São Paulo, segunda-feira, 02 de outubro de 2000

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Clientelismo resiste no subúrbio

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Que polícia, que nada. O Jardim Ângela -o distrito mais violento de São Paulo, com 222 assassinatos registrados no ano passado- está mais preocupado com água encanada, esgoto e asfalto. Como não há nem nesga de prefeitura por perto, está montado o cenário perfeito para o escambo.
No dia da eleição, a a dona-de-casa Francisca Fátima de Souza, 42, exibe a mais recente conquista de sua favela -vielas de concreto: "Nós vivíamos no meio dos ratos, as crianças viviam com doença de rato, e o Milton Leite nos salvou".
Salvou, segundo ela, porque deu o material para a concretagem de uma dezena de vielas do Jardim Caiçara, uma das favelas do Jardim Ângela, na zona sul. Fátima retribuiu votando nele.

Ratos
Os ratos já não invadem as casas; ficam nos córregos. "Votei no Milton Leite porque ele fez essa obra aqui. O Maluf só faz concreto lá na cidade", diz o catador de sucata Edson de Oliveira, 30.
Leite é o vereador do PMDB que foi relator da CPI da máfia dos fiscais e é candidato à reeleição. "As pessoas têm a impressão de que fui eu que fiz a obra, mas não fiz nada. Entidades próximas a mim doaram o material e a população concretou a viela em mutirão. Não tem crime nisso. Foi tudo feito antes de 5 de julho e não pedi um voto", rebate.
Não é só com Leite que os eleitores supostamente se confundem. A líder comunitária Elza de Lima Souza, 51, que trabalha para o candidato a vereador Alan Lopes (PTB), também foi vista distribuindo cestas básicas nas vésperas da eleição, mas diz que não há clientelismo: "Não distribuo cesta básica no comitê do vereador. Distribuo na comunidade. São cestas do governo do Estado. Não discrimino. Há pessoas que pegam cesta comigo e trabalham para o Milton Leite. Não há troca por votos", relata.

Bangue-bangue
O Jardim Ângela ganhou fama por causa da violência. Os 222 homicídios do ano passado foram registrados num universo de 221.424 moradores. É mais do que o dobro de assassinatos contados em Nova York, cuja população é de cerca de 7 milhões.
A impressão de que ali se vive um bangue-bangue parece ser mais alienígena. "Prefiro asfalto do que segurança. Para mim, aqui não é perigoso", diz o mecânico Cleber Rodrigues, 27, que mora numa rua em que as promessas de pavimentação têm 15 anos.
Ele votou em Romeu Tuma não porque o candidato do PFL foi policial, mas "porque ele prometeu descentralizar as administrações regionais".
O discurso de Paulo Maluf de colocar a polícia nas ruas já não convence, segundo o candidato a vereador Zé Auto Peças (PSC), apelido de José Andrade Rodrigues, 55. Ex-cabo eleitoral de Maluf, Zé diz que os homicídios são só um sintoma: "O problema aqui é lazer. Os jovens precisam de ocupação e só sobrou uma quadra. Os policiais não são preparados para combater a violência".
Lucila Pizani Gonçalves, 42, candidata a vereadora pelo PT, concorda com Zé Auto Peças na avaliação. Mas sua proposta para combater os assassinatos vai além do esporte: "A escola deveria ser um centro de referência contra a violência. Não basta ensinar a ler e a fazer contas. Tem de ensinar a valorizar a vida".


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