São Paulo, domingo, 03 de maio de 2009

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Fim da farra aérea restringe ação de partidos

Prática de pagar locomoção de líderes de movimentos sociais deverá ser assumida pelas legendas ou pelas próprias organizações

Indignação de políticos de esquerda, que mais faziam uso do expediente, é que os setores mais ricos não perderão poder de lobby


JOHANNA NUBLAT
SOFIA FERNANDES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A exposição da farra das passagens aéreas no Congresso e a decisão de pôr fim à emissão de bilhetes da cota de congressistas para terceiros arruínam o esquema de mobilização dos principais partidos de esquerda. A prática comum de pagar a locomoção de líderes de movimentos sociais a Brasília ou a outras cidades terá de ser assumida pelos partidos ou movimentos, dizem parlamentares.
Dispor da estrutura da Casa para que trabalhadores, dirigentes sindicais e membros de organizações possam fazer pressão em Brasília é legítimo, dizem os políticos consultados pela Folha. A prática foi defendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele próprio um ex-sindicalista, na sexta.
Para eles, é uma forma de balancear as opiniões com grupos de maior condição financeira em debates e "de combinar democracia direta com a representativa", afirma a deputada Manuela D'Ávila (PC do B-RS).
Mas abrir brechas na resolução para alguns casos, avaliam, está fora de cogitação. "Vamos respeitar e dar um jeito de resolver a locomoção de terceiros por outros meios", disse a deputada Luciana Genro (PSOL-RS), que cedeu passagens para o delegado da PF Protógenes Queiroz dar uma palestra.
Ela diz acreditar que o impacto será maior no desempenho da atividade parlamentar do que nos movimentos sociais. "Era o interesse do meu mandato que trazia essa pessoa ou a levava a determinado local. É o meu mandato que vai ser prejudicado", afirma ela.
O uso da cota era diverso. O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), por exemplo, levou a Brasília lideranças do Movimento Nacional de Luta pela Moradia em novembro de 2007. O motivo foi uma audiência pública na Câmara para discutir a situação de prédios abandonados no Rio com membros do Ministério das Cidades e congressistas.
O deputado Fernando Ferro (PT-PE) diz ter usado a cota com esse fim quatro ou cinco vezes, para o transporte de pessoas ligadas a movimentos culturais de Pernambuco e do movimento dos sem-terra.
Esse tipo de articulação, defende Chico Alencar, é fundamental para manter apoios e exercer o mandato. Secada a fonte de passagens, ele está disposto a exigir do partido e das comissões da Casa que entrem com recurso para bancar passagens de líderes sociais, muitos dependentes do apoio. Essa não é, porém, uma ideia consensual. D'Ávila e Ferro acham que os movimentos não podem se comprometer com os partidos para conseguir o apoio.
"Vai comprometê-lo [o movimento] com o partido político e, por característica, ele tem de ser apartidário", diz Ferro.
A indignação desses partidos é que setores mais ricos e estruturados não perderão seu poder de lobby. "Empreiteiras, bancos, todos têm deputados fazendo pressão para mudar as medidas provisórias, para aprovar projetos de lei do Executivo", diz o deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE).
Os movimentos, por sua vez, também terão de encontrar alternativas. Lúcia Stumpf, presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes), diz que eles devem encontrar outros caminhos, por meio de parcerias. Segundo ela, a UNE não dependia das cotas aéreas para fins de mobilização política, mas diz ser legítima a prática.
Apesar de associada à esquerda, a prática favoreceu outros movimentos. Vice-presidente do Brasil Sem Aborto, Jaime Ferreira Lopes diz que o uso da cota para trazer pessoas ligadas a debates sociais seria uma forma legítima de "devolver ao povo o que ele paga". Lopes afirma que o movimento não dependia da cota, mas que, em alguns casos, congressistas usaram-na para levar pessoas para audiências.
Tanto ele como Stumpf dizem que o Congresso fez certo ao restringir o uso.


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