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São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2003

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"Tática diabólica" do MST pode gerar crise institucional, afirma Leôncio

DA REPORTAGEM LOCAL

A continuidade da atual pressão dos movimentos sociais somada à imobilidade do governo Luiz Inácio Lula da Silva, para Leôncio Martins Rodrigues, professor do departamento de ciência política da Unicamp, pode levar a uma crise institucional.
"Trata-se de uma possibilidade que não deriva apenas das futricas da burguesia e da imprensa maldosa, mas que está ligada basicamente à capacidade das lideranças do MST de aprofundar e diversificar suas ações", afirma o cientista político.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, segundo ele, utiliza uma "tática diabólica" ao mobilizar "gente muito pobre" e reunir, na linha de frente de suas ações, mulheres e crianças. "Qualquer ação das autoridades contra acampamentos e marchas dos pobres abala a consciência culpada das classes médias." Leia a seguir trechos da entrevista. (RC)

 
Folha - Há uma situação de desordem ou caos social no país?
Leôncio Martins Rodrigues -
Os dois termos me parecem fortes. Acho melhor falar num aumento da tensão social ocasionada por uma situação de tipo estrutural -desemprego e criminalidade, principalmente- e por um processo de mobilização e pressão direta sobre as instituições.
A meu ver, a continuidade da mobilização, que corre por fora do sistema político, pode levar a uma crise institucional, especialmente diante do quadro de perda da capacidade das autoridades de manter a ordem. Aí, o que seria uma crise social pode transformar-se em crise do poder de Estado. Trata-se de uma possibilidade que não deriva apenas das futricas da burguesia e da imprensa maldosa, mas que está ligada basicamente à capacidade das lideranças do MST de aprofundar e diversificar suas ações.

Folha - O que o sr. quer dizer com crise institucional?
Leôncio -
Uma das coisas graves é o governo ter abertamente contra si setores importantes da sociedade brasileira. Desde o setor empresarial, classes médias, grandes proprietários e setores importantes da alta burocracia, podendo atingir setores das classes trabalhadoras. Sobretudo tendo contra si a imprensa. Configuraria uma crise para a qual não sei que desdobramento poderia haver e que solução se poderia dar.
Isso, sempre no condicional, se o governo continuar imobilizado diante de uma crescente mobilização popular.

Folha - Uma crise desse tipo seria algo inédito?
Leôncio -
Não. O país viveu crises assim o tempo todo. Depois da 2ª Guerra Mundial é um levante atrás do outro. Tivemos a crise da renúncia do Jânio Quadros, depois a crise do João Goulart, depois a do [Fernando] Collor.
Nas condições presentes, os valores democráticos são muito fortes. Nem os EUA ou o primeiro mundo aceitariam uma saída não-constitucional. Mas um impeachment seria uma saída constitucional. Não acho que estamos já num quadro como esse.

Folha - O que o governo poderia fazer contra o aumento da tensão social?
Leôncio -
Considerando o tipo de desafio levantado pelo MST, o governo está acuado. Na verdade, é difícil encontrar uma resposta a esse tipo de mobilização social e política que seja diferente das que existiram no passado.
Estão sendo mobilizadas dezenas de milhares de pessoas com o apoio ativo da ala progressista da Igreja Católica, simpatia de membros do próprio governo e da intelligentsia urbana.
A população mobilizada pelo MST é de gente muito pobre; reúne, na linha de frente, mulheres e crianças. Apesar das cruzes que são carregadas, é uma tática diabólica. Qualquer ação das autoridades contra acampamentos e marchas dos pobres abala a consciência culpada das classes médias. Autoridades e políticos temem as consequências eleitorais de tentativas de manutenção da ordem. Por isso, acabam se limitando a medidas tópicas de natureza reativa. A iniciativa está sempre com as lideranças do MST, que continua avançando e elevando suas apostas. No Pontal do Paranapanema, o MST está prestes a estabelecer um "território liberado", administrado por ele, segundo suas regras, valores e ideologia, mas paradoxalmente sustentado pelo governo.
Não há nenhuma saída fácil à vista, mesmo porque o MST é apenas parte de um conflito ideológico mais amplo quanto aos rumos da sociedade brasileira. Por isso é que encontra tanto apoio em outros segmentos sociais, dentro e fora do governo. Minha impressão é que as autoridades só agirão quando encontrarem apoio na opinião pública, o que acontecerá apenas quando os conflitos adquirirem uma dimensão tal que colocará em risco a própria ordem política.



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