São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2008

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ELIO GASPARI

A "Coisa" está aí, para comer quem não a vê


Em qualquer época, quem acreditou na teoria da "ilha de tranqüilidade" comprou um belo mico, como Bush

RUIU a negociação para um ordenamento do comércio mundial. O petróleo está a US$ 140 o barril e o tanque de um SUV bebe mais de US$ 100 numa bomba de gasolina dos Estados Unidos. Isso no andar de cima. No de baixo, o barro necessário para fazer cem biscoitos de terra com óleo de soja e sal na favela de Fort Dimanche, em Port au Prince, subiu 40% em um ano. Como diria Bob Dylan, "alguma coisa está acontecendo por aí, mr. Jones, e você não sabe o que é".
Ninguém sabe, mas o melhor que se tem a fazer é reconhecer que a "Coisa" está acontecendo. Em 1973, quando o preço do barril de petróleo pulou de US$ 2,90 para US$ 11,65, poucas pessoas perceberam que se acabara uma Idade de Ouro iniciada em 1949. Henry Kissinger, um dos donos do mundo à época, escreveria mais tarde: "A revolução do petróleo (...) era inevitável, mas sua inevitabilidade só foi vista depois".
Nessas horas, pequenos grupos de pessoas tomam decisões que mudam a história de um país. No Brasil de 1974, governando numa economia dependente de petróleo, o presidente Ernesto Geisel resolveu pisar no acelerador. Aproveitou o dinheiro fácil do mercado mundial e foi buscar a manutenção de altas taxas de crescimento. Investiu na pesquisa e na exploração do petróleo descoberto em 1974 na bacia de Campos, lançou um programa de estímulo ao plantio de soja no cerrado e criou o Proálcool, destinado a substituir parte do consumo de gasolina. O etanol, o petróleo da plataforma continental e os grãos do cerrado tornaram-se alavancas do progresso nacional.
Esse é o lado bom da história. No lado ruim, criou-se a lenda da "ilha de tranqüilidade" e tomou-se gosto pelo endividamento externo a juros camaradas. Ele passou de US$ 12,5 bilhões no início de 1974 para US$ 50 bilhões em 1979.
Nessa hora veio uma nova "Coisa". Com a inflação americana a 13%, o presidente do Fed, Paul Volcker jogou a taxa de juros para cima, levando-a a 21,5% no final de 1980. Resultado: dois anos depois, o Brasil quebrou, entrando numa crise que mutilou os sonhos de uma geração.
Em 1993, um curioso encontrou com Volcker e comentou: "Lendo o seu livro de memórias, fica a impressão de que o senhor quebrou o Terceiro Mundo para salvar a banca americana (que emprestara dinheiro aos emergentes da época)". Ele respondeu: "Esse era o meu serviço".
A "Coisa" voltou a rondar a economia mundial e Volcker, aos 80 anos, é um dos notáveis colaboradores de Barack Obama em sua campanha para presidente dos Estados Unidos. Ele não tem medo de cara feia.
Na hipótese de um surto protecionista americano, o Brasil só tem a temer impulsos mágicos como os da Argentina dos Kirchner ou a tese da "ilha de tranqüilidade" da ekipekonômica dos anos 70. Um piripaco no mercado externo pode descarrilhar a economia de Pindorama, que exporta minério e importa trilhos com o dólar na casa dos R$ 1,50. O câmbio como política de controle da inflação quebrou o país em 1999, com uma cotação semelhante à de hoje. Pode-se não saber como será a "Coisa", mas certamente ela não beneficia países que decidem se desindustrializar.
À espera da "Coisa", a China lançou um programa de construção de 200 cidades de 3 milhões de habitantes em dez anos. Ou seja, dez Campinas por ano. Isso significa, entre outras coisas, fé no mercado interno. A China não é boba e protegeu sua lavoura contribuindo para melar uma negociação na qual o Brasil concordara em abrir seu mercado industrial em troca de concessões futuras na área agrícola.
Hoje, os livros-texto de história contam com naturalidade que a crise dos anos 70 era inevitável e que uma alta dos juros americanos em 1980 era tão certa quanto o nascer do Sol. Quem disser que sabe como será a primeira "Coisa" do século 21 estará num exercício de presunção ou desperdiçará uma oportunidade de ficar rico investindo nas suas expectativas. Uma coisa é certa: em qualquer crise e qualquer tempo, quem contrapôs a teoria da "ilha de tranqüilidade" às ameaças da "Coisa", comprou um lindo mico, como o que subiu no ombro de George Bush.

PELOS CAMELÔS
A ida de Lina Vieira para a Secretaria da Receita Federal permite a esperança de que no novo cargo ela ressuscite uma iniciativa que lançou em 2006 como Secretária de Tributação do Rio Grande do Norte. Ela se chamou "Cresce RN" e destinava-se, num dos seus aspectos, a estimular a formalização dos vendedores ambulantes.
O camelô ou dono de barraquinha que comprasse (com nota fiscal) até R$ 36 mil anuais em mercadorias podia se inscrever no programa. Recebia um número de cadastro e uma carteirinha, sem pagar nada, nunca. O pulo do gato estava na nota fiscal, pois o cidadão provocaria a formalização de sua compra, junto a um vendedor que nada tem de pobrezinho.
O programa recebeu poucas adesões e, por outros motivos, acabou afogado pelo Simples. Talvez seja possível repensá-lo. Seria mais produtivo do que perseguir os ambulantes.

CAVEIRÃO PAULISTA
A cúpula da polícia de São Paulo resolveu criar o Caveirão do Silêncio. Trata-se de um blindado que protege o secretário de Segurança Ronaldo Marzagão e o delegado-geral Maurício José Lemos Freire.
A delegada que detonou uma quadrilha onde havia 12 policiais (3 delegados) envolvidos na falsificação de milhares de carteiras de motorista foi burocraticamente afastada da Corregedoria. Ela já fora ameaçada durante a investigação do sumiço de 327,5 quilos de cocaína apreendidos pela delegacia de narcóticos, caso no qual o Ministério Público denunciou 5 policiais (outros 3 delegados). Marzagão e Lemos Freire tratam publicamente os episódios como se fossem irrelevantes.

DE OLHO
O chanceler Celso Amorim desmente os murmúrios de que almeja o lugar de diretor-geral da Organização Mundial do Comércio. O mandato do francês Pascal Lamy termina no segundo semestre de 2009. A ver.

MÁGICA
Num lance de prestidigitação, Susan Schwab, a chefe da delegação americana em Genebra, fez desaparecer a bandeira dos Estados Unidos durante o funeral da Rodada Doha. A responsabilidade pelo desastre caiu no colo da Índia e da China, enquanto os EUA ficaram apenas como coadjuvante.
Na realidade, quem embarcou para Genebra levando um muro na bagagem foi a delegação americana. A senhora Schwab foi casada com um mágico profissional.

MALVADEZA
Carla Bruni-Sarkozy deu uma entrevista à "Vanity Fair" comparando-se a Jacqueline Kennedy.
Há uma diferença entre as duas: La Bruni apareceu pelada (pela sua vontade) 15 anos antes de se tornar mulher do presidente da França. Jackie só foi fotografada em pêlo (sem o seu conhecimento, numa trama de Aristóteles Onassis, seu segundo marido) seis anos depois da morte de John Kennedy.

MALUF NA TV
Passa pela idéia de Paulo Maluf, candidato a prefeito de São Paulo, abrir seu programa eleitoral com as cenas de sua espetaculosa prisão, com direito a algemas.
Maluf é réu em três processos. No final de 2005, ele ralou 41 dias de cárcere.


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