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ENTREVISTA DA 2ª/ MATTHEW BISHOP
Por culpa, bilionários fazem doações polpudas
Número de bilionários subiu de 423, em 1996, para 691 atualmente
no mundo, segundo informa a Economist Intelligence Unit
Para Matthew Bishop, editor de economia da revista britânica "The Economist" em Nova York, especializado no estudo do binômio riqueza e filantropia, o número de bilionários está crescendo
muito rapidamente no mundo e, com isso as doações, resultado de sentimento de culpa. Na semana passada, Warren Buffett, segundo homem mais rico do mundo, disse que pretende
doar 85% de sua fortuna, estimada em mais de US$ 40 bilhões, para a fundação comandada por Bill Gates. Bishop diz
que, muitas vezes, os bilionários têm dúvidas se as fortunas
que deixarão para seus herdeiros lhes farão bem e se os familiares serão capazes de fazer doações. Por isso, optam por entregar o dinheiro a terceiros. Os americanos gostam de fazer
doações a museus, galerias de arte e universidades.
CÍNTIA CARDOSO
DA REPORTAGEM LOCAL
O mundo nunca teve um número tão grande de multimilionários. Nem de filantropos.
De acordo com a EIU (Economist Intelligence Unit), há
691 bilionários no mundo. Desse total, 388 acumularam a sua
própria fortuna.
Toda essa riqueza, entretanto, tem gerado um certo sentimento de culpa. O resultado,
avalia Matthew Bishop, editor
de economia da revista britânica "The Economist" em Nova
York, é o crescimento dos
anúncios de polpudas doações
para causas filantrópicas.
Na semana passada, o norte-americano Warren Buffett, segundo homem mais rico do
mundo, declarou que pretende
doar 85% da sua fortuna, estimada em mais de US$ 40 bilhões, para a fundação comandada por Bill Gates. O próprio
Gates e a sua mulher Melinda
desembolsaram US$ 30 bilhões
para a fundação.
"Nos EUA, há essa cultura capitalista do "ganhador leva tudo". Mas, ao mesmo tempo, há
um contrato social tácito em
que os vencedores da sociedade
têm de ajudar os perdedores."
O jornalista, especializado no
estudo do binômio riqueza e filantropia, foi conselheiro da
ONU (Organização das Nações
Unidas) no Ano Internacional
do Microcrédito em 2005.
A seguir, a entrevista concedida à Folha por telefone.
FOLHA - Por que estamos vendo o
crescimento dessa tendência de megadoações para causas filantrópicas?
MATTHEW BISHOP O principal
motivo é que o número de bilionários está crescendo muito rapidamente. Logo, há uma possibilidade maior de se fazer esse tipo de ação. Outra razão é
que essas pessoas ricas estão
mais conscientes dos problemas no mundo. Elas sabem que
esses problemas precisam ser
resolvidos e que métodos tradicionais, como governos, não
têm capacidade de lidar com
essas questões. Esses bilionários que ganharam a vida fazendo carreira sentem a necessidade de usar os seus talentos nos
negócios para tentar resolver
os grandes problemas sociais
do globo. Acredito também que
eles estejam preocupados com
o fato que, se não usarem o dinheiro para fazer o bem enquanto estão vivos, terão que
deixar o dinheiro para os filhos.
Deixar uma grande herança,
muitas vezes, pode causar um
mal maior para esses herdeiros
do que um bem, porque eles podem ficar muito mimados e
perderem a noção do valor do
dinheiro, da importância de
trabalhar... Outro temor desses
bilionários é deixar a herança
para ser administrada por terceiros que, não se sabe, se serão
capazes de fazer ações realmente filantrópicas.
FOLHA - Sempre houve bilionários.
Qual a diferença entre essa elite de
hoje e a do passado?
BISHOP A maior diferença é
que, nessa última década, a velocidade de expansão dessas
novas fortunas foi muito maior.
Em 1996, havia 423 bilionários
no mundo. Hoje são 691. Desses, 388 construíram as suas
próprias fortunas. A globalização e o avanço de epidemias como a Aids também deram um
alerta para esses novos ricos. As
doenças que atingem muito
mais as populações dos países
em desenvolvimento tornaram
ainda mais clara a fronteira entre ricos e pobres no mundo.
Aqueles que fizeram muito dinheiro nos países ricos nos últimos anos não conseguem mais
enterrar a cabeça num buraco e
ignorar o problema em torno
deles. Isso era mais fácil de fazer antigamente.
FOLHA - Essa tendência de doar quantidades vultosas de dinheiro para a filantropia também vai chegar a países
como o Brasil?
BISHOP - No Brasil, há muitas
pessoas que se deram muito
bem nos últimos anos na esteira do crescimento econômico.
Essas pessoas não vão conseguir desviar os olhos dos problemas ao redor delas. Os ricos
do Brasil estão mais assustados
com a situação de desigualdade
social que seus pares nos outros países. Não é por acaso que
cresce tanto o número de carros blindados e de helicópteros
para escapar da violência. É
muito difícil para os milionários brasileiros morar tão perto
da pobreza e não tentar fazer
alguma coisa a respeito, especialmente quando se vê os
exemplos de Bill Gates e de
Warren Buffet.
FOLHA - Há algum aspecto cultural que
explique a propensão de certos países
a se engajarem mais em atividades filantrópicas que outros?
