|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Marcelo Coelho
Tecle M para votar
NO MARASMO vigente,
um dos fatos mais
importantes da
campanha presidencial
terminou sendo de ordem
vocabular, e não política ou
programática. De uma hora
para outra, um palavrão,
um termo que antes pertencia ao vasto grupo dos
"excluídos", passou a ganhar cidadania plena em
reportagens, comentários e
debates.
Veio da classe artística a
iniciativa de colocá-lo em
circulação. Num encontro
de apoio à candidatura Lula, foi o ator Paulo Betti
quem pronunciou a palavra
maldita.
Betti, que já representara
tantos papéis de cunho popular no cinema (de Lamarca a Ed Mort), desempenhou função liberadora.
Sua voz se fez a voz do povo,
cuja linguagem, sempre
sintética nas horas de indignação mais funda, nunca se submeteu à distinção
preconceituosa que separa
em níveis hierárquicos de
nobreza as palavras da nossa língua.
Ele afirmou que não é
possível fazer política sem
pôr a mão naquilo que, em
outro momento de descontração, Lula tinha dito que
o Chile era. As declarações
de Betti foram transcritas
com todas as letras, e as de
Lula também; ouviu-se então um grito de liberdade
nas redações. Clóvis Rossi
alçou um palavrão ao título
de um artigo nesta Folha;
outros jornais tampouco se
deixaram prender pelo decoro habitual, e o debate
político ganhou, com isso,
um termo mais expressivo
para descrevê-lo.
O prazer de publicar foi
maior do que a suposta indignação com o publicado.
Toda a blindagem do marketing, das belas aparências, dos sorrisos de campanha era desmontada de
repente. Assumia-se de
uma vez por todas aquilo
que sofismas e manobras
de todo tipo tentavam esconder durante mais de
um ano. Depois da dança
da pizza, fazia tempo que
um correligionário não se
mostrava tão verdadeiro.
"Política a gente faz com
o que a gente tem. Não com
o que a gente quer", disse
Lula em contexto semelhante. Foi esse raciocínio,
maquiado com alguma
purpurina weberiana em
torno da "ética da responsabilidade", que fundamentou toda a estratégia
de alianças levada a cabo
por FHC, quando segurava
com mãos firmes o pegajoso timão do Estado.
Todo o raciocínio em
torno de compromissos e
alianças para assegurar a
"governabilidade", antes
monopólio argumentativo
do PSDB, é agora invocado
pelas forças lulistas.
"Não sou igual a Lula",
proclama então Fernando
Henrique. Mas, nessa concepção de governabilidade
e de alianças, a principal divergência entre ambos se
limita ao vocabulário. Discute-se a base parlamentar
que Lula terá a seu dispor
num segundo mandato.
Pensando nisso, o presidente lançou a idéia de um
entendimento nacional;
em muitas questões, PT e
PSDB não têm pontos de
atrito significativo.
Só espero que, quando
todos se derem as mãos,
Paulo Betti não esteja por
perto.
MARCELO COELHO é colunista da Folha
Texto Anterior: Proposta de Lula para o Orçamento de 2007 prevê a contratação de servidores Próximo Texto: Eleições 2006/Presidência: Indefinição na área econômica retarda programa de Alckmin Índice
|