São Paulo, domingo, 02 de setembro de 2007

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Lula deve apostar em Ciro para sucedê-lo, diz cientista política

Rachel Meneguello, livre-docente da Unicamp, avalia que PT não tem candidato para disputar Presidência em 2010

Estudiosa do partido afirma que ele somente conseguiu sobreviver ao escândalo do mensalão porque ainda tinha o apoio de suas bases

MAURICIO PULS
DA REDAÇÃO

A cientista política Rachel Meneguello, 48, acredita que o PT hoje não tem um candidato capaz de vencer a eleição presidencial de 2010 e que só Ciro Gomes (PSB) seria capaz de levar adiante o projeto nacional de Lula: "Ciro provavelmente seria o único que pudesse dar seqüência a uma certa proposta do Lula de reversão da política brasileira para o Nordeste". Autora de "PT - A Formação de um Partido" (1989) e de "Partidos e Governos no Brasil Contemporâneo" (1998), Meneguello é professora livre-docente do Departamento de Ciência Política da Unicamp. Leia a seguir trechos da entrevista:  

FOLHA - O PT se estruturou nos anos 80 como um partido baseado nos chamados núcleos de base, mas nos anos 90 eles entraram em declínio: em 1995, dos 700 mil filiados, só 100 mil participaram da campanha de refiliação. Hoje o PT tem mais de um milhão de filiados. Mas como o partido está organizado?
RACHEL MENEGUELLO
- Um momento importante da transformação do PT ocorre quando ele começa a ganhar cargos no Parlamento e cresce o número de assessores. Até então você tinha um partido de massas, mas com um funcionamento muito limitado, baseado no trabalho voluntário. Quando ele começa a obter postos, esse processo de institucionalização do PT muda seu funcionamento. Com isso ele não está descobrindo nada novo, está seguindo o caminho dos partidos de esquerda na Europa. É a mesma evolução. É isso que lhe permite almejar postos de outra natureza na cena pública, sobretudo no Executivo. Em 2002, quando o PT ganha as eleições para a Presidência, surge outro ponto de mudança, com a perda de muitos quadros para o governo federal. O partido tem que se reestruturar e perde um pouco daquela dinâmica democrática.
Quando um partido de esquerda entra num governo, isso tem impacto profundo na sua estrutura: suas lideranças estão em outra dimensão, não têm mais relação com as bases. Hoje os núcleos de base talvez influenciem muito pouco o partido. O partido se ressente disso.

FOLHA - O partido se ressente de ter chegado ao poder?
MENEGUELLO
- Ele não dá conta de manter sua estrutura interna: num governo partidário, o partido precisa povoar a administração. O partido tem seus institutos de formação, mas não consegue formar tantos quadros. Além disso, o PT sofre internamente devido ao choque cultural imposto por uma dinâmica de negociações, de troca de cargos. Depois você tem a crise de 2005, que afetou as principais lideranças do PT.

FOLHA - Como a legenda sobreviveu ao escândalo do mensalão?
MENEGUELLO
- Ela conseguiu ultrapassar os seus piores momentos graças à sua estruturação interna mesmo. Você teve mil trocas na direção, suas lideranças foram amplamente afetadas. O que segurou o PT na crise foram as suas bases. Se o partido tivesse prestado mais atenção aos movimentos sociais, teria sofrido menos. Ele sobreviveu por causa dessa estrutura que ainda permanecia.

FOLHA - Hoje o PT defende a redistribuição de renda, a ampliação do mercado interno e a eliminação da miséria. É uma social-democracia adaptada ao Terceiro Mundo?
MENEGUELLO
- A social-democracia define-se pela relação com o trabalho -ela estabelece uma saída para a relação capital-trabalho. Quando você monta a campanha de 2002 com o José Alencar, um representante do capital nacional que tinha se dado muito mal no governo anterior, essa associação capital-trabalho é uma fórmula social-democrática.

FOLHA - O partido é um herdeiro do projeto nacional-desenvolvimentista de Getúlio Vargas?
MENEGUELLO
- Acho que ele é mais moderno do que isso, porque a proposta varguista era muito populista. Como proposta de desenvolvimento nacional unindo capital e trabalho, ela parece muito com isso, mas certamente não é o varguismo.

FOLHA - O PT já enfrentou várias cisões (que originaram o PCO, PSTU, PSOL), mas até agora nenhuma delas parece ter demonstrado vocação para criar outro partido de massa.
MENEGUELLO
- Essas cisões de esquerda não têm a intenção de virar partidos de massa. Esse é o limite delas -é o limite de se transformar cisões internas em pequenos partidos de esquerda. É a natureza delas: PCO, PSTU, PSOL não avançam na relação com o eleitorado. Não é que elas não conseguem fazer isso: elas não querem fazê-lo.

FOLHA - Por enquanto não há perspectiva de substituição do PT por outra legenda de esquerda?
MENEGUELLO
- Não. No cenário nacional hoje não há nenhum outro partido com a mesma natureza de massa que o PT.

FOLHA - Quais são as perspectivas do partido sem Lula concorrendo?
MENEGUELLO
- Hoje o PT não tem candidato à Presidência. Não vejo com muito dificuldade que o Lula mesmo vá atrás de Ciro Gomes. Ciro provavelmente seria o único que pudesse dar seqüência a uma certa proposta do Lula de reversão da política brasileira para o Nordeste. Pois o Lula fez isso com a política nacional: trouxe o Nordeste para a cena política.


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