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Lula deve apostar em Ciro para sucedê-lo, diz cientista política
Rachel Meneguello, livre-docente da Unicamp, avalia que PT não tem candidato para disputar Presidência em 2010
Estudiosa do partido afirma que ele somente conseguiu sobreviver ao escândalo
do mensalão porque ainda tinha o apoio de suas bases
MAURICIO PULS
DA REDAÇÃO
A cientista política Rachel
Meneguello, 48, acredita que o
PT hoje não tem um candidato
capaz de vencer a eleição presidencial de 2010 e que só Ciro
Gomes (PSB) seria capaz de levar adiante o projeto nacional
de Lula: "Ciro provavelmente
seria o único que pudesse dar
seqüência a uma certa proposta
do Lula de reversão da política
brasileira para o Nordeste". Autora de "PT - A Formação de
um Partido" (1989) e de "Partidos e Governos no Brasil Contemporâneo" (1998), Meneguello é professora livre-docente
do Departamento de Ciência
Política da Unicamp. Leia a seguir trechos da entrevista:
FOLHA - O PT se estruturou nos
anos 80 como um partido baseado
nos chamados núcleos de base, mas
nos anos 90 eles entraram em declínio: em 1995, dos 700 mil filiados,
só 100 mil participaram da campanha de refiliação. Hoje o PT tem
mais de um milhão de filiados. Mas
como o partido está organizado?
RACHEL MENEGUELLO - Um momento importante da transformação do PT ocorre quando ele
começa a ganhar cargos no Parlamento e cresce o número de
assessores. Até então você tinha um partido de massas, mas
com um funcionamento muito
limitado, baseado no trabalho
voluntário. Quando ele começa
a obter postos, esse processo de
institucionalização do PT muda seu funcionamento. Com isso ele não está descobrindo nada novo, está seguindo o caminho dos partidos de esquerda
na Europa. É a mesma evolução. É isso que lhe permite almejar postos de outra natureza
na cena pública, sobretudo no
Executivo. Em 2002, quando o
PT ganha as eleições para a Presidência, surge outro ponto de
mudança, com a perda de muitos quadros para o governo federal. O partido tem que se
reestruturar e perde um pouco
daquela dinâmica democrática.
Quando um partido de esquerda entra num governo, isso tem
impacto profundo na sua estrutura: suas lideranças estão em
outra dimensão, não têm mais
relação com as bases. Hoje os
núcleos de base talvez influenciem muito pouco o partido. O
partido se ressente disso.
FOLHA - O partido se ressente de
ter chegado ao poder?
MENEGUELLO - Ele não dá conta
de manter sua estrutura interna: num governo partidário, o
partido precisa povoar a administração. O partido tem seus
institutos de formação, mas
não consegue formar tantos
quadros. Além disso, o PT sofre
internamente devido ao choque cultural imposto por uma
dinâmica de negociações, de
troca de cargos. Depois você
tem a crise de 2005, que afetou
as principais lideranças do PT.
FOLHA - Como a legenda sobreviveu ao escândalo do mensalão?
MENEGUELLO - Ela conseguiu ultrapassar os seus piores momentos graças à sua estruturação interna mesmo. Você teve mil trocas na direção, suas lideranças foram amplamente afetadas. O que segurou o PT na
crise foram as suas bases. Se o
partido tivesse prestado mais
atenção aos movimentos sociais, teria sofrido menos. Ele
sobreviveu por causa dessa estrutura que ainda permanecia.
FOLHA - Hoje o PT defende a redistribuição de renda, a ampliação do
mercado interno e a eliminação da
miséria. É uma social-democracia
adaptada ao Terceiro Mundo?
MENEGUELLO - A social-democracia define-se pela relação
com o trabalho -ela estabelece
uma saída para a relação capital-trabalho. Quando você
monta a campanha de 2002
com o José Alencar, um representante do capital nacional
que tinha se dado muito mal no
governo anterior, essa associação capital-trabalho é uma fórmula social-democrática.
FOLHA - O partido é um herdeiro
do projeto nacional-desenvolvimentista de Getúlio Vargas?
MENEGUELLO - Acho que ele é
mais moderno do que isso, porque a proposta varguista era
muito populista. Como proposta de desenvolvimento nacional unindo capital e trabalho,
ela parece muito com isso, mas
certamente não é o varguismo.
FOLHA - O PT já enfrentou várias cisões (que originaram o PCO, PSTU,
PSOL), mas até agora nenhuma delas parece ter demonstrado vocação
para criar outro partido de massa.
MENEGUELLO - Essas cisões de
esquerda não têm a intenção de
virar partidos de massa. Esse é
o limite delas -é o limite de se
transformar cisões internas em
pequenos partidos de esquerda. É a natureza delas: PCO,
PSTU, PSOL não avançam na
relação com o eleitorado. Não é
que elas não conseguem fazer
isso: elas não querem fazê-lo.
FOLHA - Por enquanto não há perspectiva de substituição do PT por outra legenda de esquerda?
MENEGUELLO - Não. No cenário
nacional hoje não há nenhum
outro partido com a mesma natureza de massa que o PT.
FOLHA - Quais são as perspectivas
do partido sem Lula concorrendo?
MENEGUELLO - Hoje o PT não
tem candidato à Presidência.
Não vejo com muito dificuldade que o Lula mesmo vá atrás
de Ciro Gomes. Ciro provavelmente seria o único que pudesse dar seqüência a uma certa
proposta do Lula de reversão
da política brasileira para o
Nordeste. Pois o Lula fez isso
com a política nacional: trouxe
o Nordeste para a cena política.
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