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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO" / ARTIGO
As elites conspiram, mas a favor de Lula
FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL
Se há alguma conspiração em
curso, ela não visa, como quer a
versão oficial propagada pelo PT e
seus ideólogos, destituir o presidente da República do poder, mas
antes o contrário. A verdadeira
conspiração das elites é pela preservação de Lula -do "mensalão" e apesar do "mensalão".
Tal operação salva-vidas vem
sendo encampada, vocalizada e
reproduzida de diversas maneiras
e por diferentes lideranças e grupos sociais, a ponto de se converter hoje numa fala comum de entidades tão antagônicas quanto o
MST e os bancos, a CUT e a Fiesp.
Os donos do dinheiro podem
até torcer o nariz para a política de
juros -nem todos, não é banqueiros?-, mas estão em geral
satisfeitos com os resultados do
conservadorismo econômico e
toleram o resto enquanto perceberem a pista desimpedida para o
livre trânsito de seus negócios.
MST e CUT também estão mais
ou menos representados pelo
atual governo e têm seus interesses em parte contemplados. Sabem que não há hoje alternativa
de poder capaz de satisfazer melhor suas demandas e boquinhas.
O PSDB, por sua vez, tem sido
mais bombeiro do que incendiário da crise. Aos tucanos interessa
sobretudo que Lula conclua seu
mandato e chegue em 2006, se
possível, do tamanho de um chaveiro, politicamente rendido. A
eventual queda do governo viria
acompanhada de uma imprevisibilidade que só tenderia a beneficiar outsiders e vocações populistas, à esquerda ou à direita.
Onde está então o golpismo, a
trama sórdida das elites contra o
líder operário? Que Delúbio Soares, num momento de descontrole emocional e com seus poucos
recursos, tenha reavivado o fantasma fora de hora, quando o próprio governo já dava sinais claros
de que está desembarcando dessa
farsa, é mais um sintoma do divórcio em curso entre Lula e o PT
-ou a "turma do Zé", como o
presidente se refere aos homens
de confiança da estrutura comandada até há pouco por Zé Dirceu.
Se Roberto Jefferson resolveu
falar porque percebeu que o quarteirão estava sendo evacuado para
que a bomba explodisse só no seu
colo, agora é a área de Dirceu que
está sendo isolada. A dinamite foi
posta em suas mãos, e o governo
não parece nem um pouco disposto a ajudá-lo. O ex-superministro fez escala na planície e dela
foi rapidamente para o pântano
do ostracismo, onde afunda.
Ao ser cuspido da Casa Civil,
ainda tentou reinventar-se como
líder de uma mobilização em "defesa do PT e da democracia", mas
o esforço desesperado, de clara
inspiração chavista, revelou-se logo um tiro n'água. Faltava-lhe o
mínimo de lastro social. Afora o
pequeno exército de aficionados
que funciona, em qualquer circunstância, como massa de manobra, a militância petista se vê
mergulhada na sua mais profunda crise existencial.
Desiludida, revoltada ou amuada, pergunta-se em casa: será que
eles fizeram isso mesmo? Roubaram? Corromperam? Janene, Genu, Genoino, Delúbio, Mabel,
Valdemar, Valério -uma procissão de nomes esquisitos que parecem amalgamados uns aos outros
confunde o PT com o que há de
pior na política nacional.
Depois do estelionato eleitoral,
vem somar-se outro golpe, muito
mais duro, que arrasta o PT e o
governo para a vala da infâmia e
macula a reputação de seus dirigentes, corroendo a imagem, a
história e a identidade do partido.
A crise, que começou com a cena de um maço de R$ 3.000 sendo
embolsado por um chefe de departamento, revelou-se logo, após
as acusações de Jefferson, uma
guerra entre quadrilhas. A comparação entre a implosão da base
aliada do governo e a disputa de
grupos rivais do tráfico por pontos de venda de drogas talvez seja
a imagem mais apropriada para
exprimir o momento atual.
Atropelado pelos fatos quando
o foco migrou de Marinho para o
"mensalão", ou passou do varejo
para o atacado, o governo primeiro tentou abortar a CPI. Perdeu.
Depois, lançou-se à tarefa de defender a imagem do PT. Perdeu
de novo. A queda de Dirceu e a
performance patética de Genoino
no curso da crise são o melhor testemunho do tamanho do dilúvio
que se abateu sobre o partido.
Entramos na fase da autofagia
explícita. Só resta a Lula salvar a
própria pele. Presente desde o início, a blindagem do presidente
transformou-se agora na única
questão que realmente importa:
"Há algo podre no reino da Lulalândia, mas o rei está limpo" -essa a divisa em torno da qual estão
mobilizados os esforços derradeiros do Planalto.
Um assessor do presidente chegou a confidenciar nesta semana
que, diante de um cenário muito
adverso, deve-se sacrificar o PT
em benefício de Lula, porque com
ele seria possível construir outro
partido, enquanto sem ele estariam todos fritos.
Os lulistas contam ainda com o
respaldo de parcela expressiva da
mídia. Têm sido freqüentes os comentários de que o presidente errou porque delegou poder em demasia, manteve-se desinformado,
foi, em resumo, omisso. Sob a
aparência de condenação, essa
idéia do chefe autista em meio à
esbórnia é conveniente ao presidente, à falta de um álibi melhor.
Resta saber se a "turma do Zé"
aceitará ser jogada ao mar. Em
que condições e com quais contrapartidas? Seria o preço a pagar-o tal corte na carne a que se
referiu o presidente- em troca
de um acordão que permita a Lula
chegar ao final do mandato?
Seja qual for o desfecho do escândalo do "mensalão", parece
certo que o governo marcha ainda
mais para a direita. E que ficará
ainda mais refém das forças fisiológicas que alimentou.
Palocci não é hoje só o "homem
forte" do governo. É o governante
de fato. Está para Lula como o ministro FHC estava para Itamar
Franco entre 1993 e 1994. As elites
conspiram a favor e agradecem
aliviadas. A esperança não venceu
o medo. Virou lama e pó.
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