IPCC não seja politizado.
Ele é um corpo político, vamos ser
honestos. É um corpo científico,
um corpo técnico e econômico,
portanto, política faz parte dele,
mas... eu espero que os cientistas e
o novo birô não permitam que ele
seja politizado de verdade.
Folha - Alguns críticos, como Dick
Lindzen, do MIT, dizem que o IPCC é
um painel político, mas com uma
agenda ambientalista. Como o sr.
responde a essas críticas?
Watson - Eu discordo totalmente. Eu fui parte do IPCC desde
1998, quando ele começou. Eu era
autor principal, depois virei co-presidente do Grupo de Trabalho
2 e, depois, presidente do painel
inteiro. Nós convidamos cientistas do mundo inteiro, de todos os
países. Alguns de universidades,
alguns da indústria, alguns de
grupos ambientais. Convidamos
céticos, como Dick Lindzen.
Acho que o processo é muito
aberto. Temos um processo de
"peer-review" [revisão por pares]
totalmente aberto, nem escolhemos os revisores. Temos um grupo independente de editores, para
assegurar que os comentários da
revisão sejam levados em conta,
contanto que sejam lógicos, não
ideológicos. Nós sempre tivemos
um relatório que é politicamente
relevante, mas não politicamente
prescritivo, e que não tem uma
agenda pró-conservação.
Só que acontece que a vasta
maioria dos especialistas ao redor
do mundo acredita que nós, seres
humanos, estamos mudando o
clima do planeta e que vamos mudar ainda mais e de que isso terá
efeitos adversos. A conclusão, você pode dizer, é pró-ambiente,
mas é aí que está o estado do conhecimento hoje.
O outro ponto é que, quando estamos no processo de aprovação
[dos relatórios], há países como a
Arábia Saudita e o Kuwait que claramente não querem ver limitações ao óleo nem admitir que a
mudança climática seja um assunto sério. Então, quando eles
[os céticos] dizem que os governos do mundo fazem afirmações
mais fortes que as dos cientistas
nos sumários é, de novo, não entender a política da situação.
Folha - O sr. disse que uma das razões pelas quais os EUA não apoiaram a sua reeleição foi o fato de o
sr. ser muito incisivo em suas posições. É possível ser cientista climático e não ser um militante?
Watson - É uma questão interessante. Esqueça-me por um segundo: acho que cientistas, individualmente, sejam eles brasileiros,
americanos ou de qualquer lugar,
têm o direito de lutar não só por
aquilo que a ciência diz, mas, como indivíduos, pela forma como
as decisões políticas devam ser.
Eu não vejo problemas com isso. Se um cientista realmente
acredita que a mudança climática
é algo sério, ele tem o direito de dizer que a ciência é forte e que ele
acredita que deva haver menos
emissões de dióxido de carbono
ou, para usar um exemplo brasileiro, menos desmatamento na
Amazônia. Mas, quando fazemos
uma avaliação internacional, como no IPCC, nós devemos afastar
a nossa militância e ir aos fatos.
É por isso que sempre tentamos
fazer nossos relatórios não com
cinco ou dez cientistas, mas com
centenas, de vários lugares.
Folha - A União Européia ratificou
o Protocolo de Kyoto recentemente
e está começando a agir como se o
tratado já estivesse em vigor. O sr.
acha que a administração Bush vai
ser forçada a aderir, cedo ou tarde?
Watson - Não só a União Européia, como o Japão também ratificou. O grande desafio, agora, é a
Rússia. Se eles ratificarem, haverá
massa crítica para a entrada em
vigor. Eu, pessoalmente, sou bem
pessimista sobre a ratificação pela
administração Bush. Eles fizeram
muitos comentários negativos sobre o Protocolo de Kyoto.
Em outras palavras, eu não estou otimista no que diz respeito a
Kyoto, mas talvez eles tomem decisões mais sérias contra a mudança climática. Neste momento,
eles nem admitem que a mudança
climática seja um assunto ambiental sério. A longo prazo, a
única forma de combater a mudança climática é ter os EUA na
mesa. É missão dos governos e da
comunidade acadêmica manter o
diálogo aberto e constantemente
alertar o governo e o Congresso
dos EUA para o problema.
Eu vejo alguns sinais de otimismo no fato de que algumas das
maiores multinacionais do mundo - Shell, British Petroleum e
algumas americanas, como a IBM
e a DuPont- estão voluntariamente se comprometendo a igualar ou exceder a meta de redução
de emissões de Kyoto, e a maioria
admite que está lucrando com isso, achando maneiras de ser mais
eficientes energeticamente.
A BP tinha uma meta de, em
2010, reduzir 10% nas suas emissões. Ela fez isso em 2002 e está
economizando dinheiro.
O jornalista Claudio Angelo viajou a Johannesburgo a convite da BrasilConnects Cultura e Ecologia
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