São Paulo, domingo, 03 de julho de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO" / ARTIGO

As elites conspiram, mas a favor de Lula

FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL

Se há alguma conspiração em curso, ela não visa, como quer a versão oficial propagada pelo PT e seus ideólogos, destituir o presidente da República do poder, mas antes o contrário. A verdadeira conspiração das elites é pela preservação de Lula -do "mensalão" e apesar do "mensalão".
Tal operação salva-vidas vem sendo encampada, vocalizada e reproduzida de diversas maneiras e por diferentes lideranças e grupos sociais, a ponto de se converter hoje numa fala comum de entidades tão antagônicas quanto o MST e os bancos, a CUT e a Fiesp.
Os donos do dinheiro podem até torcer o nariz para a política de juros -nem todos, não é banqueiros?-, mas estão em geral satisfeitos com os resultados do conservadorismo econômico e toleram o resto enquanto perceberem a pista desimpedida para o livre trânsito de seus negócios.
MST e CUT também estão mais ou menos representados pelo atual governo e têm seus interesses em parte contemplados. Sabem que não há hoje alternativa de poder capaz de satisfazer melhor suas demandas e boquinhas.
O PSDB, por sua vez, tem sido mais bombeiro do que incendiário da crise. Aos tucanos interessa sobretudo que Lula conclua seu mandato e chegue em 2006, se possível, do tamanho de um chaveiro, politicamente rendido. A eventual queda do governo viria acompanhada de uma imprevisibilidade que só tenderia a beneficiar outsiders e vocações populistas, à esquerda ou à direita.
Onde está então o golpismo, a trama sórdida das elites contra o líder operário? Que Delúbio Soares, num momento de descontrole emocional e com seus poucos recursos, tenha reavivado o fantasma fora de hora, quando o próprio governo já dava sinais claros de que está desembarcando dessa farsa, é mais um sintoma do divórcio em curso entre Lula e o PT -ou a "turma do Zé", como o presidente se refere aos homens de confiança da estrutura comandada até há pouco por Zé Dirceu.
Se Roberto Jefferson resolveu falar porque percebeu que o quarteirão estava sendo evacuado para que a bomba explodisse só no seu colo, agora é a área de Dirceu que está sendo isolada. A dinamite foi posta em suas mãos, e o governo não parece nem um pouco disposto a ajudá-lo. O ex-superministro fez escala na planície e dela foi rapidamente para o pântano do ostracismo, onde afunda.
Ao ser cuspido da Casa Civil, ainda tentou reinventar-se como líder de uma mobilização em "defesa do PT e da democracia", mas o esforço desesperado, de clara inspiração chavista, revelou-se logo um tiro n'água. Faltava-lhe o mínimo de lastro social. Afora o pequeno exército de aficionados que funciona, em qualquer circunstância, como massa de manobra, a militância petista se vê mergulhada na sua mais profunda crise existencial.
Desiludida, revoltada ou amuada, pergunta-se em casa: será que eles fizeram isso mesmo? Roubaram? Corromperam? Janene, Genu, Genoino, Delúbio, Mabel, Valdemar, Valério -uma procissão de nomes esquisitos que parecem amalgamados uns aos outros confunde o PT com o que há de pior na política nacional.
Depois do estelionato eleitoral, vem somar-se outro golpe, muito mais duro, que arrasta o PT e o governo para a vala da infâmia e macula a reputação de seus dirigentes, corroendo a imagem, a história e a identidade do partido.
A crise, que começou com a cena de um maço de R$ 3.000 sendo embolsado por um chefe de departamento, revelou-se logo, após as acusações de Jefferson, uma guerra entre quadrilhas. A comparação entre a implosão da base aliada do governo e a disputa de grupos rivais do tráfico por pontos de venda de drogas talvez seja a imagem mais apropriada para exprimir o momento atual.
Atropelado pelos fatos quando o foco migrou de Marinho para o "mensalão", ou passou do varejo para o atacado, o governo primeiro tentou abortar a CPI. Perdeu. Depois, lançou-se à tarefa de defender a imagem do PT. Perdeu de novo. A queda de Dirceu e a performance patética de Genoino no curso da crise são o melhor testemunho do tamanho do dilúvio que se abateu sobre o partido.
Entramos na fase da autofagia explícita. Só resta a Lula salvar a própria pele. Presente desde o início, a blindagem do presidente transformou-se agora na única questão que realmente importa: "Há algo podre no reino da Lulalândia, mas o rei está limpo" -essa a divisa em torno da qual estão mobilizados os esforços derradeiros do Planalto.
Um assessor do presidente chegou a confidenciar nesta semana que, diante de um cenário muito adverso, deve-se sacrificar o PT em benefício de Lula, porque com ele seria possível construir outro partido, enquanto sem ele estariam todos fritos.
Os lulistas contam ainda com o respaldo de parcela expressiva da mídia. Têm sido freqüentes os comentários de que o presidente errou porque delegou poder em demasia, manteve-se desinformado, foi, em resumo, omisso. Sob a aparência de condenação, essa idéia do chefe autista em meio à esbórnia é conveniente ao presidente, à falta de um álibi melhor.
Resta saber se a "turma do Zé" aceitará ser jogada ao mar. Em que condições e com quais contrapartidas? Seria o preço a pagar-o tal corte na carne a que se referiu o presidente- em troca de um acordão que permita a Lula chegar ao final do mandato?
Seja qual for o desfecho do escândalo do "mensalão", parece certo que o governo marcha ainda mais para a direita. E que ficará ainda mais refém das forças fisiológicas que alimentou.
Palocci não é hoje só o "homem forte" do governo. É o governante de fato. Está para Lula como o ministro FHC estava para Itamar Franco entre 1993 e 1994. As elites conspiram a favor e agradecem aliviadas. A esperança não venceu o medo. Virou lama e pó.


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