São Paulo, sábado, 03 de fevereiro de 2007

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"Corrupção tem no mundo inteiro", afirma Chinaglia

Novo presidente da Câmara diz que combate a fraudes é difícil e que aceita sugestões

Petista quer levar a votação no plenário já na próxima semana o aumento dos salários dos deputados pela inflação, para R$ 16.700


Lula Marques/Folha Imagem
Presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, em entrevista à Folha


FERNANDO RODRIGUES
VALDO CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Em sua primeira reunião político-administrativa como presidente da Câmara, na próxima terça-feira, Arlindo Chinaglia (PT-SP) quer definir com os líderes partidários o aumento dos salários dos parlamentares. "Se a pauta permitir, na primeira semana [colocarei em votação no plenário]." A pressa, diz ele, é porque deseja "ficar livre desse assunto."
Indagado se a iniciativa não teria repercussão negativa, disse que talvez vote antes algum outro tema importante. Mas insistiu que pretende aprovar em fevereiro o projeto que elevará o salário dos deputados dos atuais R$ 12.750 para cerca de R$ 16.700 -um reajuste que aplicará a inflação do período.
Chinaglia diz não guardar mágoas do processo eleitoral.
Mas não consegue esconder ressentimentos em relação ao presidente reeleito do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que teria trabalhado por Aldo Rebelo (PC do B-SP). A seguir, trechos da entrevista concedida ontem à Folha:

 

FOLHA - A associação do seu nome ao do ex-deputado José Dirceu durante a campanha o incomodou?
ARLINDO CHINAGLIA -
Evidente que incomodou. Foi uma estratégia de explorar e aumentar aquilo que ficou definido como antipetismo. É uma falsa questão, ninguém sabe onde está a proposta de anistia do José Dirceu. Ele já declarou que vai batalhar pela anistia. É direito dele. Se alguém apresentar um projeto de lei, vai tramitar.

FOLHA - O presidente da Câmara tem poder para ajudar a emperrar ou não a tramitação de um projeto.
CHINAGLIA -
O que vou responder de forma definitiva é: eu não vou patrocinar qualquer mudança que fira o que já disse. Ou seja, é de responsabilidade de quem apresentar. Não vou interferir, não vou patrocinar.

FOLHA - Nem ajudar, nem atrapalhar?
CHINAGLIA -
Exatamente. Por que eu vou ter uma atitude de ajudar ou atrapalhar fazendo uma seleção isolada, individual, usando o cargo de presidente para fazer política nesse nível? Esse é um tema evidentemente menor frente à constelação de interesses do país.

FOLHA - Se o projeto chegar ao plenário, o sr. vota a favor?
CHINAGLIA -
O presidente não vota. Mas imagino que no PT o José Dirceu deverá ter muitos votos, a maioria.

FOLHA - Na cassação dele, o sr. votou para cassar ou absolver?
CHINAGLIA -
Não abri nenhum voto em qualquer circunstância e não vou abrir agora.

FOLHA - No seu discurso o sr. disse que tem de resgatar a autoridade da Câmara.
CHINAGLIA -
A sociedade desconfia do Congresso, o que não é bom. Resgatar a autoridade é trabalhar, estabelecer o que é importante para o país, a partir das necessidades de sua população. Essa é uma parte. A outra é que não temos nenhum compromisso com o erro. Qualquer um, inclusive eu, que vier a cometer qualquer erro tem de ser analisado e julgado individualmente. Mas quando for um caso grave, em que o deputado for atingido irremediavelmente e aquilo se provar uma calúnia, tem que dar o espaço para que ele recupere a sua condição.

FOLHA - Como fazer isso?
CHINAGLIA -
Difícil, muito difícil. O que os deputados mais reclamam é que são julgados e condenados sem direito a defesa, do ponto de vista de imagem. É importante não aceitar críticas que se revelarem injustas, algo que generalize o ataque à instituição. Conspira contra a democracia.

FOLHA - A última legislatura foi marcada por vários escândalos, como mensalão, sanguessugas. Qual será a ação concreta para evitar a reincidência desses casos?
CHINAGLIA -
A maior responsabilidade da má imagem é de componentes da legislatura passada. Contra isso, não há o que reclamar. Foram cometidos delitos graves. Esperar que a sociedade julgue de forma diferente é impensável. O Legislativo deve estar à altura da sua tarefa e não cometer esse tipo de erro. A Comissão de Orçamento já produziu alterações nesse sentido: um deputado não fica dois anos seguidos na comissão. Fica apenas um ano.

FOLHA - Nos últimos anos também foram prometidas medidas moralizadoras, mas os casos se repetiram.
CHINAGLIA -
Tem de haver a vigilância da sociedade sobre os processos licitatórios. O pregão eletrônico pode ser algo que ajude a combater as fraudes. Mas chega num limite em que não há quem possa controlar, vamos falar claro, porque corrupção tem no mundo inteiro. É algo feito nas sombras, na escuridão. É uma tratativa pessoal. Muitas coisas só são descobertas por acidente. É muito difícil você controlar. Não sei como fazer, gostaria de saber. Se vocês tiverem idéias, eu serei todo ouvidos.