BISHOP - No passado, as diferenças culturais eram mais importantes. Por exemplo, nos
países católicos havia a forte
crença que, ao se doar para a
igreja, ela se encarregaria da caridade. Hoje o mundo está mais
sintonizado. Seja na China, na
Índia, no Brasil há a pressão da
sociedade para que os ricos sejam generosos. Nos EUA, há essa cultura capitalista do "ganhador leva tudo". Mas, ao mesmo
tempo, há um contrato social
tácito em que os vencedores da
sociedade têm que ajudar os
perdedores. Acho que esse modelo está sendo exportado para
outros países. Por isso, em nível
global, vai haver um crescimento da pressão para que aqueles
que são bem-sucedidos partilhem os seus lucros com os
mais necessitados.
FOLHA - Quais os principais setores a
receber a atenção e o dinheiro dos novos filantropos?
BISHOP - Há muitas tendências.
Os americanos, tradicionalmente, dão dinheiro a comunidades locais como museus, galerias de arte, salas de espetáculo e universidades. Há ainda
muito disso em voga, mas o
mais estimulante é o novo foco
no mundo em desenvolvimento em três áreas específicas.
Uma delas é a atenção aos problemas de saúde pública, com
incentivos para que companhias farmacêuticas desenvolvam medicamentos para males
como malária, tuberculose e
doenças tropicais. Outra área
interessante é a educação, com
destaque para o estímulo à educação de nível superior nos países mais pobres. A área que
mais me fascina é o setor de microfinanças, que é a nova estrela da filantropia. Ou seja, a criação de canais de acesso a crédito para os pobres para que eles
possam fazer empréstimos para negócios próprios e se tornem independentes de ajuda
humanitária internacional.
FOLHA - Há como medir os benefícios
econômicos da filantropia?
BISHOP - Essa é uma das maiores dificuldades. Como diz
Warren Buffett, no mundo dos
negócios, é possível medir o sucesso pelo lucros. Mas, quando
se doa dinheiro para a caridade,
é muito difícil saber se os recursos foram bem usados ou
não. Só é possível medir o
quanto foi aplicado. Não dá para saber o quão bem esse dinheiro foi gasto. Uma das preocupações de Bill Gates é medir
o impacto positivo do dinheiro
doado. Espero que vários filantropos também comecem a
prestar atenção para evitar
desperdícios. Há muitas histórias de fundações que desperdiçaram milhões por se canibalizarem atuando nos mesmos
nichos ou por quererem inventar a roda.
FOLHA - Quais os maiores erros cometidos por essas instituições? Em casos de
empreendimentos bilionários, como o
da fundação de Bill Gates, seria adequado adotar estratégias de gestão
das grandes corporações?
BISHOP - Um dos pontos fortes
das instituições filantrópicas é
que elas não precisam prestar
contas a ninguém. Não têm de
mostrar balanços financeiros e
têm liberdade para fazerem o
que quiserem. O lado ruim é
que não há pressão para a utilização eficiente dos recursos. Isso é maléfico quando o patrono
morre e burocratas profissionais assumem o comando da
instituição. Eles começam a fazer grandes escritórios, sedes
majestosas e não se voltam para as atividades que gerem benefícios de longo prazo.
FOLHA - Qual a diferença formal entre
filantropia e caridade?
BISHOP - Na minha avaliação,
caridade é uma ação que lida
com os sintomas dos problemas sociais. Exemplo: dar sopa
e pão para quem passa fome. Já
a filantropia é uma ação estratégica de longo prazo e com o
foco em lidar com a causa. Em
vez de dar comida para os famintos, se tenta entender o
porquê de as pessoas passarem
fome. É por isso que eu acredito
que o desenvolvimento das microfinanças é tão importante.
FOLHA - Os governos deveriam criar
mais incentivos, como benefícios fiscais, para estimular atividades filantrópicas?
BISHOP - Nos EUA, há grande
incentivo para a filantropia. No
Reino Unido, houve um aumento de incentivos fiscais para esse tipo de atividade e, de fato, houve um aumento das doações. Mas acho que esses incentivos têm que ser bem genéricos. Não gostaria de ver governos interferindo na gestão dessas entidades. A grande riqueza
da filantropia é não ser dirigida
pelo Estado, o que evita pressões imediatistas de políticos.
FOLHA - Uma grande intervenção das
ações de entidades filantrópicas pode
comprometer a ação do Estado em setores que deveriam ser de responsabilidade governamental?
BISHOP - Há um debate recorrente se a filantropia privada é
melhor que o Estado. Mas não
acredito que esse tema seja relevante. Em todos os lugares do
mundo, os governos estão sentindo que não têm os recursos
financeiros para fazer tudo o
que tem que ser feito. Assim, se
conseguirem encontrar quem
possa fazer esse trabalho, eles
ficarão muito agradecidos.
FOLHA - Ano passado foi escolhido pela ONU como o ano do microcrédito. Isso provocou algum estímulo para doações nesse segmento?
BISHOP - Não sei se foi uma
contribuição direta, mas acredito que tem surgido uma forte
consciência entre as grandes
instituições financeiras e entre
os candidatos a filantropos que
a microfinança é um modelo
que dá certo. Isso vai fazer com
que eles tendam a se empenhar
a doar para essa causa em uma
escala muito maior.
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