São Paulo, sexta-feira, 02 de dezembro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/DEPOIS DA QUEDA

Ex-deputado diz que agia sob ordens e quer contar em livro "erros e limitações" do governo

Dirceu "compartilha" erros com Lula e defende Delúbio

Sérgio Lima/Folha Imagem
José Dirceu, que teve o mandato de deputado cassado na madrugada de ontem, pela Câmara


FÁBIO ZANINI
SILVIO NAVARRO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Nas primeiras declarações públicas como "apenas o Zé Dirceu", o ex-ministro e deputado cassado disse ontem que na Casa Civil sempre agiu por ordem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e prometeu contar num livro quais foram "as limitações e os erros" do governo.
José Dirceu afirmou que desistiu de lutar no Supremo para reaver o mandato. Também não quer o benefício de uma aposentadoria parlamentar proporcional, após 12 anos de mandato.
Tentando passar a imagem de humildade, bem-humorado, pedindo desculpas freqüentemente, Dirceu falou por uma hora e 40 minutos sobre a "dor inimaginável" de ter perdido o mandato na madrugada de ontem.
Apesar disso, afirmou que continua vivo na política, procurando dizer que seus erros não foram gerados isoladamente. Alguns teriam sido compartilhados com o próprio Lula. E defendeu o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares.
O petista prometeu continuar na militância política. O primeiro compromisso é hoje mesmo, num ato de apoio ao deputado João Paulo (PT-SP), em Osasco.
Na próxima semana, Dirceu começa a gravar depoimento para o escritor Fernando Morais, para um livro que não será "chapa-branca". Em janeiro, viaja aos EUA, onde fica por 60 ou 90 dias. Ao retornar ao Brasil, será sócio num escritório de advocacia.

 

PODER - Dirceu afirmou que não tem interesse em voltar ao poder. "Já cumpri meu papel na vida política do país. Eu nunca olho para trás. Tenho que, com humildade, reconstruir a minha vida. Isso vai me custar anos. Vou atuar na vida política do país, dentro das minhas possibilidades. Vou participar do debate, vou apoiar os movimentos sociais. Não sou mais um homem público, sou um cidadão brasileiro. Não tenho mais poder nenhum."

DELÚBIO E SILVINHO - O petista defendeu o ex-tesoureiro Delúbio Soares e o ex-secretário-geral do PT Sílvio Pereira, apontados como pivôs da crise. "Os dois [Pereira e Delúbio] continuam meus amigos. [...] O Delúbio tem uma vida simples. Ele pode ter cometido grandes erros, mas é uma pessoa honesta. O Delúbio não é uma pessoa corrupta. Ele cometeu erros e está pagando por eles."

OUTRA SITUAÇÃO - Dirceu disse que, se fosse ministro ou dirigente petista, não estaria na atual situação. Instado a ser mais claro, não quis dar detalhes e pediu desculpa. "Infelizmente, não sou mais nem deputado, nem ministro, nem presidente do PT. Se eu fosse, a situação seria outra. Com o perdão da falsa modéstia. [...] Na verdade, eu não devia ter afirmado isso. Peço desculpas. Foi um excesso da minha parte, dado o cansaço e a emoção."

A CASSAÇÃO - O ex-ministro afirmou que respeita a decisão da Câmara, mas fez críticas ácidas: "O Congresso deu um passo que eu considero arriscado. Espero que isso não se volte contra o próprio Congresso e a democracia".

DOR PESSOAL - Ao falar da sensação de ser cassado, o ex-homem forte do governo afirmou que a "vida é dura". "Para mim, é uma violência, parece que perdi a minha própria vida."

LIVRO - Dirceu afirmou que seu livro vai conter revelações sobre o governo, mas que Lula não precisa temê-lo. "Vou fazer um livro para ajudar o Brasil a repensar o Brasil. Um livro que não será chapa-branca. Eu não posso revelar segredos de Estado, mas inconfidência políticas eu posso. Todo mundo sabe que eu, quando faço a luta política, faço com lealdade, com transparência. Ninguém tem que temer nada. É preciso expor para o país as limitações e os erros de um dos melhores governos que o país teve, inclusive para ter autoridade para pedir um novo mandato para o PT."

LULA - O deputado cassado declarou que sempre agiu por ordem do presidente. "Não é verdade que algum dia eu exerci qualquer poder que não seja delegado pelo presidente. Sempre fui leal e obedeci à hierarquia do governo. Nunca me sentei antes de o presidente sentar, nunca chamei o presidente de Lula, sempre chamei de senhor presidente. Eu tenho consciência da liturgia do cargo."

ERROS - Dirceu disse, sem dar detalhes, que muitos erros que cometeu foram de responsabilidade também do PT, do governo e de Lula. "Cometi muitos grandes erros para chegar a essa situação. Sou de opinião de que eu deveria ter saído da Casa Civil no fim de 2004. Esse foi um. Outros cometi junto com o governo, junto com o presidente, junto com o PT."

DIRCEU POR DIRCEU - Tentando passar uma atitude humilde, Dirceu disse que não quer ser visto como vítima. "Sou apenas o Zé Dirceu e me sinto muito bem como Zé Dirceu. [...] Não me sinto nessa posição de vítima, tem coisa muito mais grave acontecendo no país, milhões de brasileiros em situação muito mais grave. Não vamos dramatizar muito isso, não tem essa importância toda."

A CRISE - Em dado momento, Dirceu afirmou que a crise é artificial. Depois, recuou. "A crise política tem um lado artificial, que é provocado pela oposição, para desestabilizar o governo. Vamos falar as coisas com franqueza. [...] Não estou dizendo que a crise é artificial, ela tem razões que precisam ser investigadas."

IMPRENSA - Apesar de dizer que a imprensa tem direito a ter opiniões, Dirceu acusou setores dela de "noticiário dirigido". "No Brasil, os donos de imprensa têm interesses econômicos. A imprensa não é neutra, tem os seus problemas, as suas dívidas."

O FUTURO - O ex-ministro disse que sua prioridade no momento é trabalhar para ganhar dinheiro. "Eu não tenho dinheiro para pagar a pensão das minhas filhas no mês que vem. [...] Quem sou eu para fazer planos para oito anos? Vou fazer planos para a semana que vem. Deixa a vida levar, como disse o Zeca Pagodinho." Negou guardar mágoa. "Não é uma postura aceitável da minha parte remoer o que passou."


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