São Paulo, sábado, 02 de setembro de 2006

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Marcelo Coelho

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NO MARASMO vigente, um dos fatos mais importantes da campanha presidencial terminou sendo de ordem vocabular, e não política ou programática. De uma hora para outra, um palavrão, um termo que antes pertencia ao vasto grupo dos "excluídos", passou a ganhar cidadania plena em reportagens, comentários e debates.
Veio da classe artística a iniciativa de colocá-lo em circulação. Num encontro de apoio à candidatura Lula, foi o ator Paulo Betti quem pronunciou a palavra maldita.
Betti, que já representara tantos papéis de cunho popular no cinema (de Lamarca a Ed Mort), desempenhou função liberadora. Sua voz se fez a voz do povo, cuja linguagem, sempre sintética nas horas de indignação mais funda, nunca se submeteu à distinção preconceituosa que separa em níveis hierárquicos de nobreza as palavras da nossa língua.
Ele afirmou que não é possível fazer política sem pôr a mão naquilo que, em outro momento de descontração, Lula tinha dito que o Chile era. As declarações de Betti foram transcritas com todas as letras, e as de Lula também; ouviu-se então um grito de liberdade nas redações. Clóvis Rossi alçou um palavrão ao título de um artigo nesta Folha; outros jornais tampouco se deixaram prender pelo decoro habitual, e o debate político ganhou, com isso, um termo mais expressivo para descrevê-lo.
O prazer de publicar foi maior do que a suposta indignação com o publicado. Toda a blindagem do marketing, das belas aparências, dos sorrisos de campanha era desmontada de repente. Assumia-se de uma vez por todas aquilo que sofismas e manobras de todo tipo tentavam esconder durante mais de um ano. Depois da dança da pizza, fazia tempo que um correligionário não se mostrava tão verdadeiro.
"Política a gente faz com o que a gente tem. Não com o que a gente quer", disse Lula em contexto semelhante. Foi esse raciocínio, maquiado com alguma purpurina weberiana em torno da "ética da responsabilidade", que fundamentou toda a estratégia de alianças levada a cabo por FHC, quando segurava com mãos firmes o pegajoso timão do Estado.
Todo o raciocínio em torno de compromissos e alianças para assegurar a "governabilidade", antes monopólio argumentativo do PSDB, é agora invocado pelas forças lulistas.
"Não sou igual a Lula", proclama então Fernando Henrique. Mas, nessa concepção de governabilidade e de alianças, a principal divergência entre ambos se limita ao vocabulário. Discute-se a base parlamentar que Lula terá a seu dispor num segundo mandato.
Pensando nisso, o presidente lançou a idéia de um entendimento nacional; em muitas questões, PT e PSDB não têm pontos de atrito significativo. Só espero que, quando todos se derem as mãos, Paulo Betti não esteja por perto.


MARCELO COELHO é colunista da Folha

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