São Paulo, segunda-feira, 02 de setembro de 2002

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OBRAS PÚBLICAS

De 387 programas prioritários, apenas 24 ainda são objeto de acompanhamento especial pelo governo

Crise financeira emperra Avança Brasil

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Xodó de Fernando Henrique Cardoso, o programa Avança Brasil caminha a passos cada vez mais morosos. A crise financeira avançou mais do que as intenções de Brasília, atropelando-as.
Frustrou-se uma das pretensões de FHC: atravessar o último ano de sua gestão cortando fitas em solenidades de inauguração. A penúria alcança canteiros de obras espalhados por todo o país.
O Avança Brasil -que continha as principais metas para o segundo mandato- englobava 387 programas. Seriam tocados com prioridade. Representavam, segundo a propaganda oficial, "o início da trajetória rumo ao desenvolvimento".
No ano passado, a escassez de verbas levou o governo rever prospecções e cenários. Selecionaram-se, entre os programas prioritários, aqueles que seriam mais prioritários. Foram eleitos 64 dos 387 iniciais.
Agora, com o caixa ainda à míngua, o governo viu-se forçado a selecionar o prioritário do prioritário do prioritário. Hoje, encontram-se sob o regime de acompanhamento especial escassas 24 das 387 iniciativas.

Seletividade
José Paulo Silveira, funcionário do Ministério do Planejamento que centraliza a gestão do Avança Brasil, diz: "Dados os recursos disponíveis, se você não adota o critério da seletividade, tende a dispersá-los. Aí nem conclui nada, nem contribui para as obras de maior impacto social ou econômico."
A idéia não é abandonar os demais projetos, explica Silveira, mas priorizar a injeção de dinheiro nos 24 eleitos. "Como engenheiro, lamento quando uma obra diminui de ritmo. Mas é motivo de satisfação ver o governo trabalhando, pela primeira vez, num plano que não é descontinuado. Ora acelera, ora diminui o ritmo, sempre respeitando o equilíbrio fiscal."
A estratégia do governo levou inquietude à direção das empreiteiras. Pela lei, os pagamentos de obras públicas devem obedecer à ordem cronológica das medições. Receia-se que a prioridade a certos projetos leve a Esplanada dos Ministérios a furar a fila.
O empreiteiros começaram a se mexer. Em carta ao ministro dos Transportes, o peemedebista João Henrique de Almeida, a Aneor (Associação Nacional das Empresas de Obras Rodoviárias) abandonou a sutileza.
Diz um trecho do texto: "(...) renovamos a profunda preocupação das nossas [empresas] associadas ante a concreta alteração da ordem cronológica dos pagamentos, com ofensa indiscutível aos princípios constitucionais da isonomia e da legalidade que devem pautar a atividade da administração pública".
A carta é assinada por José Alberto Pereira Ribeiro, presidente da Aneor. Data de 22 de agosto. É a segunda correspondência enviada ao ministro João Henrique em menos de um mês. A entidade ameaça ir à Justiça, se necessário.

Vinculações orçamentárias
O que deixou o empresariado de cabelo em pé foi uma mensagem interna da Secretaria do Tesouro Nacional, órgão que pende da pasta da Fazenda.
O texto, de 24 de junho, cria "novas vinculações" orçamentárias. O objetivo seria o de exercer "maior controle dos pagamentos de programas estratégicos". Menciona-se uma lista de um a 24, justamente as iniciativas prioritárias do Avança Brasil.
Ainda que bem intencionada, dizem os empreiteiros, a mensagem do Tesouro concederia poder discricionário aos órgãos que, na ponta da linha, realizam os pagamentos. Um perigo, sobretudo em ano eleitoral.
Ouvido, o ministro dos Transportes afirma que as obras sob responsabilidade de sua pasta estão divididas em listas divulgadas na Internet. "Aqui e ali corre o boato de que estão mexendo na lista", diz João Henrique. "Mas não se fez nenhum pagamento fora da ordem cronológica. Isso para mim é sagrado".
Resta uma dúvida no ar. Se o que se deseja não é beneficiar os 24 projetos do Brasil em Ação, qual o sentido da mensagem do Tesouro Nacional? Questionada, por telefone e por escrito, a repartição do Ministério da Fazenda preferiu o silêncio.

Dinheiro escasso
O passivo do Ministério dos Transportes é de R$ 700 milhões. Há faturas de 2001 que ainda não foram pagas. Desde julho, o governo vem aplicando R$ 200 milhões mensais para tentar desbastar o débito. É como se enxugasse gelo. À medida que faturas velhas vão sendo liquidadas, novas contas cruzam os guichês do ministério. "É complicado", resigna-se João Henrique.
Dinheiro, de fato, é coisa cada vez mais escassa em Brasília. O orçamento de 2002 prevê gastos de R$ 26,8 bilhões nos 64 projetos do Avança Brasil que vinham sendo considerados prioritários antes da elaboração da lista que os reduziu a 24. Até julho, emitiram-se empenhos correspondentes a 55,7% desse total. Mas só 37,4% foram efetivamente pagos.
Para facilitar o controle gerencial, os 64 projetos foram subdivididos em 237 ações administrativas. Dessas, 31 estavam totalmente paralisadas em julho. As razões são variadas. A falta de pagamento é uma delas. Há também problemas de natureza ambiental e indícios de irregularidades detectados pelo TCU (Tribunal de Contas da União).
Na última terça-feira, encerrou-se um ciclo de reuniões com assessores dos candidatos à Presidência no Ministério do Planejamento. Eles foram apresentados à filosofia que permeia o Avança Brasil. Se quiser, o próximo presidente pode virar do avesso a lista de prioridades elaborada sob FHC. "Pode, mas não creio que faça isso", opina José Paulo Silveira. "A receptividade das quatro assessorias dos candidatos à metodologia foi muito boa".


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