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País tem 9 mil presos com pena já cumprida
Na maior parte dos casos, soltura só não ocorreu porque os detentos não têm defensores que comuniquem ao juiz o término da pena
Sistema carcerário atual contrasta com as 2 decisões favoráveis obtidas por Daniel Dantas em menos de 48 horas junto ao Supremo
LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL
As duas decisões favoráveis
obtidas pelo banqueiro Daniel
Dantas em menos de 48 horas
junto à mais alta corte do país
contrastam com a realidade do
sistema carcerário brasileiro.
Estima-se que até 9.000 pessoas estejam atrás das grades
apesar de já terem cumprido
pena condenatória.
Na maior parte dos casos, a
soltura só não ocorreu ainda
porque muitos não têm defensores que comuniquem ao juiz
o cumprimento da pena.
Se forem levados em conta os
que aguardam julgamento em
prisão preventiva -a mesma
modalidade imposta a Dantas-, o abismo é ainda maior.
O Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Justiça estima que o
país tenha hoje cerca de 133 mil
pessoas em preventiva, ou seja,
30% da população carcerária.
Apesar de o tempo máximo
da preventiva ser de 81 dias,
não é raro encontrar presos há
mais de dois anos, que dividem
cela com condenados e não têm
data de julgamento.
O banqueiro Dantas, investigado por uma movimentação
ilegal de cerca de R$ 3 bilhões
para fora do Brasil, foi preso
duas vezes pela Justiça Federal
em menos de dois dias. Em
questão de horas, as ordens foram anuladas pelo presidente
do Supremo Tribunal Federal,
ministro Gilmar Mendes.
"Colarinho-preto"
O deputado federal Domingos Dutra (PT-MA), que vistoriou, durante oito meses, 62 estabelecimentos penais em 18
Estados em nome da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Sistema Carcerário, diz
que a situação do banqueiro
contrasta com a realidade carcerária do país.
"Não encontramos nenhum
colarinho-branco, só "colarinho-preto". Muitos jovens, pobres e negros. Ao contrário de
Dantas, que tem uma carrada
de advogados, são pessoas sem
nenhuma assistência jurídica",
diz Dutra. O número de defensores públicos é pequeno. Em
São Paulo, por exemplo, cada
profissional é responsável pela
defesa de 5.478 presos.
Segundo Dutra, em alguns
presídios, como no Rio de Janeiro e em Pernambuco, o controle de presos é feito de forma
manual, com fichários de papel
"empoeirados e impraticáveis",
o que faz com que eles sejam
"esquecidos lá dentro".
"Sem advogado, a pena é
mais dura. Sem advogado e com
um sistema de dados caótico,
não existe progressão de regime. Há ainda os que dizem já
terem cumprido pena, mas que
não têm ninguém que verifique
isso na Justiça", afirmou.
Para o advogado da Pastoral
Carcerária, Pedro Yamaguchi
Ferreira, a situação do sistema
prisional seria menos injusta se
o Judiciário aplicasse a mesma
celeridade do caso Daniel Dantas ao preso pobre. "Temos dois
irmãos presos preventivamente há mais de três anos, sob acusação de homicídio. E eles nem
têm ainda data de júri. A Justiça deveria ter uma atuação similar para casos não midiáticos", afirma Ferreira.
Para o juiz federal Fausto
Martin de Sanctis, que decretou as duas prisões de Dantas, a
diferença de tratamento entre
os réus é um reflexo do sentimento da própria sociedade.
"Não há uma consciência de
reprovação acentuada com o
crime de colarinho-branco. Um
homicídio é visto como mais
grave, apesar de o crime financeiro atingir muitas vezes milhares de pessoas e até o Estado. O bom é que essa situação
está mudando, as pessoas estão
cada vez mais conscientes."
"Vergonha"
O presidente do Supremo e
presidente do CNJ (Conselho
Nacional de Justiça), Gilmar
Mendes, afirma que o índice de
30% de prisões preventivas é
"vergonhoso". Sobre a existência de dois pesos e duas medidas para ricos e pobres, diz que
sempre defendeu a execução de
mutirões carcerários para "dar
uma resposta a essa questão".
Na semana passada, o presídio Plácido de Sá Carvalho, em
Bangu (RJ), passou pelo primeiro mutirão do CNJ. Dos
258 casos analisados de presos
que teriam direito a algum tipo
de benefício, seis foram soltos
por cumprimento de pena -o
Tribunal de Justiça do Rio não
revelou os nomes.
Airton Michels, diretor-geral
do Depen, diz que também considera muito alto o número de
prisões preventivas, mas entende que isso reflete a realidade do país, que é um dos campeões em violência urbana.
A juíza Nídea Sorsi, 38, da 2ª
Vara de Execução Criminal do
Estado de São Paulo, é responsável por cerca de 4.000 presas.
Todo mês ele visita as penitenciárias. "Não tenho nenhuma
presa que já tenha cumprido
pena. Tenho prisões preventivas. E, para esses casos, aplico o
princípio da razoabilidade. Tomo o cuidado de analisar a gravidade do crime. Dependendo
do caso, mantenho a prisão."
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