São Paulo, Quinta-feira, 03 de Junho de 1999
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CELSO PINTO
Quem ganha com a reforma


Os municípios podem ter um expressivo aumento de arrecadação com a reforma tributária, se prevalecer uma das fórmulas que estão sendo discutidas na comissão do Congresso. Seria uma maneira de aplainar as resistências políticas dos municípios à reforma.
A avaliação de alguns deputados da comissão, como Antonio Kandir (PSDB-SP), é que o foco de resistência política dos municípios pode ser ainda maior do que o dos Estados. A principal razão são as eleições municipais do próximo ano, que mobilizam, diretamente, os interesses de metade dos 513 deputados.
Na verdade, a reforma tributária mexe com tantos interesses delicados que existe grande ceticismo, dentro do próprio governo, sobre sua viabilidade. O ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, por exemplo, é a favor de só tocar a reforma tributária depois de aprovar a reforma política.
É um xadrez, que mexe em todas as peças, mas com o princípio de não prejudicar ninguém. A comissão acha que pode botar a reforma de pé até setembro, mas tem um "plano B" pronto: se ficar claro que não dá para manter a arquitetura ou que o governo federal sairá perdedor, a reforma volta para a gaveta.
A resistência dos Estados, principalmente de São Paulo, não é pequena, mas as discussões estão mais avançadas. A proposta que está sendo discutida substitui o IPI, o ICMS e o ISS por um novo imposto (ICMS), compartilhado pela União e pelos Estados. Reúne todas as contribuições (Cofins, CSLL, PIS-Pasep, salário-educação, contribuições tipo Sesc, Senai, Senac e Sesi) em um novo imposto que não é mais "em cascata" e não onera as exportações. O novo ICMS passa a ser cobrado no destino, e não mais na origem, acabando com a "guerra fiscal" entre Estados.
Faz sentido que o imposto sobre valor adicionado, o novo ICMS, abranja também o setor de serviços, o que mais cresce, e seja arrecadado pelas máquinas federal e estadual, mas isso significa tirar o ISS dos municípios. Também faz sentido cobrar o ICMS no destino (onde o produto é consumido), mas isso vai dar um tombo nos Estados que mais produzem.
São Paulo arrecada uns R$ 20 bilhões com o ICMS e vai perder uns R$ 4 bilhões com essa mudança. Quer compensação, mas não confia em propostas de criação de fundos de compensação que podem ser mudados no futuro. Uma alternativa seria criar um novo imposto sobre venda (IVV), dividido entre Estados e municípios, para compensar a perda.
Outra, seria permitir aos Estados cobrar até 20% a mais na alíquota do ICMS para compensar a perda. Kandir prefere essa opção, porque abriria espaço para deixar o IVV como um novo imposto municipal. É nessa hipótese que os municípios poderiam sair lucrando com a reforma.
Os municípios, na conta de Kandir, arrecadam hoje R$ 13,148 bilhões, dos quais R$ 5 bilhões por meio do ISS e R$ 3,8 bilhões via IPTU (imposto territorial urbano). Ganham mais R$ 13,043 bilhões em transferências federais e R$ 18,566 bilhões em transferências estaduais.
A receita própria dos municípios, portanto, equivale a apenas 29% do total das receitas. O economista Eduardo Giannetti da Fonseca tem números ainda mais impressionantes. Os municípios com menos de 50 mil habitantes representam 91% do total de 5.513 municípios (dos quais 1.022 foram criados depois da Constituição de 88, para aproveitar-se das transferências). Nesses municípios, apenas 13% dos gastos são cobertos por receita própria.
Kandir calcula o consumo das famílias em R$ 572 bilhões. Imaginando que seja possível cobrar o novo IVV sobre metade disso, a parte tributável seria de R$ 286 bilhões. Com uma alíquota de 4%, imaginada por ele, o IVV arrecadaria R$ 11,440 bilhões, mais do que o dobro dos R$ 5 bilhões arrecadados pelo ISS hoje. Representaria um aumento de 50% nas receitas próprias dos municípios e 14% a mais na receita global, supondo que as transferências federais e estaduais permanecessem idênticas.
É uma cenoura atraente, mas tem um preço. Kandir calcula que o novo ICMS teria que ter uma alíquota de 11,7%, dos quais 2,5% seriam a fatia federal. Somada à alíquota de 7,2% do novo imposto sobre contribuição social (supondo que o imposto sobre o cheque poderia ser deduzido das despesas com INSS), a alíquota global iria para 18,9%. A tudo isso se somariam os 4% do IVV municipal.


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