São Paulo, segunda-feira, 03 de outubro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ CASSAÇÃO NO AR

Deputado sustenta que não sabia da origem de recursos e espera "racionalidade" de Aldo Rebelo

Cabia a PT prestar contas de saque, afirma João Paulo

FÁBIO ZANINI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

VERA MAGALHÃES
DO PAINEL, EM BRASÍLIA

Um dos mais importantes parlamentares ameaçados pelo escândalo do "mensalão", o ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha (PT-SP), 47, diz que a presença de Aldo Rebelo (PC do B-SP) no comando da Casa é positiva para sua defesa e a de todos os acusados, pois restabelece a "racionalidade" do processo.
João Paulo integra a lista dos ameaçados de cassação porque sua mulher, Márcia, foi ao Banco Rural sacar R$ 50 mil da conta do publicitário Marcos Valério. Sua situação piorou porque ele, primeiro, disse que a visita tinha sido para tratar de uma conta de TV a cabo e só depois admitiu o saque.
João Paulo diz que foi apenas intermediário dos recursos e que esperava que fossem contabilizados pelo partido. E nega que tenha mentido. "Não falei sobre o saque porque eu não sabia que esse dinheiro fazia parte do objeto de investigação das CPIs", diz.
Procurado no sábado para explicar sua evolução patrimonial (de R$ 232 mil, em 2002, seus bens subiram para R$ 434 mil, em 2004), João Paulo disse estar em dia com a Receita Federal.

Folha - Por que o sr. pediu para sua mulher ir ao Banco Rural retirar R$ 50 mil?
João Paulo Cunha -
Esse dinheiro era do PT, solicitei ao tesoureiro para repassar aos diretórios do partido [na região de Osasco]. Houve demanda a mim por recursos para preparar as campanhas de 2004 e procurei onde deveria ter procurado, com o tesoureiro do meu partido. Ele disponibilizou, disse que estaria na agência do Banco Rural daqui. A ida da minha mulher, ao invés de agravar minha situação, como todo mundo pensa, na verdade atenua. Se houvesse qualquer possibilidade de eu saber que esse dinheiro não era do partido eu ia mandar minha mulher? Para depois passar por uma situação constrangedora como estamos passando? Seria um negócio ridículo, né?

Folha - Então, por que sua primeira atitude foi negar e dizer que ela tinha ido ao banco resolver um problema da conta da TV a cabo?
João Paulo -
Mas ela foi mesmo. Na ocasião tinha saído a lista das pessoas que tinham ido ao prédio do Brasília Shopping. Me apressei em dizer que ela tinha ido mesmo, para resolver um problema na conta da TV a cabo de São Paulo. Não é mentira. Foi no mesmo dia em que ela foi fazer o saque.

Folha - Por que quando perguntaram o que ela foi fazer no banco o sr. não mencionou o saque?
João Paulo -
Eu não sabia que esse dinheiro que ela foi sacar fazia parte do objeto de investigação da CPI, eu estava certo de que era um dinheiro do PT.

Folha - Mas nessa altura o Roberto Jefferson já havia dito que as operações do Marcos Valério passavam pelo Banco Rural. O sr. não associou as coisas? Não sabia que se tratava de caixa dois?
João Paulo -
Claro que não. A minha compreensão era de que como era um dinheiro do PT, a responsabilidade de prestar contas era do Diretório Nacional.

Folha - Mas não há, no mínimo, uma omissão da sua parte?
João Paulo-
Não menti. Também não me omiti. Me perguntaram: sua mulher foi ao banco? Eu respondi: foi ao banco. Me perguntaram depois: teve o saque? Eu respondi: teve o saque.

Folha - De qualquer forma, há um fluxo de dinheiro para políticos que tem uma regularidade, mesmo que não seja mensal. Isso não caracteriza o "mensalão"?
João Paulo -
Os relatores das CPIs disseram no relatório o que caracteriza o "mensalão". "Mensalão" configura: a prática de caixa dois; compartilhamento de cargos ou utilização de diretorias como forma de extorsão de empresas contratadas pela administração pública; esquema ilegal de financiamento voltado ao aliciamento de parlamentares para a base do governo; pagamento de suborno com alguma periodicidade; migração exagerada em direção a determinados partidos. Onde eu me encaixo nisso? Nem em caixa dois, porque eu não era candidato.

Folha - A DNA fez sua campanha à presidência da Câmara. Depois, um de seus principais assessores [o jornalista Luís Costa Pinto] foi contratado pela SMPB. Depois, outra empresa do mesmo grupo vira a agência da presidência da Câmara. E o dono da mesma empresa paga R$ 50 mil para o sr. Não há claríssimo conflito de interesses nisso tudo?
João Paulo -
A DNA fez minha campanha à presidência contratada pelo PT. O Luís Costa Pinto prestava efetivamente serviço para a Câmara. Dentro do contrato da agência havia uma cláusula de contratação de uma consultoria permanente. Essa é uma prova que eu não sabia de nada: se eu soubesse que a SMPB estava para ganhar uma concorrência na Câmara e que o dinheiro era da empresa eu iria lá buscar? Isso atenta contra a minha inteligência.

Folha - A presença de Aldo Rebelo na presidência da Câmara, muda alguma coisa?
João Paulo
- A vitória do Aldo restabelece a previsibilidade dos trabalhos legislativos, traz de volta a serenidade para a discussão e acima de tudo refaz a necessária racionalidade na política. Ele sabe que deverá encaminhar com correção esses processos, não pode praticar injustiças com inocentes e nem inocentar quem tiver responsabilidade.

Folha - Isso não pode ser confundido com alguma tentativa de se fazer uma pizza, uma acomodação de interesses?
João Paulo
- Ele não se prestaria a isso. O julgamento não muda. A presença do Aldo dá muita estabilidade. Você faz com que as pessoas sejam ouvidas, que cada um tenha o devido processo legal.

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