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Fim da farra aérea restringe ação de partidos
Prática de pagar locomoção de líderes de movimentos sociais deverá ser assumida pelas legendas ou pelas próprias organizações
Indignação de políticos de esquerda, que mais faziam uso do expediente, é que
os setores mais ricos não perderão poder de lobby
JOHANNA NUBLAT
SOFIA FERNANDES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A exposição da farra das passagens aéreas no Congresso e a
decisão de pôr fim à emissão de
bilhetes da cota de congressistas para terceiros arruínam o
esquema de mobilização dos
principais partidos de esquerda. A prática comum de pagar a
locomoção de líderes de movimentos sociais a Brasília ou a
outras cidades terá de ser assumida pelos partidos ou movimentos, dizem parlamentares.
Dispor da estrutura da Casa
para que trabalhadores, dirigentes sindicais e membros de
organizações possam fazer
pressão em Brasília é legítimo,
dizem os políticos consultados
pela Folha. A prática foi defendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele próprio
um ex-sindicalista, na sexta.
Para eles, é uma forma de balancear as opiniões com grupos
de maior condição financeira
em debates e "de combinar democracia direta com a representativa", afirma a deputada
Manuela D'Ávila (PC do B-RS).
Mas abrir brechas na resolução para alguns casos, avaliam,
está fora de cogitação. "Vamos
respeitar e dar um jeito de resolver a locomoção de terceiros
por outros meios", disse a deputada Luciana Genro (PSOL-RS), que cedeu passagens para
o delegado da PF Protógenes
Queiroz dar uma palestra.
Ela diz acreditar que o impacto será maior no desempenho da atividade parlamentar
do que nos movimentos sociais. "Era o interesse do meu
mandato que trazia essa pessoa
ou a levava a determinado local. É o meu mandato que vai
ser prejudicado", afirma ela.
O uso da cota era diverso. O
deputado Chico Alencar
(PSOL-RJ), por exemplo, levou
a Brasília lideranças do Movimento Nacional de Luta pela
Moradia em novembro de
2007. O motivo foi uma audiência pública na Câmara para discutir a situação de prédios abandonados no Rio com
membros do Ministério das Cidades e congressistas.
O deputado Fernando Ferro
(PT-PE) diz ter usado a cota
com esse fim quatro ou cinco
vezes, para o transporte de pessoas ligadas a movimentos culturais de Pernambuco e do movimento dos sem-terra.
Esse tipo de articulação, defende Chico Alencar, é fundamental para manter apoios e
exercer o mandato. Secada a
fonte de passagens, ele está disposto a exigir do partido e das
comissões da Casa que entrem
com recurso para bancar passagens de líderes sociais, muitos dependentes do apoio. Essa
não é, porém, uma ideia consensual. D'Ávila e Ferro acham
que os movimentos não podem
se comprometer com os partidos para conseguir o apoio.
"Vai comprometê-lo [o movimento] com o partido político e, por característica, ele tem
de ser apartidário", diz Ferro.
A indignação desses partidos
é que setores mais ricos e estruturados não perderão seu
poder de lobby. "Empreiteiras,
bancos, todos têm deputados
fazendo pressão para mudar as
medidas provisórias, para
aprovar projetos de lei do Executivo", diz o deputado Paulo
Rubem Santiago (PDT-PE).
Os movimentos, por sua vez,
também terão de encontrar alternativas. Lúcia Stumpf, presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes), diz que
eles devem encontrar outros
caminhos, por meio de parcerias. Segundo ela, a UNE não
dependia das cotas aéreas para
fins de mobilização política,
mas diz ser legítima a prática.
Apesar de associada à esquerda, a prática favoreceu outros movimentos. Vice-presidente do Brasil Sem Aborto,
Jaime Ferreira Lopes diz que o
uso da cota para trazer pessoas
ligadas a debates sociais seria
uma forma legítima de "devolver ao povo o que ele paga". Lopes afirma que o movimento
não dependia da cota, mas que,
em alguns casos, congressistas
usaram-na para levar pessoas
para audiências.
Tanto ele como Stumpf dizem que o Congresso fez certo
ao restringir o uso.
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