FOLHA - Na sua campanha, o sr. declarou ser a favor de mais transparência na prestação de contas dos deputados sobre a verba indenizatória de R$ 15 mil mensais. Uma medida é divulgar as notas fiscais dessas despesas. O que o sr. fará?
CHINAGLIA -
A minha posição se mantém. Se o presidente puder tomar a decisão, tomarei. Se tiver de submeter à avaliação da Mesa, vou fazer isso. Você pode identificar o valor da nota, o seu número e o CNPJ.

FOLHA - Poderá tornar público o acesso à nota fiscal?
CHINAGLIA -
Isso eu não sei. Eu creio que o acesso a documentos da Câmara deva ser só de funcionários. Se houver dúvida no trabalho de quem tem a responsabilidade de fiscalizar, nós temos de corrigir.

FOLHA - Não há um recuo nessa sua decisão?
CHINAGLIA -
Não, não tem. Se a Mesa Diretora decide sem haver uma costura política a respeito de a mídia, ou quem quer que seja, ter acesso aos documentos, seguramente haverá uma reação na linha de que a privacidade está sendo violada.

FOLHA - Mas o sr. se compromete a defender a divulgação do CNPJ, o valor e a data do gasto de deputados com verbas indenizatórias?
CHINAGLIA -
Isso sim, claro.

FOLHA - A sociedade acha que os deputados trabalham pouco. Como tratará esse tema?
CHINAGLIA -
Ontem eu cogitei de chamar uma sessão deliberativa para segunda-feira. Um assessor não recomendou. Vai convocar, não vai acontecer e eu me desmoralizaria. O importante é ter um plano que seja útil e possível. Pretendo fazer as sessões deliberativas às terças, quartas e quintas. Às sextas, vamos pautar para o debate temas relevantes.

FOLHA - Mas a "semana de deputado" de terça a quinta continua?
CHINAGLIA -
Isso sempre me incomodou. Eu trabalho sete dias por semana, pois há uma realidade inescapável. Tenho de ir ao meu Estado para fazer política. Não existe essa de deputado ficar em casa, sem fazer nada. Quem faz isso não é eleito.

FOLHA - O sr. defende a reposição da inflação nos salários?
CHINAGLIA -
Exato.

FOLHA - Quando vai propor esse reajuste para parlamentares?
CHINAGLIA -
Vou chamar uma reunião com os líderes [dia 6]. Vou dizer que colocarei em plenário. Se a pauta permitir, na primeira semana. Quero ficar livre desse assunto.

FOLHA - Com o reajuste pela inflação, o valor ficar entre R$ 16 mil e R$ 17 mil. Não haverá desgaste?
CHINAGLIA -
A sociedade entende que o deputado não é um cidadão comum. Ele tem poder de representação e tem poder para decidir sobre a vida das pessoas. Não creio que a sociedade tenha uma visão vingativa contra os parlamentares. O que a sociedade exige, com razão, são atitudes à altura do cargo.

FOLHA - Mas a leitura só pode ser: na primeira reunião da nova Mesa se tratou do aumento.
CHINAGLIA -
É um bom alerta. Talvez eu até reveja. Talvez a gente deva votar alguns temas importantes antes. Mas não quero ficar com essa pauta arrastada. Vai ser votado em fevereiro.

FOLHA - Como o sr. vai se relacionar com Renan Calheiros, que preferia a vitória de Aldo Rebelo?
CHINAGLIA -
Institucionalmente. Eu não guardo mágoas. Prefiro trabalhar na política.

FOLHA - Houve interferência do Senado na eleição da Câmara?
CHINAGLIA -
Claro. O Renan. Era muito comentado. Embora ele tenha negado para mim e soltado uma nota.

FOLHA - O sr. não acreditou?
CHINAGLIA -
Eu acreditei, mas a equipe dele, é público e notório, estava trabalhando para o Aldo.

FOLHA - O sr. derrotou Lula? Ele inicialmente preferia o Aldo Rebelo.
CHINAGLIA -
Quem disse isso? Eu nunca ouvi. Você imagina se o presidente Lula tivesse jogado o seu peso contra a minha candidatura? Eu teria perdido. Eu gostaria que tivesse ajudado. Mas não teria sido prudente do ponto de vista institucional. Por essa razão, ele não entrou.

FOLHA - E o José Serra, ajudou?
CHINAGLIA -
Não. Quando surgiu o noticiário de que haveria interesses cruzados, até desmarquei uma conversa com ele.

FOLHA - Os tucanos paulistas que votaram no sr. derrotaram FHC?
CHINAGLIA -
Acho que Fernando Henrique não apoiou propriamente o Aldo. Ele quis ganhar tempo.


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