São Paulo, domingo, 02 de dezembro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PERFIL

Em alta no Planalto, advogado-geral exibe estilo que dificulta sua ida para o STF

Polêmico, Mendes acumula atritos com Poder Judiciário

Alan Marques/Folha Imagem
O titular da Advocacia Geral da União, ministro Gilmar Mendes, durante entevista que concedeu no Palácio do Planalto, em Brasília


WLADIMIR GRAMACHO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A escalada verbal do advogado-geral da União, Gilmar Ferreira Mendes, no diálogo com o Judiciário uniu seus amigos e inimigos em dois juízos sobre ele. Primeiro: ele é determinado. Segundo: ele está exagerando.
Ao defender os interesses do governo, o "juridiquês" de Mendes incorporou termos como "manicômio judiciário", na luta pelo fim da greve nas universidades, "autismo dos juízes", na privatização do Banespa, e "censura prévia", quando sugeriu que os ministros do Supremo Tribunal Federal não falassem mais em off.
Quando desce à verborragia, dizem defensores e adversários, Mendes não só se desqualifica como o embaixador do governo nas batalhas judiciais como também põe em risco sua aspiração de ocupar uma vaga no Supremo, no ano que vem.
O presidente da corte, ministro Marco Aurélio de Mello, diz que o comportamento de Mendes, ao usar a expressão "manicômio judiciário", "ultrapassou os limites do aceitável no vernáculo e no bom relacionamento". Com isso, avisa Marco Aurélio, "ele se desgasta e perde como interlocutor".

Beque de várzea
Outro de seus contendores habituais, o presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) de Brasília, juiz Tourinho Neto, reconhece que a Advocacia Geral da União (AGU) tem se esforçado para virar um jogo no qual vinha perdendo de goleada.
"O advogado anterior, Geraldo Quintão, deixava a bola passar. O atual não mede esforços para evitar o gol. O problema é que trocaram um frangueiro por um beque de várzea", compara.
Recentemente, o juiz conta que recebeu seis ligações de Mendes em poucas horas, todas com a mesma sucessão de frases. "Como é, Tourinho, já decidiu?" "Não, Gilmar. Ainda estou estudando o processo, rapaz."
O presidente do TRF não se lembra qual era o caso em questão. Mas diz que não foi a primeira vez. "Ele às vezes é impertinente, abusivo", define.
Aos 45 anos, Mendes nunca experimentou tanto poder. Há 30 anos, sentava-se no banco das escolas de Diamantino (MT), onde nasceu. Há 11, concluía seu doutorado na Universidade de Münster, na Alemanha. Há nove, defendia o ex-presidente Fernando Collor no STF. Agora, seu cargo equivale ao de ministro de Estado.
A pedido da reportagem, o advogado-geral nomeou dez pessoas que considera seus amigos. A Folha ouviu de quatro deles considerações sobre a trajetória e a personalidade de Mendes.
"Ele talvez seja o maior conhecedor de controle concentrado de constitucionalidade do mundo, mas às vezes ultrapassa limites", opinou o tributarista Ives Gandra da Silva Martins, parceiro em diversos livros e trabalhos e amigo próximo do casal Mendes e dos dois filhos.
"Gilmar Mendes é o mais talentoso constitucionalista de sua geração. Mas ninguém pode se deliciar com essa posição agressiva. O advogado-geral não deve se portar assim e isso não ajuda numa possível candidatura ao STF", ponderou o jurista Celso Bastos.
Também fizeram comentários, sob a condição da reserva de seus nomes, um ministro do STF e um procurador da República. Após alguns elogios, o primeiro disse que há "muita mágoa" no Judiciário contra Mendes, e o segundo recomendou que ele nem pense em voltar para o Ministério Público, no qual "não é bem quisto".
Em 1996, Gilmar Mendes redigiu um projeto de lei que era ruim para seus colegas e bom para ele. O então assessor jurídico da Casa Civil sugeriu a redução das férias dos procuradores de dois meses a um mês por ano -tese, diga-se, defendida por vários deles.
Mas, na mesma penada, Mendes queria que os procuradores que ocupassem cargos no Executivo não fossem impedidos de obter promoções, como dispõe a lei orgânica do Ministério Público. Na ocasião, o benefício serviria apenas a ele e a outros dois procuradores que o assessoravam.
"Apesar de todas as críticas, não sou um gênio do mal, como dizem", defendeu-se Mendes, na tarde da última quinta-feira, enquanto exercitava sua grande elasticidade facial, capaz de levá-lo de um largo sorriso ao cenho franzido em fração de segundos.
"Muitas vezes fico sozinho, tomando decisões importantes, e essa é uma tarefa de muito estresse. Imagine só conceber as fórmulas jurídicas por ocasião do racionamento e viabilizá-las juridicamente. Foi muito difícil. Os problemas deságuam todos aqui", lamenta o advogado-geral.
Toca o telefone. O interlocutor é atendido de forma carinhosa. Mas logo em seguida ouve por dez vezes seguidas, em menos de 15 segundos, "tá bom", até encerrar a conversa.

"Só um pescoção"
Intempestivo, Mendes oscila entre o laconismo e a verbosidade. Foi processado por dizer que "o autismo é um mal complicado no Judiciário" e já foi agredido, literalmente, por chamar de "truculento" um colega de magistério na Universidade de Brasília. Como a Faculdade de Direito da UnB é ilustrada por autoridades das mais variadas, o pugilista em questão era o ex-secretário da Receita Federal Osiris Lopes Filho.
"Nós nunca nos demos bem. Mas há uns dois anos, ele interrompeu uma conversa minha para dizer que eu estava atacando muito o Everardo Maciel [atual secretário da Receita". Dei só um pescoção nele. Aí ele viu que ia levar um murro e desviou", lembra Osiris, que gosta de se referir a Mendes como "cão da ditadura".
"Eu disse apenas que ele tinha que rever essas posições porque isso era problema para ele, que havia sido preterido no governo", conta Mendes. "Dei as costas e ouvi: "Você é que é um puxa-saco do governo". Se eu quisesse bater nele... obviamente... um homem que anda de bengala...", relatou o advogado-geral. "Sou um homem de paz", define-se.


Texto Anterior: Painel
Próximo Texto: Frases
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.