São Paulo, sexta, 3 de outubro de 1997.



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NO BRASIL
Alto clero condena apoio da primeira-dama ao projeto que regulamenta aborto legal
Bispos acusam Ruth Cardoso de demagogia e agressão ao papa

LUIS HENRIQUE AMARAL
enviado especial ao Rio

A declaração da primeira-dama Ruth Cardoso a favor da aprovação da lei que regulamenta o aborto legal foi classificada de "agressão ao papa", "oportunista" e "demagógica" por bispos que participam do Congresso Teológico Pastoral, que acontece no Rio paralelamente à visita do papa.
Ao tomar conhecimento das declarações de Ruth, o presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), d. Lucas Moreira Neves, foi seco: "Haverá uma resposta, mas não agora".
Anteontem, Ruth afirmou, após cerimônia no Rio, que a proposta de regulamentação da lei do aborto é "um direito garantido que está sendo estendido às mulheres com menos recursos, porque elas não são atendidas no serviço público, quando deveriam ser".
Ruth Cardoso disse ainda que a visita do papa ao Brasil não terá interferência na votação da lei.
A lei que tramita no Congresso regulamenta o aborto para mulheres que estejam em risco de vida em razão da gravidez ou que tenham sido estupradas.

Ombros
O presidente do Pontifício Conselho para a Família, o cardeal colombiano Alfonso López Trujillo, evitou comentários. Questionado sobre as declarações, deu de ombros, virou as costas e encerrou a entrevista. Seu cargo equivale ao de "ministro" do papa.
O fato de o Vaticano e a CNBB não terem se pronunciado oficialmente não evitou críticas de bispos reunidos no congresso teológico.
"Para mim, o pronunciamento dela também é zero", disse d. Albano Cavallin, arcebispo de Londrina (PR). Ele se referia à afirmação de Ruth Cardoso de que a "relação entre o Congresso Nacional e o papa é zero".
O arcebispo "convidou" a primeira-dama para discutir o assunto "com as forças que lutam pela vida...: juristas, médicos, educadores e mulheres normais".
O bispo de Jundiaí (SP), d. Amaury Castanho, também foi duro: "No mínimo, foi uma indelicadeza da dona Ruth. Estranho que ela tenha feito isso depois que o Santo Padre aceitou conceder audiência a ela, o presidente, seus filhos e netos", afirmou.
Para o bispo de São Miguel (zona leste de São Paulo), d. Fernando Legal, as declarações de Ruth Cardoso foram "oportunistas e demagógicas". "Ela quis aproveitar a visita do papa para reforçar sua posição a favor do aborto", disse.
O arcebispo de Palmas (TO), d. Alberto Tavera, disse que "lamenta profundamente" as palavras da primeira-dama. "Mesmo que esse projeto seja aprovado, continuará a ser imoral."
Mais incisivo, o arcebispo de Diamantina (MG), d. Paulo Lopes de Faria, disse que a declaração da primeira-dama "fere a sensibilidade do povo brasileiro".
O arcebispo considerou as palavras da primeira-dama uma "interferência indébita". "Ela não tem referendo popular por ser esposa do presidente. Com que autoridade ela faz essa agressão?", questionou.
D. Paulo Lopes acredita que a declaração de Ruth Cardoso pode prejudicar a relação da igreja com o governo. "Será que isso contribui para o trabalho do Comunidade Solidária? Pelo contrário, eu acho que prejudica. Agora, nós da igreja vamos olhar esse trabalho com outros olhos", afirmou.
O arcebispo se referia ao programa do governo para a área social presidido pela primeira-dama.



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